28 anos morando na Europa e 22 deles na Inglaterra.
Todos os anos quando chega o mês de abril começo com as minhas indagações pessoais. E se? E se eu não tivesse vindo e se eu tivesse ficado? Como estaria minha vida agora, o que eu estaria fazendo, será que seria mais feliz?
Perguntas que me acompanham há 28 anos quando saí de Santos, litoral de São Paulo, para o mundo, como alguns amigos gostam de dizer.
A resposta para essas perguntas eu nunca vou saber. Escolhi sair e não sei quem eu seria se estivesse ainda em Santos, porém cada ano que passa sigo alimentando a minha imaginação (cada filme que passa pela cabeça. Risos). Mas os anos foram passando, fui me transformando, o passado foi se tornando cada dia mais distante e o que eu era foi dando espaço a uma nova pessoa com certas adaptações pelo caminho…
Quando cheguei em Lisboa, em abril de 90, tudo era novo e frio. Naquela época eu ainda gostava de verão e calor, muito calor e praia. Claro, tinha vivido 18 anos morando na praia com temperaturas de 40 graus, como eu poderia entender e saber aproveitar 10 graus? Para mim era coisa de louco! Mas os anos foram passando e a cada verão eu gostava mais do inverno, a cada dia com 30 graus eu sonhava mais com o frio, até que admiti para mim mesma que poderia acontecer, que não tinha nada de errado em gostar e apreciar o inverno, que eu não precisava apenas de calor e praia para me divertir. Aceitei e há muito tempo se tornou minha época favorita do ano.
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Com a comida não foi diferente… eu já estava acostumada à culinária portuguesa porque minha mãe e toda a sua família eram de Lisboa, mas ninguém tinha me contado que existem mais de 50 pratos com bacalhau e que, em Portugal, podemos comê-lo de segunda a segunda. Também não sabia que caracóis são deliciosos e que quase daria um rim por doce de ovos moles ou uma “Trouxa da Malveira” (um bolinho delicioso dessa região fora de Lisboa). O feijão com arroz foi dando vezes aos peixes com batatas e as coxinhas ao bolinho de bacalhau. Novamente o tempo foi passando e eu fui me adaptando ao que Portugal tem de melhor, a culinária indiscutivelmente deliciosa e ao estilo de vida lisboeta.
Quando depois de pouco mais de 6 anos resolvi morar em Londres, todos a minha volta ficaram confusos: depois de tantos anos, totalmente adaptada e conhecendo Lisboa como a palma da minha mão, larguei tudo por um outro mundo desconhecido, sem bacalhau e sem falar português. E lá fui eu…
Quando cheguei em Londres, em 1996, era como se tivessem me transportado para outro mundo. De Portugal conservador onde todos passam até roupa de baixo (pelo menos na minha época passavam) para Londres, a terra das roupas amassadas com orgulho, porque afinal há tanto para se fazer nessa vida, por que perder tempo passando roupa??? Lembro da primeira vez que saí com uma roupa sem passar: era como se estivesse quebrando regras, uma sensação de liberdade inexplicável. E eu esperando que alguém me chamasse a atenção e dissesse: “moça, não tem vergonha de sair na rua assim?” Nunca aconteceu, claro. Londres é assim. Você é o que quiser e decidir. Dentro do seu quadrado quem dá as ordens é você. Desde que não interfira com o próximo, pode andar rasgado e sem sapato. O tempo foi passando e eu segui contente de roupa amassada.
Nem preciso dizer que foi amor a primeira vista. A ideia era estudar, fazer um Exame da Cambridge University e voltar ao Brasil. Não aconteceu. A magia da cidade e do estilo de vida tomou conta de mim. Não queria mais voltar ao conhecido, queria aprender e conhecer mais e mais. Foi quando depois de 1 ano na loucura da capital, fui para a Alemanha. Ah, a Alemanha, naquela época, há mais de 20 anos, não me deixavam falar português na rua, me chamavam de nomes e me mandavam para a minha terra. Eu que já havia passado por outros países e descobertas, pensava: “Mas que terra é essa que você quer que eu volte, meu senhor?” Já nem eu sabia onde pertencia.
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Depois de ter conhecido a liberdade de Londres, a Alemanha foi como um corte na alegria da roupa amassada e não me cativou, 6 meses depois estava de volta a minha cidade favorita, cheia de idiomas, culturas e pessoas diferentes andando lado a lado.
Desse dia para hoje se passaram 22 anos e ainda estou por aqui, na Inglaterra, que se tornou conhecida pela terra dos ingratos do Brexit. O bacalhau deu lugar à culinária mundial, já que Londres é um pote de multiculturalidade, os caracóis ficam para as férias de verão, o inglês se tornou a língua diária, vieram o marido, os filhos e o cachorro, nessa ordem, e eu sigo pensando. Como eu seria se tivesse ficado, 28 anos atrás, no Brasil?
Sigo sem resposta, mas ainda bem que abril passa logo, eu esqueço da data e volto à vida sem muitos questionamentos, um dia de cada vez.
E você, que mora fora há tanto tempo como eu, como se sente?
20 Comments
Aina faltam 20 anos para eu te alcançar, Ann, mas já passo cada mês de fevereiro pensando “em como seria…” só que o “seria”, nao existe, nao é mesmo? Entao a gente vai continuando a viver tentando ser feliz aqui e alí, e se um dia eu tiver que voltar, voltarei com muita alegria e histórias para contar! <3
Oi Ana, exatamente, temos que seguir vivendo e fazendo a nossa história. Lá ou cá, o importante é seguir e tentar ser feliz. Bj
Querida Ann, que texto incrível! Que história! Me vejo nela também, mas como você mesma falou, sou uma criança ainda, a viagem está apenas começando, mas eu não quero voltar para casa tão cedo. Talvez encontre outras casas (bem, já encontrei essa que estou hoje, mas sinto que um dia vou sair dela também). Beijo enorme e obrigada por tudo, mesmo!
