Outro dia, daqui da varanda, observei que a minha árvore andava bastante irritada e agitada, movendo-se de cá para lá, indecisa, não parando quieta e lançando, tadinha, todos os seus galhos para o alto como que num pedido de socorro. Nasceu e cresceu nos Países Baixos, lugar sujeito a súbitas variações climáticas, nem sempre ditosas. O país tem uma longa costa no mar do Norte e um clima marítimo moderado, nem sempre previsível. A umidade do ar pode aprontar chuvas frequentes; metade do território holandês fica a menos de 1 metro acima do mar e boa parte das terras estão, de fato, abaixo do nível do mar.
Desde o século 12 a população tem travado uma luta ferrenha contra as águas. Certa vez, nos meados do século passado (1953), uma grande maré, acompanhada de tempestades violentas, empurrou as ondas por cima dos diques, abrindo, de repente, inúmeras brechas e causando uma inundação de proporção catastróficas. Daí o governo decidiu implementar um programa de larga escala de obras públicas – o projeto Delta – para proteger o país contra futuras enchentes, que levou mais de 30 anos para ser concluído e é considerado uma das sete maravilhas do mundo moderno.
No entanto a Holanda é conhecida pelo céu azul pastel de luminosidade especial, pelas nuvens graciosas de contornos variados, com nomes inspirados nas suas formas. Tem muita águas, rios, riachos e lagos que refletem o sol tímido e a vegetação verde musgo. O colorido poético e suave foi o cenário perfeito para Rembrandt e tantos outros. E tem um céu que parece tocar o chão, no dizer do poeta/cancioneiro Jacques Brel. Esta última observação é real, ainda com um toque meio idílico, já que a lua de mel com o verde musgo e o azul pastel (como neste tipo de lua) não é de longa duração.
O clima não agrada aos brasileiros e outros “sulistas” que moram aqui. O outono em geral é bonito, apesar de frio. Tendo em vista a profusão de bosques, parques e jardins, vale a pena passear no bosque enquanto seu lobo não vem. O lobo? Ah, é o inverno que se apresenta em novembro, rugindo e se cobrindo de cinzas, anunciando chuvinhas finas, grossas, inclinadas, perpendiculares, chatas, um inverno que só vai terminar em finais de março, abril. São meses regados a chuvas, ventanias, neblinas, neves, céu cinzento, onde a luz se despede cedinho, por volta das 4 da tarde. “Um céu tão cinza que é preciso perdoá-lo’ (Jacques Brel ).
No verão, em compensação, a luz solar se esparrama até as 22 horas. Todos recriam a ilusão de que o sol nunca mais vai se pôr. A alegria é visível: os cafés ao ar livre ficam cheios, animados; os barcos navegam felizes pelos canais e rios; as bicicletas se multiplicam, os bosques fazem piqueniques e festas.
A vida é mesmo bela nos verões do norte. Mas o fato é que ninguém pensa em clima quando quer vir para cá. Cada um enfrenta suas próprias intempéries a seu jeito e, mal ou bem, vai levando! O melhor é se forrar de roupa de baixo adequada, camiseta, meia-calça, usar gorro, luvas, botas, xale, suéter (nada muito grosso por dentro do casaco porque a calefação dos lugares é forte), pegar um bom guarda-chuva e sair por aí. Ficar em casa por causa do frio significa hibernar. Afinal, a gente não é esquilo, morcego, marmota, nem ouriço. Cair em depressão também não vale.
Dentro em breve a minha árvore vai se desvencilhar da roupagem verde água e se cobrir de folhas outonais vermelho-cobre para depois enfrentar, calva e escura, mais um inverno da sua vida.
Mas hoje ela se aquietou. Está alegre, imponente, apaziguada. Quando eu voltar da minha longa estada no Brasil já a verei mais feliz, exibindo seus galhos em flor na nova primavera da sua vida. É o tempo e o vento de todos nós.
Acompanhamento sonoro de Caymmi: Vamos chamar o vento.
1 Comment
Muito legal, Julia! Eu tenho sonho de um dia ficar um tempo na holanda, parece ser muito lindo!
Eu vi que vc trabalha na KIT! Wow, mto bacana!! Como foi o processo até chegar lá?
Beijos,
Lorena