Violência doméstica pelo mundo.
“Ele falou que eu estava usando uma saia muito curta, que isso não era roupa de mulher direita; depois, me bateu… já faz duas semanas, mas ainda estou toda roxa… meu olho desinchou, meu lábio também… Achei que eu iria morrer ali no quarto, pensava no desgosto que eu iria dar para minha mãe, quando a noticia de que eu havia morrido chegasse ao Brasil, mas não era minha hora. Consegui fugir. Quando o celular dele tocou, corri e gritei feito uma louca pelo corredor do prédio, mas ninguém veio me ajudar. Fui para a rua toda ensanguentada e consegui chegar na casa de uns amigos que moravam ali perto e, graças a Deus, um deles estava de off, o que foi minha salvação. Ele me levou para o hospital.
Hoje estou bem, o susto passou, foi um mal entendido; ele pediu desculpas, chorou… Eu não deveria ter provocado, eu o deixei com ciúmes. Acho que merecia uns tapas. Ele está num grude comigo e me trata como princesa. Estamos vivendo uma lua de mel… Eu retirei a queixa, apesar da policial me colocar inúmeras razões para não fazê-lo. Mas ela não entende que eu o amo, que eu preciso dele… Ninguém entende; por isso me afastei de todos”
Assim como M., milhares de mulheres vivem nesse ciclo vicioso de medo, violência e perdão. Habituadas a negar a gravidade do problema, depois de cada episódio de abuso acabam desculpando o agressor e o ciclo recomeça.
Mas por que será que essas mulheres se sujeitam a tanta violência? Será que elas gostam de apanhar, de sofrer? Antes de tiramos qualquer conclusão ou de julgarmos suas escolhas, vamos refletir sobre outras possíveis explicações para esse fato (quadro?).
Primeiramente, precisamos questionar o senso comum de que o que ocorre no interior da família é privado, já que a violência doméstica atualmente mata mulheres mais do que o câncer. Quando forem abertas as janelas e as portas do lar doce lar, para colocar um fim na manipulação do agressor e no preconceito, talvez possamos alcançar a diminuição de números tão assustadores.
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A sociedade por vezes fomenta através de músicas e ditos populares como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”… “mulher gosta de apanhar”… “um tapinha não dói”… “entre tapas e beijos” a banalização da violência que faz não somente com que a vítima se sinta responsável pela agressão, como também coloca em dúvida o que é aceitável, normal ou não num relacionamento.
A violência contra a mulher é uma das formas de violação dos direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas, não estando restrita a uma cultura, classe social, ou a grupos específicos dentro de uma sociedade.
O cerne da violência contra a mulher decorre da discriminação persistente contra a mulher, que permeia as relações de poder baseadas no gênero. A construção cultural de gênero coloca a mulher numa posição inferior ao homem. Quanto mais frágil, mais desamparada e sem recursos é a mulher, mais ela conta com o marido como protetor. No papel de vítima, ela se aprisiona em relacionamentos abusivos em nome do amor, do ciúme, das necessidades materiais e das aparências.
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A violência contra a mulher pode envolver dano ou sofrimento físico (empurrar, sacudir, chutar, estrangular, espancar), sexual (forçar a prática de atos sexuais que causam desconforto), psicológico (controlar, humilhar, ameaçar, intimidar) como também patrimonial, moral entre outros.
Qualquer uma dessas formas é inaceitável, tendo em vista que seus efeitos são devastadores para a vítima e toda a família envolvida, incluindo depressão, ansiedade, insônia, stress pós-traumático, abuso de álcool e drogas, tentativas de suicídio, auto-mutilação, incapacidade e sequelas físicas.
Violência doméstica pelo mundo
Viver dentro de um lar impregnado pela violência faz com que a mesma pareça algo normal e tolerável. Assim, as mais variadas formas de abuso podem passar a serem vistas como naturais, como um caminho para se resolver problemas, e a consequência dessa visão distorcida pode marcar profundamente os comportamentos futuros desses indivíduos, ou seja, pode alimentar o ciclo da violência.
