Recentemente estive no Brasil por um curto período de férias depois de quase um ano morando na Jordânia. A minha expectativa quanto à voltar para casa depois da minha mais longa estadia longe da família era grande e admito que pensei no choque cultural que eu poderia sofrer dentro de meu próprio país.
Querendo ou não, adquiri alguns hábitos jordanianos que, diga-se de passagem, só fui realmente me dar conta do quanto fui influenciada já em minha terra natal, como gestos, algumas expressões verbais e até uma estranha sensação, princípio, ao sair de shorts ou vestido na rua. No entanto, só lá também me dei conta do oposto: o quanto o Brasil é influenciado pela cultura árabe.
Essa questão sempre me pareceu muito clara pela quantidade de árabes e descendentes na minha região, incluindo a minha própria família que tem origem libanesa. Mas voltei com olhos diferentes, ou melhor, experientes.
A evidência maior é na culinária. Começou no aeroporto quando desembarquei e notei que o primeiro restaurante do terminal (e o mais cheio) era o “Espaço Árabe”. Não satisfeita, ao entrar na casa da minha mãe dei logo de cara com uma forma cheia de esfihas. Ou seja, minha primeira refeição no Brasil foi comida árabe e não ficou por aí. Comi muito quibe, tabule, iogurte e shawarma. Inclusive, assim como existem trailers de cachorro quente pelas ruas de todo Brasil, em Ponta Grossa, Paraná, encontrei o mais inusitado: um trailer de shawarma.
Mas devo dizer, a comida árabe no Brasil não tem muito a ver com a ‘original’. É muito melhor! O tempero e o jeitinho brasileiro fazem toda a diferença. Essa mistura Brasil-Arábia, pelo menos na cozinha, dá muito certo.
Mais além, ainda recebi convites do tipo “vamos sair pra fumar arguileh?”. E a quantidade de pessoas com nomes e sobrenomes árabes que eu conheço e encontrava o tempo todo e antes nem me dava conta. E o número de lojas cujos donos eram árabes ou descendentes, a ponto de poder ouvir música árabe ao adentrar suas portas.
Não só no Brasil, a propósito. Como minha cidade natal é relativamente próxima à fronteira com o Paraguai (~200km), é muito comum irmos às compras no país vizinho. Passei um de meus dias em Salto del Guairá (que convenhamos, é mais Brasil que Paraguai, mas OK) e entrei em um shopping onde 90% ou mais das lojas eram árabes, maioria absoluta libanesa e palestina. Nunca pensei encontrar uma concentração tão grande de Mohammed’s e Hussein’s fora do Oriente Médio.
Esse tipo de coisa me fazia entrar em uma longa pausa antes de responder a recorrente pergunta “e aí, o que tem de tão diferente entre Brasil e Jordânia?”. Pois bem, ainda são inúmeras as diferenças culturais que provavelmente vocês conseguem imaginar e mencionei no artigo anterior. Mas uma delas, um exemplo muito simples, de certa forma me emocionou.
Do avião, quando já sobrevoava terras brasileiras, abri a janela e me deparei com uma paisagem complemente diferente da que tive na última vez que abri a mesma janela. Os montes áridos e rochosos deram lugar à vales muito verdes cortados por rios, córregos e pontuados por lagoas. Por alguns segundos fiquei bestificada e só então me dei conta do quanto eu senti falta daquilo. Naquela natureza toda ao meu redor, que antes eu nunca dei tanta atenção. Da terra vermelha ao invés da areia. Todas estradas que passei estavam cercadas de uma mata densa. A Jordânia é linda, mas admito que a fauna e a flora do Brasil são imbatíveis.
No entanto, infelizmente o Brasil não é só sobre paisagens e nesta ida eu me dei conta de que apesar de tudo, de toda saudade, não me arrependo de ter saído e não estou pronta para voltar. Pelo contrário, estou louca para explorar a Jordânia ainda mais. Agora com conhecimento de causa.
8 Comments
Ótimo texto! Também já notei que no Brasil temos mais influência da cultura árabe em algumas regiões. Amo a comida árabe-brasileira. 🙂
Obrigada, Mariana! Eu também continuo amando. A árabe-brasileira mais que a árabe 😉
Oi Raisa. Acho que quando moramos fora são as diferenças que nos saltam aos olhos e de repente você veio mostrar justamente o caminho inverso; as similaridades. Adorei o texto.
Oi, Gi! Acho importante a gente valorizar os dois lados, é o que vai construir a nossa experiência. E o Brasil é um dos poucos países compostos baiscamente por uma elementos de inúmeras outras culturas. Podemos sentir semelhanças em qualquer país. Isso é riqueza cultural! 🙂
Encontrar similaridades entre as culturas é um passo muito importante para nossa integração no novo país, penso eu. Essa semana que passou fiz em casa um jantar com inspiração árabe-mediterrânea e penso que você tem razão ao dizer que nós, brasileiros, gostamos de comida árabe com tempero de Brasil! Bjs
Raisa linda, que delicia ler seu texto, acho lindo a metáfora que quando saímos do nosso pais de origem pra conhecer outra cultura, somos como um peixe que sai d’agua pra perceber que sempre viveu dentro dela, sem nem sequer saber que existia outro tipo de ambiente que não o aquático. rsrsr Muito legal a gente se dar conta destas heranças culturais, e como esta mistura brasileira realmente é muito legal e rica culturalmente! Namasté e ja aguardando o proximo texto Raisa!
Raisa, estou muito apaixonada com a cultura arabe e tenho um sonho de me mudar para Ama.
Você pode me enviar email ou facebook sobre custo de vida, empregos etc? Queria me mudar já agora em 2017.
Obrigada
tatiranauro@yahoo.com.br
Tatiane,
A Raisa não colabora mais com o BPM e no momento não temos outra colunista na Jordânia. Equipe BPM