A banalização do assédio sexual no Egito.
Já escrevi aqui sobre o tema do assédio às mulheres no Egito, mas com o recente caso do brasileiro Victor Sorrentino, venho novamente com o assunto, que aliás, merece sempre ser destacado.
Chegou pra gente, logo quando aconteceu, a denúncia de um brasileiro que havia feito uma piada de quinta série, sem graça e vulgar, para uma menina que o apresentava papiros com simpatia e em português.
Na hora eu disse exatamente: não me ofendeu, não me choca. Normal frente ao escândalo que as minhas amigas me enviaram. Em seguida uma delas me perguntou se é banal situações como essa e como eu posso admitir algo assim.
Confesso: eu não me ofendo porque estou acostumada a ser tratada desse jeito em qualquer lugar que eu vá. Se alguém fala algo assim comigo não vai me ofender. Porque se eu me ofendesse ou desfizesse relacionamentos por conta desse tipo de fala, estaria hoje completamente isolada, depressiva e não faria nada da minha vida a não ser denúncias à polícia e discussão na rua.
Eu nunca gostei, nunca me senti a vontade e dou todas as voltas possíveis para sair de maneira elegante de uma situação de assédio. Enquanto não encostar em mim, tolero. E mesmo quando encostam, eu tento justificar – “foi sem querer”.
E, super insegura e incapaz de aceitar minha aparência, sou ao mesmo tempo assediada em cada esquina. Não é sobre ser atraente. É sobre ser vulnerável. E o gênero feminino é vulnerável!
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Eu já morei fora e andei sozinha pela África, pelos EUA, pela Europa, e para ser sincera, em todos esses lugares, assim como no Brasil, os homens olham, assobiam e fazem comentários como se a sua aparência estivesse sujeita à avaliação. Te seguem com os olhos. O médico que fez meu PCR, por exemplo, pediu meu número de WhatsApp enquanto eu estava na Costa do Marfim, e não foi por conta do exame.
No Egito, sou professora em uma universidade islâmica, e uma preocupação que tenho é nunca mostrar meu corpo nas aulas, já que ministro apenas para rapazes.
Um dia, eu estava com um hijab (vestimenta feminina islâmica) que não cobria o peito e, mesmo que a minha blusa o cobria, percebi olhares para o meu colo. Não é suficiente estar vestida! Eu, de calça social, fui apalpada.
No Uber já ouvi o quanto sou bonita. Provoquei o motorista perguntando-o a razão de dizer coisas assim e que não era uma conversa boa. Já tive aluno me dizendo que eu sou linda e tive que o bloquear nas redes sociais. Mesmo quando estou de hijab (roupa e lenço), me olham e me abordam.
A diferença do assédio no Egito é que ele vem em um pacote de desejo e desprezo. Os homens te olham como se você fosse imoral e propriedade dele. O assédio no Egito é uma forma de dominação e misoginia. O homem egípcio odeia o quanto a mulher o atrai! O agressor se sente no direito de te abordar e te despreza se você se defender. Muitas vezes ele não espera que você revide.
Enquanto escuto na rua Bissmilah Mashalah de desconhecidos (que significa “benza Deus que benção”), também escuto Astafuraglah (Deus me livre), que mostra como é paradoxal essa abordagem de desejo e desprezo.
Quando começa o Ramadã, a minha responsabilidade de “vigiar” os homens aumenta. Eu não passo perfume e não mostro o cabelo. Não quero de jeito nenhum seduzir alguém! O meu desejo é ser invisível para poder encontrar as minhas amigas, usando roupas confortáveis e femininas, sem me sentir culpada por desviar a atenção de alguém que jejua.
Não é um caso isolado. Todas as vezes que eu saio, mesmo cuidando para não me expor, acontece. Não apenas comigo e com estrangeiras, mas com as egípcias também. Elas temem os homens, ao mesmo tempo que suas vidas são construídas na expectativa de encontrar um homem para protegê-las.
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Eu conheço histórias de violência, de abuso, de denúncia… de tudo. De gente que com certeza não deu motivo.
O próprio discurso dos egípcios, como levantado por uma psicóloga amiga minha, ao proteger a egípcia não estão protegendo a honra dela, mas sim a honra dos homens. A mulher é propriedade deles.
Meu coração dói toda vez que penso na exposição e proporção que o caso do médico brasileiro causou. A “vítima” agradece, mas ao mesmo tempo, está assustada. Será que ela vai conseguir viver uma vida normal, depois disso? Ir trabalhar no mesmo lugar? Quem está nessa para realmente defendê-la e quem está para puni-lo?
Aos que assediam, aprendam a não repetir o erro de abordar a vítima e provocá-la a te perdoar. Isso é ainda mais constrangedor.
Cada toque do médico na garota, eu também me senti atacada e ofendida. O toque entre gêneros no Islã (a não ser entre familiares), não é permitido, ademais está claro que era uma manobra de controle dele.
Para apaziguar, espero que ele pague pelo que fez para garantir a segurança e honra da vítima. Também espero que a gente consiga falar sobre isso mais vezes para que nossos homens não pratiquem esse tipo de fala e pensem que é piada.
E para os que defenderam o médico brasileiro Victor Sorrentino, como eu, enxergue o problema real que estamos enfrentando.
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1 Comment
Defender médico bolsonarista? JAMAIS. Que exista hipocrisia nesse caso não invalidada que o minion babaca se sente impune. E como bom bolsonarista é obviamente bastante burro.