Um cigano pelo mundo, pelo jornalista André Luis Cia, na Coluna do Clube do Bolinha.
Muitos já me disseram que tenho alma cigana. Na verdade, acho que tenho mesmo! Eu me orgulho por nunca ter tido medo de ousar, de viver aquilo que tive vontade de viver sem ficar pensando se o caminho tomado me levaria à felicidade ou se seria um erro. Nossa vida é muito curta para ficarmos adiando sonhos e desejos. Um dia talvez, amanhã, quem sabe, daqui alguns anos…
Se eu tenho vontade de fazer alguma coisa eu vou lá e faço independente das consequências. Riscos? Eles sempre vão existir nas nossas vidas, mas se não arriscarmos nunca saberemos se poderia ter dado certo, não é mesmo?
Acho que por isso sempre odiei a palavra rotina. Sabe aquela síndrome de domingo quando você ouve a musiquinha do Fantástico e se recusa a pensar que a segunda está próxima? Sempre padeci desse mal. Nunca gostei de domingo porque sabia que a segunda-feira seria novamente igual à anterior, e assim sucessivamente. Talvez por isso sempre tive identificação com os ciganos e com os artistas de circo. Infelizmente como jornalista nunca tive o prazer de entrevistar o povo cigano, mas eu mesmo já os pautei para o futuro. Ah vão me perguntar: mas não é você que não tem paciência de aguardar? Pois bem, sim, sou eu mesmo, mas, neste caso, realmente terei que esperar a oportunidade.
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Mas já que o tema desse artigo (tá quase virando uma crônica) é falar sobre viagem, vamos lá! Ah, como é bom viajar! Pegar a mala, a mochila, sair pela estrada sem hora ou rumo para voltar. Tem aqueles que adoram planejar tudo. Eu vou na contramão. Compro a passagem e viajo sem pensar muito; aliás, penso sim, mas em curtir aquele momento.
E foi assim em 2008, quando decidi fazer meu primeiro intercâmbio estudantil. Eu estava morando e trabalhando em Florianópolis (SC). Amava minha vida, a cidade, o trabalho como repórter num jornal local, enfim, não tinha motivos para sair de lá, mas minha alma cigana me atormentava há muito tempo. Foi então que fui a uma agência de viagens e falei para a agente: quero viajar! Ela me ofereceu as opções tradicionais: EUA, Canadá, Inglaterra… Apesar de ter desejo de conhecer esses países, eu queria algo diferente. Nunca quis coisas muito comuns. Então ela me ofereceu Dublin, na Irlanda.
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Confesso que já tinha ouvido falar da Irlanda, mas de Dublin, tenho que ser verdadeiro: eu não sabia absolutamente nada daquela cidade. Voltei naquela tarde animado para minha casa. Comecei a pesquisar tudo que achei e fui me encantando por tudo. O que mais me fascinava era que a agente havia me dito que tinha poucos brasileiros no país e a cultura era totalmente diferente da nossa. Pronto! Eu já havia decidido meu destino.
Foram apenas dois meses de espera (longa espera) até desembarcar em Dublin, em 23 de setembro de 2008. Pedi demissão do trabalho e me joguei literalmente nesse sonho. Logo de cara amei tudo o que vi, mas no primeiro dia de aula e depois de percorrer o centro da cidade percebi que havia sido enganado numa coisa: havia muitos, mas muitos brasileiros. Na minha classe, de 15 estudantes, os 15 eram brasileiros. O meu curso de inglês acabou se transformando em “conversa de amigos”. Sei que vão me perguntar: mas o objetivo não era aprender inglês? Era, claro, mas existem outras coisas importantes num intercâmbio, como a experiência de vida que tiramos disso tudo, e eu posso dizer que essa, sem dúvida, foi a melhor da minha vida.
No total, fiquei um ano fora do Brasil: sete meses em Dublin e cinco em Lisboa. Trabalhei, estudei, fiz amigos, conheci a neve, passei muito frio, chorei, ri, enfim: vivi…
A decisão de deixar tudo para trás por um sonho muitas vezes pode até ser arriscada, mas só quando decidimos correr esse risco é que temos a dimensão exata de se a nossa escolha foi acertada ou não. No meu caso, posso dizer com convicção que todas as vezes que arrisquei tive um resultado positivo, pois o medo é uma palavra que não consta do dicionário dos sonhadores, já que ele – o medo – interfere bastante na realização de nossos desejos.
O frio na barriga, o medo da imigração – mesmo estando totalmente legal como estudante; as primeiras palavras em inglês; a felicidade de cruzar os portões do aeroporto e de ver um país diferente de tudo o que eu já tinha visto até então foram sensações únicas, lembranças que nunca sairão da minha mente. Lembro-me como se fosse hoje do abraço que dei em meu companheiro de viagem, Fernando Pradela, e da felicidade em saber que estávamos realizando aquele sonho juntos. Subir naquele famoso ônibus de dois andares a caminho do hostel foi outra sensação inesquecível que vivemos. Era uma noite fria de setembro. Chegamos a Dublin em 24 de setembro de 2008. Na conexão em Madri, antes de irmos para Dublin, conhecemos outra brasileira, Ana Paula, que também estava indo para a Irlanda. Fizemos amizade e a convidamos para ficar no mesmo hostel que a gente, já que ela estava sozinha e iria para outro lugar. Juntos, entramos na Irlanda cheios de sonhos mas, principalmente, com o coração aberto para que aquela viagem desse certo.
