Ambiente de trabalho em Madri.
Quando você se muda para um outro país e, depois de muitas tentativas, finalmente consegue se recolocar no mercado de trabalho (para ver dicas de como buscar um emprego em Madrid, acesse aqui), a sensação de vitória é inegável e te dá uma satisfação imensa! Mas será que o dia-a-dia e a rotina de trabalho são diferentes? Como será que as pessoas se relacionam? Será que os estrangeiros são bem-vindos?
Eu me fiz todas essas perguntas quando comecei a trabalhar aqui em Madri e fui surpreendida em muitos aspectos. O fato de ser brasileira não foi nenhum empecilho, mas já ouvi comentários pejorativos e, infelizmente, você tem sim que se provar mais que todos. Vou compartilhar um pouquinho das minhas expectativas e o que encontrei realmente, mas é importante lembrar que cada empresa tem sua cultura e aqui vejo que isso influencia muito na maneira de trabalhar das equipes.
Interação das pessoas
Quando fiz a entrevista de admissão na escola do meu MBA, me lembro que me disseram: “- Ah, você é brasileira, não terá nenhum problema de adaptação com as pessoas. É um povo bem acolhedor, você se sentirá em casa”. Hoje, vejo que esta pessoa estava um pouquinho equivocada; os espanhóis são muito educados, porém muito fechados. Muito. Quando comecei o meu trabalho atual fui muito bem recebida pelas pessoas; todos se apresentaram, me deram as boas-vindas, enfim, tudo bem bacana, até chegar a hora do almoço. Quando chegou a hora do primeiro turno de almoço, as pessoas simplesmente foram almoçar e ninguém sequer me convidou. Eu me lembro que fiquei um pouco chocada, porque no Brasil a primeira coisa que todos faziam era convidar os novatos para almoçar, para integrar, conhecer melhor etc. Mas aqui não, é cada um por si e tudo muito bem, obrigada.
Outra coisa que me pareceu estranha é que happy hours não existem em Madri; o pessoal vai pra casa e não há nenhuma integração fora do trabalho. Zero. Não estou nem dizendo que você tem que ser amigo, nada disso, mas nenhum happy hour? Nenhuma cervejinha na sexta-feira ou um barzinho para comemoração de aniversário? Eles são bem fechados em seus círculos de amizades, dentro e fora do trabalho. Estão sempre em suas panelinhas e não fazem questão de receber novos membros para as patotas. Como eu também não sou a pessoa mais sociável do mundo, não me incomoda nada, mas que é muito diferente da nossa cultura, isso é!
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Franqueza (des)necessária
Uma coisa que eu noto na Espanha é que as pessoas são muito sinceras no ambiente de trabalho, o que é bom, mas isso me chocou no começo por pensar que eu jamais seria tão transparente, por medo de parecer deselegante ou até mesmo mal educada. Por exemplo: na hora de comer, as pessoas analisam as marmitas alheias. Eu acho que, de tudo, é o que mais me incomoda aqui: as pessoas te dizem se sua marmita cheira bem ou mal, ficam olhando o que tem no seu prato, dão pitaco sobre o que deveria ter, pedem para provar e pedem receita, assim, na frente de todo mundo e sem a menor cerimônia. Eu jamais teria coragem de dizer pra alguém “Nossa, o que você trouxe hoje pra comer que deixou a cozinha toda com um cheiro estranho?” Mas isso é normal aqui. Outra coisa que eu também tenho mais dificuldade em me acostumar é o fato de dizerem o que você faz de errado no trabalho em alto e bom som. Eu sinceramente ainda não consegui identificar se é uma coisa de competição ou se é normal mesmo, mas me incomoda muito quando uma pessoa enaltece os erros alheios em voz alta, mas não sabe dar os parabéns em voz alta também. E, infelizmente, não são casos isolados, vejo isso o tempo todo. Aqui é bem “pé no peito” primeiro, apuração do que houve depois e desculpas por comunicação interna.
Falta de espírito de equipe e de flexibilidade
Eu pensava que os europeus teriam a mente mais aberta que nós, brasileiros, e que aqui primariam pelo espírito de equipe, dentre outras coisas. Inclusive, na minha entrevista de emprego bateram muito na tecla da flexibilidade e eu, honestamente, respondi que sim, sou uma pessoa flexível no trabalho. Mas a realidade aqui é um pouquinho diferente. No local onde trabalho tudo é feito em equipe 90% do tempo – temos metas coletivas para atingir, nos organizamos em função da equipe etc -, entretanto, assuntos relativamente simples, como as férias ou troca de turno de almoço, são motivos para revoluções surreais, porque ninguém está disposto a ceder pelo colega. Nos 7 meses em que estou aqui, fui a única a ser flexível em trocar meu horário de almoço porque uma colega tinha que levar seu cachorro ao veterinário, por exemplo, ou a cumprir todo o horário numa véspera de feriado em que metade da equipe tinha sido dispensada mais cedo para que meu colega fosse viajar antes, já que eu não iria viajar. Sempre que é necessário fazer algo assim, fingem que não estão falando com eles ou desconversam, ou seja, ta faltando melhorar um pouquinho esse espírito de equipe.
