Em qualquer lugar onde eu conto a nossa história, de como largamos tudo para dar uma volta ao mundo, sempre, sem exceção, a primeira pergunta que me fazem é sobre a escola das crianças. Não é uma pergunta com uma resposta fácil, como a maioria das perguntas que eu ouço. O homeschooling (escola em casa, em uma tradução livre) é um dos maiores desafios e, ao mesmo tempo, uma das melhores delícias desta viagem.
Para começar, o homeschooling não é reconhecido no Brasil como é em muitos países pelo mundo. Na verdade, a constituição brasileira obriga todas as crianças e adolescentes a frequentar uma escola, o que torna o ato de tirar a criança da escola e ensiná-la em casa inconstitucional, portanto um crime. No meu caso, como o que eu fiz não foi simplesmente tirá-los da escola e os manter em casa, não me encaixo exatamente nesse quesito, mas não é certo que consigamos validar tudo o que estamos fazendo durante a viagem. Existe muita informação desencontrada e um grande vácuo sobre o assunto na internet. Mesmo nas escolas e secretarias de educação, não consegui achar uma resposta definitiva para a questão. Apesar disso, foi o que decidimos aplicar durante o período da viagem, conscientes dos riscos de talvez terem que repetir todo o ano letivo quando retornarmos.
A internet tem sido minha melhor amiga neste assunto. Cada um dos meus filhos está em um nível diferente, e é óbvio que eu não conseguiria, jamais, saber todas as matérias que eles precisam aprender. Mas a informação está toda lá, na “nuvem”, basta saber procurar. E o próprio processo de “dúvida – procurar resposta – vencer o desafio” já ensina muito a qualquer pessoa. A melhor parte do trabalho é que ele não é individual. Tudo é compartilhado, e estar tão próxima do processo de aprendizado de meus filhos tem sido um dos grandes presentes que a viagem me trouxe.
A primeira coisa que eu fiz foi conseguir o currículo escolar de cada disciplina que eles estão cursando. São três anos escolares diferentes, o segundo ano, o sexto ano e o nono ano do ensino fundamental. Ter o currículo foi a base para planejar o que cada um aprenderia. A partir daí eu ia determinando o que aprenderíamos diariamente. Estudamos uma matéria por dia, sempre em conjunto, mesmo que cada um esteja vendo determinada parte de uma disciplina. No dia em que estudamos português, por exemplo, todos estudam português, cada um no seu nível. Isso facilitou para não dar um nó nos coitados dos neurônios da tutora, no caso eu. Utilizei diversos recursos da internet, como documentários, vídeo aulas no YouTube, trabalhos e provas disponíveis em sites e blogs especializados. Outra ferramenta interessante são revistas de passatempo, como cruzadinhas, caça-palavras e outros, que serviram como exercícios de lógica e atenção. Sempre com cuidado para tornar o aprendizado uma coisa boa e não uma obrigação ou algo enfadonho.
E, claro, temos as mais incríveis aulas de história e geografia de todas, que fazemos conforme o lugar onde estamos. Tivemos aula sobre a Segunda Guerra Mundial, aula sobre socialismo, sobre colonialismo, sobre a conquista da América, sobre a guerra do Vietnã, sobre a Revolução Francesa. E depois de cada aula nós visitávamos os lugares onde cada evento histórico aconteceu, e víamos com os próprios olhos os lugares onde a história se desenrolou. Visitamos inúmeros museus pelo mundo. Aprendemos, aliás, muitas coisas que nem estavam no currículo de nossas escolas, como a triste história do Khmer Vermelho no Camboja e a luta aborígene na Austrália. Falamos sobre as formações geológicas, sobre o curso dos rios, sobre como terremotos e vulcões moldaram a paisagem que nossos olhos estavam vendo.
Na minha opinião, é essa interação entre o que vivemos e o que aprendemos que faz toda a diferença. Em razão disso optei por um modelo muito mais worldschooling do que homeschooling. Eu não tirei os meus filhos da escola para fazer uma sala de aula na minha casa, mas para que eles aprendessem com aquilo que vivem, tornando assim o aprendizado muito mais interessante e a memorização mais fácil. Eles aprenderam matemática convertendo o custo das coisas das moedas locais para o real, e português fazendo um diário de viagem. Aprenderam sobre a influência da geografia e do clima no flora e fauna de cada lugar. E, principalmente, agora carregam um conhecimento que vai muito além daquilo que a escola pode ensinar a alguém.
Pois há outras coisas tão ou mais importantes que o currículo escolar que estamos aprendendo também, todos juntos. A escola não os ensinaria a socializar como estão fazendo, com pessoas de culturas tão diferentes, com histórias únicas e línguas exóticas. Não há curso de inglês que ensine melhor do que praticar diretamente conversando nesta língua com seu novo amigo. Nem a melhor aula de história do mundo nos tocaria tanto quanto ouvir um sobrevivente da bomba nuclear contar sua história à sombra das ruínas do A dome. E nada que se pudesse ensinar dentro de uma sala de aula nos daria tanta confiança em nós mesmos, e em tudo que podemos fazer quando realmente queremos.
3 Comments
Que interessante! Ainda não tenho filhos, mas eu já penso sobre Homeschooling. Obrigada por compartilhar essa maravilhosa experiência conosco!
Oi Jéssica, moro em Sydney. Adorei sua história! Muito corajosa sua inciativa de viajar o mundo com seus três filhos. É isso aí, a vida só é vivida uma vez e temos que aproveitá-lá ao máximo. Seus filhos vão ter muita história para contar, e a escola se torna obsoleta quando eles podem empregar ao vivo e em cores o conhecimento adquirido. Isso não tem preço.
Oi Jéssica, bacana demais ainda mais pelo fato que fazemos isso há 6 meses em uma viagem de volta ao mundo começando por uma volta de 360° pelo Brasil, são tantas possibilidades e oportunidades que chamo de worldschooling e educação de valor afinal nosso projeto chama Turismo de Valor, as minhas duas meninas Mallu de 9 anos e Elis de 6 anos aprendem as matérias convencionais conosco e com auxílio de plataformas online , matemática por exemplo usamos a Khan Academy porém muitas outras matérias elas aprendem in loco pois temos em nosso roteiro esse cuidado de add. o turismo como forma educacional afinal a atividade nasceu no mundo para ser educacional, para quem quer praticar uma educação de valor e intensa e pensada no seu filho como ser humano e não apenas como mais um no futuro mercado de trabalho é a melhor e mais incrível educação que se pode ter!!!! Abraços de nós todos…Érika, Valmiro, Mallu, Elis, (Princesa e Mimica ….as gatinhas =^..^=