Taninha, linda. A tua estrada está no começo, mas já é suficiente para deixar marcas e causar mudanças. Que você tenha muita sorte onde aportar e que o teu caminho por esse mundo enorme seja tranquilo e de muitas descobertas. Bj
E morei quase 30 anos na inglaterra e ha 9 anos sai definitivamente pra viajar e estabelecer como residencia permanente o Brasil. Passei seis meses passeando pela Franca, seis na Italia, seis em Portugal e fui pro Brasil. So voltei porque meu unico filho, ingles, de 18 anos, resolveu que era la que iria morar. Nunca quis voltar pro Brasil, nunca nem senti saudades. Ja se vao 9 anos entre idas e vindas e nao vejo a hora de voltar, dessa vez para Portugal, onde ja venho passando os invernos ultimamente (o verao brasileiro).
Acho que quando saimos para o mundo, retornar a patria amada e impossivel, principalmente um pais como o brasil, que anda pra tras em vez de pra frente! Feliz aniversario.
Obrigada Vera, é mesmo, depois de um tempo o conhecido passa a ser desconhecido e tudo muda, tanto la quanto dentro de nós. x
Depois de 12 anos no Canadá, 2,5 anos em Moçambique, 4,5 nos EUA, 10 anos na Alemanha, 3 anos na Espanha, agora acho que me assentarei na Holanda. A ideia de morar pra sempre em um só lugar me assusta um pouco ao mesmo tempo que me dá um certo conforto. Do Brasil sinto saudades da minha família e das frutas. Não consigo me ver morando e criando meus filhos no Brasil. Me acostumei com regras e leis que são para todos, me acostumei a que todos sejam iguais e tenham acesso à saúde e educação. Me acostumei a andar na rua sem medo de assalto, me acostumei a sair de casa diariamente ou de férias e saber que ao sair, a casa estará como deixei.
Depois de muito tempo fora, a falta do que você mencionou passa a ser inaceitável. Obrigada pelo comentário.
Maravilhoso o texto, adorei, obrigada por ter me acolhido aqui e ter me dado a oportunidade de estar nesse país maravilhoso, com exceção do clima …penso q me tornei uma cidadã do mundo. Obrigada pela amizade que sobreviveu a tanto tempo e pra mim você é como família. Que venham mais 28 anos …
Aquele moquifinho ajudou e recebeu bastante gente naquela época rs. Que venham mais 28. Lembra da gente na Alemanha e o velho mandando a gente calar a boca? Essa fica para sempre na memória rs. x
Ann,
Como sempre, amei o seu texto e muito me identifico, sempre penso no como seria. O que me salta aos olhos é que mesmo tendo deixado o Brasil há 28 anos, ele nunca deixou de existir dentro de você. Só uma pessoa apaixonada pelo seu país (mesmo conhecendo seus defeitos) e seu povo se envolve em um projeto grandioso como a criação da plataforma do Brasileiras pelo Mundo. Lindo texto, obrigada.
Ola Renata,
Obrigada pelo comentário. x
Parabéns pela trajetória e vivência, Ann!
Obrigada!
Meu Deus,mais que uma linda crônica…quase uma prosa poética…eu pensava que escrevia,até te ler!Parabéns!
Obrigada!
Eu estou prestes a iniciar minha jornada pelo mundo…abandonar todo o conhecido, o trabalho estável de funcionária pública, tudo, em busca de mais segurança, mais qualidade de vida para minha família, saúde, educação e cultura de qualidade. Estou com uma pontinha de medo, mas tenho certeza que toda a novidade que está por vir compensará esse medo. Obrigada por dividir sua experiência conosco!
Boa sorte na nova jornada!
Sou de Santos. 1990 a 1992 morei Londres e deu uma volta pela Europa sai de carona para economizar. Fui ate Polonia, Tchecoslováquia, queria ir a Rússia e Romênia, mas naquela época nao me aconselhavam devido ao momento histórico. Conheci a República da Irlanda (Eire) que adorei, mas tive que voltar a Londres, pois nao havia emprego por lá. Hoje, moro a Uruguay, mas nao pretendo ficar aqui pois o país é caríssimo – o mais caro da América Latina e nao há oportunidades de crescimento, tudo caro. Estou indo para outra terra logo, logo.
Oie Ana. Adorei seu texto. Morei 5 anos na Europa, 3 na Itália e 2 em Londres e te digo: foram os melhores ano da minha vida. Em 2011 retornei ao Brasil para estudar, tendo em vista que tentei estudar em Londres, porém não conseguia sustentar a faculdade e as horas de trabalho. Hoje sou formada e contábeis e estou terminando a pós em controladoria e meus planos são retornar para UK em 2019. Sabe aquele medo que invade a gente com a temida pergunta: “e o que você fará lá, menina!?”. Mas algo me chama novamente para este mundo, porém sem aquele medo do desconhecido inicial, mas com aquele medo “será que vou ter a mesma energia de anos atrás?”. Claro que terei, porque novamente vou começar “do zero”, mas um “zero” que conheço bem. Enfim, era meu desabafo…minha família ainda não sabe, mas não ficarão tão surpresos, pois volta e meia as palavras “morar fora” voltam em assuntos trocados. Boa sorte a todos.