Cidadania se aprende desde pequeno e em casa, na Áustria.
Apesar de morar há uma década em Viena, na Áustria, existem detalhes no comportamento dos austríacos que ainda me impressionam. E acredito que não importa o tempo em que eu estiver por essas bandas, haverá sempre uma coisa aqui e outra acolá que irá me causar uma boa impressão.
Ainda me deslumbro com os monumentos e a forma como a cidade é organizada. Essa organização e limpeza se aprende desde pequeno, e bem pequeno, mesmo. É a chamada educação, ou seja, retransmissão dos hábitos e culturas aprendidas.
A seguir, vou relatar três situações que mostram como as pessoas por aqui retransmitem naturalmente certos valores e como não fazer as coisas certas pode nos causar constrangimento, mesmo que ninguém veja o que o que foi feito de errado.
No início do ano passado, já na primavera, marcamos um almoço no domingo com um casal de amigos e seus filhos adolescentes, porém eles pediram para colocar o horário um pouco mais tarde, já que as crianças teriam que trabalhar no domingo de manhã.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Áustria
A mãe me explicou que as crianças haviam separado as roupas e os brinquedos que não serviam mas e iriam vender num mercado das pulgas. O que sobrasse do evento seria doado para uma instituição de caridade que, por sua vez, venderia parte dos produtos a um valor simbólico e outra parte, doaria a pessoas carentes.
O exercício naquele dia não estava em apenas ganhar o dinheiro, mas em ensinar às crianças o valor do capital e do trabalho. O pai é alto executivo de uma empresa privada, por isso sabe da importância da educação financeira e que não existe nada melhor do que ensinar tudo isso na prática.
As crianças acordaram às 5 da matina porque às 6:30 deveriam estar no parque do mercado para montar o mini estande. E isso, gente, iria acontecer com chuva ou sol.
Eles deram sorte, pois fez um dia lindo e ensolarado, apesar de estar um pouco frio. Chegaram cedo e passaram a manhã vendendo. Depois do trabalho, fomos todos almoçar e brincar no parque de diversão. O assunto do dia foi sobre como as vendas foram e quanto valia cada hora trabalhada e etc.
Eu achei fenomenal a atitude, tanto dos pais quanto dos filhos, pois, além de aprender a lição sobre o valor das coisas a família passou um tempo desfrutando e rindo dos momentos vividos. Amei essa iniciativa!
Outro exemplo muito interessante: aqui a grande maioria das crianças são educadas pelos pais, pois pagar um serviço de babá em tempo integral cabe apenas no orçamento de pouquíssimas pessoas, logo quase não há “serviço terceirizado”. Se for para ser mãe ou pai por aqui, tem que ser por inteiro.
Há cerca de 6 meses atrás, uma das minhas amigas foi me visitar com sua filha mais velha de 2 anos e meio. A pequena, sem querer, derrubou o copo d’água; a mãe calmamente pegou um papel toalha e deu para a filha. A menina utilizou suas pequenas mãozinhas para limpar a sujeira que causou. Confesso que eu fiquei espantada com essa atitude, mas logo me lembrei que é desde pequeno que se aprendem as coisas.
Logo depois passei por uma situação similar. Estive na casa da minha melhor amiga e seu bebê, com apenas dois anos, pediu suco e recebeu-o num copo de plástico. Em seguida, veio em minha direção para brindar e eu achei muito fofo; pois ele aprendeu a comemorar as pequenas coisas. Aqui, quando você encontra com os amigos, e até mesmo durante as refeições em casa se brinda antes de beber; o brinde precisa ser feito olhando nos olhos – nada de sair brindando olhando para outro canto qualquer.
O pequeno aprendeu o ritual direitinho. Ao receber seu copo de suco ele veio quase correndo, afoito em minha direção e obviamente o líquido de dentro do copo derramou no chão, fazendo aquela sujeira. A mãe calmamente pegou papel toalha e lhe entregou sem dizer nada, e ele automaticamente limpou, sozinho, toda a sujeira. Com a ajuda dos pais indicando onde estava sujo, ele terminou seu trabalho e, simples assim, pegou seu copo de volta e brindou comigo. Prost! Tim Tim! Parabéns à cultura que ensina desde cedo seus filhos a cuidarem daquilo que é seu.
Assim eles vão crescendo, sabendo seus limites e respeitando os demais, devolvendo as coisas que não lhes pertencem, limpando suas próprias imundícies, valorizando o trabalho dos outros e se desenvolvendo como pessoas. E, nesse processo, tomam para si a responsabilidade de desempenhar seu papel como bom cidadão na sociedade a que pertencem.
Aqui se aprende que o que é público é realmente de todos e precisa ser preservado por cada um, não é apenas uma obrigação do governo. Eles aprendem desde pequenos que não adianta culpar o governo e nem líderes se cada um não fizer a sua parte.
Faça o certo porque é certo – Existe essa frase, que eu adoro, e é bem por ai mesmo: fazer o certo pelo simples fato de ser certo. Eu mesma, no final do ano passado me envergonhei de mim mesma. Desci para colocar o lixo na sala onde ficam os contêineres, estava com a mão cheia e super atrasada. Resolvi deixar os papelões em cima dos latões, e não dentro como deve ser, pois a maioria já estava cheio. Dei dois passos e minha consciência me chamou dizendo “que tipo de cidadã eu sou? Volte e coloque as coisas no seu devido lugar, procure um contêiner que ainda tenha espaço.” Gente! Não tinha ninguém na sala, fiquei constrangida de mim mesma. Voltei e fui até o outro lado da sala e achei uma lata de lixo, ainda fechada e com espaço, para colocar os papelões no lugar correto. Que bom, né? Pelo menos passei vergonha sozinha.
E assim a gente vai fazendo do lugar em que vive um lugar melhor, mantendo o que for bom e melhorando o que estiver ruim, inclusive nossas próprias atitudes.
Mês que vem volto com outras curiosidades da Áustria.
Beijos e até o próximo post.