São pouco mais de 6 horas da tarde e acabou de anoitecer. Estamos sentados, meus três filhos e eu, apinhados na boleia de um caminhão, o tuk tuk, junto com alguns desconhecidos, todos orientais, sacudindo numa estrada de chão. Encharcados após um longo dia nadando no rio, a poeira que o caminhão levanta gruda na minha pele e tenho certeza que em breve estarei coberta de lama. Minha caçula pegou no sono encostada no meu braço, olho para o meu filho que está à minha frente e ele me manda um beijo. Não consigo deixar de pensar que nunca fui tão feliz na vida.
Tenho 33 anos e três filhos (14 anos, 12 e 7), nenhum marido, e após 9 anos como médica, vivendo a mais ordinária das vidas, com direito a casa própria e carro na garagem, larguei tudo para dar uma volta ao mundo. Enquanto penso que muita gente me disse que eu era louca por deixar a segurança de casa para encarar esta empreitada, eu acredito que louca eu seria se não saísse da tal “zona de conforto”. Aliás, acho que minha zona de conforto é aqui, meio que rodando sem rumo, pronta para o que o destino me trouxer.
Já foram cinco meses de viagem, e não consigo enumerar a quantidade de coisas que se passou, as experiências, as vivências, os aprendizados. Posso sim contar os países, as cidades e os dias, quantos foram e quantos virão, mesmo isso sendo um tanto quanto superficial. Até agora a nossa conta está em 9 países. Pelos cálculos, serão mais aproximadamente dez. Não tenho um roteiro fechado, temos uma ideia geral que vamos seguindo conforme nos parece melhor, então muita coisa pode mudar no decorrer do caminho.
É difícil explicar o motivo que me fez largar tudo e cair na estrada. Uma grande inquietação, uma síndrome de “bicho carpinteiro”, uma certeza de que eu poderia fazer muito mais, ser muito mais, para mim e para os meus filhos. Em algum ponto olhei minha vida e vi que não era aquilo que eu queria. Trabalhava muito, passava muito mais tempo cansada e estressada, e mesmo quando estava em casa, raramente conseguia ter momentos de qualidade de vida. Não estava feliz no trabalho, não gostava do lugar onde vivia, não tinha tempo para nada que realmente importava. Não conseguia acompanhar a vida de meus filhos como gostaria, além de ter adquirido muitos quilos extras (principalmente devido ao estresse, como percebo agora). E justo quando eu pensei que precisava mudar, dei de cara com essa ideia: ano sabático!
Para nós, caiu como uma luva. Era exatamente o que eu precisava: tempo para estar com eles, para me descobrir, para aproveitar a vida, viajar, conhecer novos lugares e novas culturas. Sempre fui louca por viajar e as crianças herdaram isso. Depois que a decisão estava tomada, não teve “você é louca”, “é impossível”, “não tem como” que pudesse me impedir de ir em frente. Porque não pode existir nada entre meus sonhos e eu.
Deixei o emprego, vendi tudo, as crianças largaram a escola, colocamos o que sobrou em nossas mochilas (uma para cada um) e embarcamos na mais extraordinária aventura de nossas vidas. Não estou dizendo que tudo são flores. Há muita incerteza, muitos desafios, muita coisa a ser superada. É muito trabalho envolvido, desde o planejamento até a execução: fazer roteiro, achar acomodações, preparar a logística, homeschooling (ensino domiciliar). Mas a recompensa é fantástica! Já é incrível ver o quanto crescemos, o quanto evoluímos: como pessoas e como família. Diziam-me que esse tipo de viagem muda a pessoa, eu acreditava, mas não imaginava o quanto.
E é um crescimento pessoal difícil de medir em palavras. Vejo meus filhos amadurecendo, aprendendo a lidar com as mais diversas situações, aprendendo a respeitar o diferente, aprendendo a valorizar o que deve ser valorizado, e o melhor: estou do lado deles a cada passo do caminho. Conseguimos encontrar um equilíbrio para estarmos 24 horas por dia juntos e eu faço questão que eles participem de cada decisão que precisamos tomar. No fundo é a melhor parte dessa empreitada, a união que adquirimos.
E há a liberdade. Uma liberdade que nunca experimentei antes, que empolga e assusta ao mesmo tempo. Porque não estamos acostumados a tê-la, tão ligados a amarras como somos. Já não há mais horários nem roteiros fixos a seguir. Assumi as rédeas de minha própria vida e com isso a liberdade de ir e vir conforme acharmos necessário. E não pensem que isso quer dizer apenas se livrar de um trabalho ou de um chefe, as amarras mais difíceis de se cortar são as psicológicas, que temos com nós mesmos: deixar de se importar com o que os outros dizem ou pensam e com preocupações que, quando olhamos de perto, percebemos que não fazem o mínimo sentido.
Não sou ninguém especial, não faço mágica, não tenho superpoderes, não nasci rica nem nado em dinheiro, não tenho varinha de condão. Tenho sim muita força de vontade, determinação, uma paciência de Jó e três filhos fantásticos. Nada que vocês não tenham. E tudo que é necessário para conquistar um sonho. Aconteceu de meu sonho ser largar tudo para dar uma volta ao mundo com meus filhos. E não me arrependo nem por um segundo.
5 Comments
Jéssica, estou encantada com a sua história.
Admiro sua força de vontade e coragem absurdas.
Acredito que poucas vezes fazemos reflexões sobre nossa vida cotidiana, sendo engolidos por rotinas e por expectativas de terceiros, e quando nos olhamos “no espelho”, enxergamos como a vida vai em um sentindo diferente daquilo que nós costumávamos sonhar ou querer.
Muito obrigada por compartilhar sua história! Adorei a sua narrativa e vou aguardar os próximos posts.
Boa sorte para você e seus filhos nesta aventura.
Uau! Jéssica que inspiradora sua história! Parabéns!!! Conte-nos Mais de sua aventura! Boa sorte!
Jéssica, que história inspiradora e que mulher corajosa! Parabéns!
Mana você é uma guerreira! E uma guerreira que coleciona vitórias enquanto vai transformando uma família em gente sem preconceito, em gente que respeita o diferente, em gente que sabe que existe mais além da esquina, além da montanha. Eu já te disse uma vez, mas vou repetir aqui a frase que me lembra você (não sei quem é o autor, mas todo vez que vejo em algum lugar sua imagem pula aos meus olhos: “não sabendo que era impossível, foi lá e fez.” Essa é você!!!! Saudades!!!
Oi, Jéssica. Cheguei no seu texto só agora, provavelmente você (ou sua nova versão) já está de volta dessa experiência maravilhosa. COmo muitos, estou a procura desse incentivo de que é possível parar a vida por um tempo, mesmo com filhos pequenos, reforçando a vontade que só aumenta ao ler relatos de mulheres corajosas e fortes como você.