Escrevi nos dois últimos meses sobre a antiga Alemanha Oriental, socialista, a chamada DDR. Se clicar aqui e aqui, é possível (re)ler os textos que preparei sobre a vida nessa região naquela época. Para finalizar essa série de Alemanha Oriental, gostaria de falar agora sobre as adoções de crianças forçadas que ocorriam durante o regime autoritário da DDR.
Como dito antes, a DDR tinha um regime autoritário socialista, e quem não vivesse da maneira imposta pelo governo, poderia ser preso. Muitas escutas eram instaladas para fiscalizar a vida dos cidadãos, ou o próprio vizinho poderia denunciar algum ato considerado suspeito. Se as autoridades do governo tivessem qualquer conhecimento de ideais capitalistas ou planos de fugir para o Ocidente, as pessoas suspeitas eram presas de repente. Mas o que acontecia com os seus filhos? É justamente aí que começa essa história.
Bebês levados da maternidade
Quando os pais eram presos por suspeita de não viverem de acordo com os ideais socialistas da DDR, os filhos encaravam uma das três opções: viver em abrigo, serem devolvidos para outro membro de suas famílias ou serem adotados sem a permissão ou conhecimento dos pais biológicos. Atualmente, essa adoção forçada é considerada por todos como um crime, mas infelizmente era algo totalmente legal na DDR, já que havia uma lei dando permissão para tal procedimento.
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Nos casos de mulheres grávidas perseguidas pelo governo, ao darem a luz, poderiam receber a notícia de que seus bebês haviam falecido. Elas saíam do hospital sem os filhos nos braços, enquanto eles, na realidade, tinham deixado o prédio às escondidas com autoridades do governo para adoção. Muitas nem chegaram a saber se o bebê nascido era menino ou menina. As mães não viam nenhum corpo, não recebiam nenhuma explicação médica e muito menos recebiam uma certidão de óbito.
Acesso à documentação
Alguns pais até hoje não sabem se o seu filho está vivo em algum lugar. Alguns filhos sofrem ainda com problemas de identidade, por desconfiarem de que algo na relação familiar não é normal. Realmente há um grande débito para com essas pessoas por parte do governo. Não há nenhuma estimativa de quantos casos sejam. Os documentos das adoções estão arquivados, mas não são livres para consulta. Muitos dos trabalhadores responsáveis pelos arquivos são os mesmo da época do regime da DDR e acabam censurando as informações, tornando uma busca por pessoas bem mais complicada. Nem mesmo tirar uma cópia de uma página é fácil.
Quase trinta anos após a reunificação alemã, as famílias ainda sofrem pela falta de apoio do governo alemão em divulgar os documentos de adoção ou das maternidades. Por esse motivo, um grupo se organizou para protestar na frente do Parlamento no ano passado e enviou uma petição pedindo um engajamento maior do governo.
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Ajuda e divulgação
No intuito de ajudar as famílias desunidas a encontrarem seus membros sumidos, algumas ONGs se voluntariam para buscas, consultorias e divulgação, como, por exemplo, a OvZ-DDR e a Zwangsadoptierte Kinder.
Muitos documentários e reportagens foram feitos recentemente para abordar esse tema. Para quem entender alemão, a WDR disponibilizou online uma reportagem sobre a história da Katrin Behr, que foi separada de sua mãe aos quatro anos de idade, quando a sua responsável foi presa. O vídeo está a seguir.
Apesar de ser um país hoje em dia politicamente correto, visando aceitar as minorias e defender os Direitos Humanos, a Alemanha possui um passado obscuro. Enquanto o sistema nazista de extrema direita acabou com milhares de vidas, anos depois, o governo autoritário da extrema esquerda também destruiu famílias e não garantiu a liberdade de seu povo. Como essa geração ainda busca por mais informações sobre o seu antepassado, o governo deveria ter obrigação de ser transparente o suficiente para ajudar nessa procura. É o mínimo a ser feito. Anos de convivência foram perdidos, mas talvez ainda haja um futuro em conjunto promissor.