Ser um estrangeiro
Se você pergunta aqui se são preconceituosos, vão dizer que não, que Madri é super internacional etc. Porém, quando falamos de um estrangeiro, principalmente sul-americano, trabalhando com um mesmo cargo que eles, não é tão “normal” assim. Já ouvi comentários do tipo “nossa, me surpreendeu positivamente o comentário, vindo de um brasileiro”.
Como contei no meu texto anterior, fui contratada para cuidar de clientes portugueses pelo idioma, mas sempre ouço comentários do quanto é parecido com o espanhol, que pra mim deve ter sido muito fácil aprender o idioma, mas mais no tom de “não sabemos se é tão imprescindível assim a sua presença aqui”. Mas como o mundo dá voltas, um belo dia um companheiro atendeu a uma ligação de um cliente português e ao passar para mim o telefone, disse que não tinha sido capaz de entender o nome do cliente. Quando acabou a ligação eu tive meu momento “espanhola” e disse: “-É, vai ver o português não é tão parecido assim com o espanhol, no fim das contas.” Ele concordou e, a partir de então, nunca mais ouvi comentários sobre isso.
Conversando com outros brasileiros que trabalham aqui comigo (já somos 4!), chegamos à conclusão de que, infelizmente, demoramos mais tempo para provar nosso valor dentro da empresa do que um americano, por exemplo. E eles sempre vão pegar mais no pé do nosso sotaque do que no sotaque de um francês.
Em resumo, posso dizer que os espanhóis são muito educados; cumprimentam a todos, desejam bom apetite na hora de comer, pedem por favor e agradecem e mesmo quando dizem seus erros em voz alta, são educados e não dão escândalo para dar bronca nos outros. Porém, são muito inflexíveis, competitivos e fechados e o fato de você ser um estrangeiro aqui não é algo que os agrade tanto quanto eles gostam de dizer. A minha estratégia no trabalho é simples: trabalhar bem, ouvir muito mais do que falar e mostrar resultados. Isso me fez ganhar respeito relativamente rápido entre meus colegas. Sei que minha vida profissional aqui na Espanha está só começando e muitos outros desafios virão, mas a garra que aprendemos na escola da vida brasileira (que não existe igual) é, com certeza, o que vai me garantir crescer, com humildade e perseverança, sempre!
Como dizem nas fotos de academia (mas que acho que se encaixa melhor aqui), “Foco, força e fé”, que o resto vem!
2 Comments
Olá Denise, eu moro há 13 anos em Madri e posso te dizer que a sua aventura de brasileira nas empresas espanholas está apenas começando. Concordo com tudo o que vc disse, realmente aqui não existe happy hour e amizade no trabalho. Até hoje mantenho contato com pessoas no Brasil do meu último emprego (eu era jornalista, uma profissão muito competitiva e desunida) mas ñ tenho amizade com nenhum de meus ex colegas espanhóis, e já trabalhei em seis empresas nesses 13 anos. Há muita falsidade e interesse, nunca me esquecerei quando uma colega espanhola se fez de amiga minha e me convidou para almoçar com ela, eu toda feliz, me abri e contei coisas da minha vida pessoal pra ela pensando que podia confiar nela, mas quando houve um problema e a chefe veio me pedir satisfações ela disse “perdoa ela, ela está com problemas de família”. Foi muito chato. Realmente eles ñ perdoam o nosso sotaque, nunca perdoarão, e eu já ouvi de um chefe que ele preferia contratar portugueses do que brasileiros porque somos preguiçosos,falou assim, na minha cara. Eu respondi que a fama do espanhol na Alemanha e no Reino Unido é a mesma e ele calou a boca. Algo que aprendi aqui é que vc pode ser pontual, esforçado, discreto, trabalhador, mas nunca, NUNCA vão te promover se vc ñ puxar o saco. Depois de 13 anos e com um filho pequeno, eu perdi as esperanças e não quero mais trabalhar em empresas e abrir o meu próprio negócio. Eu sei que em todas as partes há problemas, mas aqui o ambiente é péssimo.
Oi, Alessandra! Fico triste e feliz ao saber que mais gente passa por isso rsrs!! Triste porque temos sempre que nos provar muito, mas feliz de saber que não sou a única. E sua empresa é de que? Você tem funcionários espanhóis? E como o mercado te aceita, tendo em vista que você é brasileira? Sente alguma diferença! Obrigada pela visita! Um abraço, Denise