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Após fazermos o check in e deixarmos as malas nos quartos, saímos pelas ruas em busca de comida (há horas não comíamos), além de nossa “sede” de reconhecer o “espaço” que, a partir daquela noite, seria a nossa nova casa. A primeira impressão foi muito positiva. Cidade limpa, organizada, trânsito bom; enfim, gostamos de tudo o que vimos. Dizem e confio plenamente na teoria de que a primeira impressão é a que fica. No nosso caso, não foi diferente. Nos apaixonamos à primeira vista por aquele lugar.
Claro que não podíamos perder a oportunidade de registrar aquele momento. Peguei em minha bolsa um mapa de Dublin e nossa primeira foto foi na avenida principal da cidade: O’Connell Street. Eu estava tão ansioso e emocionado que não quis comer nada, mas o Fernando foi para uma lanchonete e fez sua primeira refeição na Irlanda: um Big Mac.
Naquela noite, lembro de não ter dormido direito. Eu queria muito que a noite terminasse logo para que o dia amanhecesse e, enfim, pudéssemos ser apresentados para o nosso novo país. Mas, antes disso, tínhamos ainda pela frente um novo teste: o primeiro café da manhã e também a primeira experiência num hostel (abro um parênteses para aconselhar a todos que forem viajar que optem por esse tipo de hospedagem no início. É infinitamente mais barato, você conhece pessoas do mundo todo, faz amizades…). Essa experiência, como não poderia deixar de ser, também foi maravilhosa. Eram 9 da manhã quando sentamos à mesa e nos deparamos com nossa nova realidade: pessoas do mundo todo ao nosso redor. Sotaques, idiomas, roupas e costumes diferentes e aquilo era apenas a primeira manhã de muitas outras que viriam pela frente.
Muitos devem estar se perguntando o porquê de Dublin, já que expliquei no início deste texto que não conhecia nada do país. O principal motivo foi o custo/benefício, porque pagamos por seis meses de curso intensivo de inglês, mas o nosso visto de estudante nos dava o direito de ficar outros seis meses no país, totalizando um ano. Só que para quem quer fugir de falar ou ouvir qualquer palavra em português, Dublin não é a melhor opção, pois o país tem muitos brasileiros que são atraídos pelo clima, pela hospitalidade, romantismo e charme da cidade. Porém, de todos os meus amigos que foram e já voltaram, com uma ou duas exceções, todos se apaixonaram e dizem que se tivessem oportunidade fariam tudo de novo.
Eu sou o maior exemplo dessa paixão. Acho que fui contaminado por um vírus que atinge aqueles que pisam em Dublin um dia. O vírus atinge e se espalha pelo coração pulsando cada vez mais forte. É impossível não se emocionar e não querer reviver tudo aquilo.
No início de maio deste ano segui para minha terceira aventura no exterior, mas, desta vez, tinha uma causa muito nobre: buscar algo que eu tinha direito, neste caso, minha cidadania italiana. Foi assim que desembarquei na Itália no último dia 03 de maio para uma temporada de três semanas. Como não podia deixar de ser, mais uma vez, a experiência foi maravilhosa e única na minha vida porque dentro de mim havia aquele desejo forte de viver tudo aquilo da melhor forma possível mesmo que fosse por poucos dias.
A Itália me encantou por inúmeros motivos, mas o principal deles foi a alegria de viver que o italiano tem e o amor pela sua pátria, algo que está tão em falta em nosso país. Infelizmente o Brasil valoriza muito pouco sua própria cultura, suas raízes e tradições – algo que vemos a cada esquina quando estamos fora de casa. Mesmo assim vale uma ressalva: amo o Brasil e quero muito conhecê-lo ainda, pois existem muitos estados e lugares que tenho vontade de desbravar. Como meu espírito cigano pulsa muito forte dentro de mim, alguém duvida que daqui a pouco sairei em busca deste sonho? Sonhar é preciso, sempre e sempre! O que seria de nossas vidas sem os sonhos?
3 Comments
Foi uma grande honra contar um pouco da minha história aqui neste blog, espaço que conheci há dois anos quando fiz matéria com quatro blogueiras do site. Desde então, se tornou uma leitura obrigatória, e pedi a Ann Mouller uma vaguinha nem que fosse por um dia. Fiquei muito feliz ao saber que ela aceitou meu pedido, e que hoje eu estou aqui também.
MUITO BOM! Concordo plenamente, sonhos estao ai para serem alcancados e espero que continue com sua alma cigana viajando pra muitos outros lugares!!
Adorei o teu post!! òtimo conhecer um pouco mais da tua história e notar como somos parecidos!
Boa sorte meu querido!!
Abraços da Itália