Num espaço onde deveriam encontrar segurança, essas mulheres encontram a dor e entre quatro paredes sofrem caladas, vítimas da agressão de seus companheiros ou ex-companheiros. Sentindo medo, receio ou vergonha de denunciar, muitas acabam se culpando pelo que aconteceu destituindo a culpa do agressor, sendo que a responsabilidade da agressão é sempre do agressor, mesmo que este esteja alcoolizado ou drogado.
Na maioria dos casos, a violência não acontece no início do relacionamento mas, gradativamente, começa a ganhar espaço através de humilhações, críticas, insultos, pequenas discussões, cobranças e reclamações a respeito dos afazeres domésticos, muitas vezes agrava-se com o pesar do ciúme doentio, tornando inviável o exercício de qualquer atividade externa ao lar.
Confusas com relação aos seus sentimentos pelo companheiro, mudam seus comportamentos a fim de evitar o abuso, o que acaba não acontecendo, deixando-as ainda mais perdidas e sem esperanças em tomar alguma atitude futura.
Quando um homem bate em uma mulher, ele faz muito mais do que espancar seu corpo. Ele destrói seus sonhos, sua dignidade e sua auto-estima, predispondo-a a inúmeras patologias psiquiátricas e psicológicas.
Para se quebrar o ciclo vicioso da violência domestica é necessário romper com o medo e a vergonha, sair do isolamento. Através de informações, viabiliza-se a ajuda e apoio para enfrentar os desafios desse novo caminho sem violência.
O abuso não é sua culpa, você não pode mudar seu companheiro, violência é crime!
9 Comments
Patricia sempre uma profissional antenadissima e competente. Gostei imensamente de ler esse artigo. Gostaria ainda de acrescer que a violência domestica pode acontecer com qq um; nao escolhe classe social, grau de educacao academica, raça, idade, sexo, credo etc. Violência eh crime, deve cessar; e todo o ser humano tem o direito de sentir-se felize e seguro.
Muito obrigada Ana por enriquecer o texto.
lindo post! muito informativo e incrivelmente consciente, me dói ver que muitas mulheres passam por isso no mundo todo e que elas mesmas se privam da liberdade, voltando pros braços de um espancador em nome de uma “amor” que não existe.
Realmente é muito dolorido constatar que muitas mulheres vivem essa realidade. Acredita-se que isso ocorra devido a algumas razões como sentimentos ambíguos pelo agressor, por pressão dos familiares, pela dependência emocional e financeira, pelos filhos e também pelo medo de ser agredida novamente.
Muito obrigada Carolina.
Obrigada Patricia, seu texto me ajudou muito. Nada sei de violência física, mas as agressões psicológicas também machucam, apavoram e deixam sua marca de desespero e angústia. Com a ajuda dos meus pais consegui uma psicóloga maravilhosa que tem me ajudado com análise a superar o medo e buscar forças para impor-me. Isto para mim hoje tem um valor inestimável.
Ótimo texto Patricia! É triste pensar em quantas mulheres passam por isso caladas! Espero que o texto faça com que algumas mulheres acordem e denunciem a violência que sofrem!
Excelente o seu artigo! Bastante informativo, especialmente para pessoas como eu que nunca presenciaram de perto casos de violencia domestica.
Excelente texto. Nao podemos jamais esquecer que o odio e’ o parceiro mais fiel do amor. Em nome do amor esse parceiro fiel comete atrocidades. Infeliz da mulher que e’ amada desta forma. Obrigada Patricia por sua valiosa contribuicao.
Eu vive a descriçao do texto….. A vitima nao tem forças para disvencilar do agressor…..leveu 10 anos para recomeçar…A familia e muito importante para ajudar esta familia violentada….. Mulheres vitimas de qualquer agressao nao tenham medo de denunciar independente de qualquer ameaça psicologica…