Virei borboleta nesses 10 anos na Alemanha.
Quando passamos por algum marco nas nossas vidas, temos a tendência a olhar para trás, analisar o caminho seguido, sorrir e chorar através das nossas memórias e, se tudo deu certo, agradecer. Comigo não foi diferente.
Sou uma pessoa emocional até a ponta do fio do meu cabelo. Gosto de me entregar às aventuras da vida, sem pensar duas vezes quando meu coração me diz ser a coisa correta a se fazer. A grande aventura na Alemanha, a parte dois do livro da minha vida, começou há dez anos. Um número que parecia sempre distante, mas que em certo momento chegou mais rápido do que imaginava.
A imersão em uma nova cultura é algo que lhe modifica e marca. Uma vez disse para uma amiga que somos como quebra-cabeças e algumas peças são substituídas por outras que se encaixam, mas mudam o conteúdo.
É assim que penso. Será que você concorda? Algumas experiências mudam a pessoa e a transformam. Você nunca será como antes. Então, decidi escrever ou, melhor, refletir sobre algumas coisas que aprendi nesses dez anos vivendo na Alemanha.
Verdade é bom, mas sem maldade
Talvez uma das coisas que mais chocam um imigrante seja o fato de os alemães falarem na cara o que pensam. Se você cortou o cabelo e não agradou, eles falarão. Eles dirão suas opiniões abertamente. É a liberdade de expressão. Primeiramente nos chocamos, mas com o tempo começamos a entender que a verdade deve mesmo ser dita. Se você pediu por opinião, tem que ser apto a ouvir a resposta que for.
Também comecei a falar mais o que pensava sobre as coisas. Entretanto, nesses anos fui aprendendo que existe uma diferença entre dizer a verdade e a maldade. Muitas pessoas escondem no dizer a verdade uma certa maldade, com objetivo de ferir aquele que escuta de alguma maneira. Além disso, esse jeito alemão, para mim, é algo meio correto. Claro que devemos dizer a verdade, ser sinceros, mas não pode faltar sensibilidade.
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O mínimo que poderíamos fazer é medir as palavras ao dizer algo. Não é enfeitar, não é esconder, mas é se importar em como a mensagem vai ser recebida. Nem todas as pessoas são fortalezas, muitas passam por diferentes obstáculos, e ter esse cuidado é ter sensibilidade e compaixão. A verdade não tem que ir na contramão disso.
Não é não
Bem próximo do tema anterior sobre falar a verdade, aprendi com os alemães a dizer não. Nós estamos acostumados a tantas promessas diariamente, que vamos nos esquecendo logo depois de fazê-las. “Eu te ligo mais tarde” e “vamos marcar” são algumas frases que usamos com muita frequência, mas que perdem o significado quando não as cumprimos.
E tudo bem. A gente esquece até a prometer de novo. E assim vai. Na Alemanha, as pessoas assumem um compromisso com suas promessas. Na maioria das vezes, é claro. Há sempre exceções. Mas em geral, se você promete que vai ligar para alguém, essa pessoa vai esperar.
Assim começa, talvez, a ideia de que uma promessa deve ser cumprida e ninguém quer viver apenas cumprindo promessas o tempo todo. Se não está a fim ou não pode fazer algo, eles dizem não. Assim mesmo, direto. Não posso, não vou conseguir, infelizmente não dá. É libertador; todos deveriam experimentar.
Falar não é ter também o compromisso com você e respeitar o outro, a partir do momento que você não vai descumprir uma promessa futuramente, o que poderia entristecer ainda mais do que ouvir uma resposta negativa logo de início.
Você não precisa ser igual
Deixei por último uma das coisas que mais me modificaram. Não sei como foi para você imigrante, mas quando eu cheguei aqui, quis aprender a cultura e me adequar. Estava sempre buscando ser mais parecida com os nativos, mesmo que inconscientemente.
Talvez fosse a questão de querer pertencer ao lugar e à comunidade, uma forma de não se sentir deslocado. E realmente entendo que estar aberto à nova cultura é um passo fundamental para sua vida no novo ambiente. Imagino que aqueles que se fecham para essa adaptação deva ser como dar murro em ponta de faca, só eles se machucam, o que torna a vida bem incômoda.
Mas com uns anos, as pessoas não reconheciam mais de onde eu vinha. Na realidade, não tinham a menor ideia. E eu fui me perdendo. Estava bem adaptada à vida na Alemanha, mas quem era eu?
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Foi então que comecei a ler muito. Estava em busca da Karina perdida. Não a imigrante, mas a brasileira. Ficou muito claro para mim que não precisamos e não devemos abdicar da nossa identidade por nada e ninguém. Manter essa identidade não é estar fechado para a nova cultura.
Você pode ir se adequando à nova vida, mas não precisa se tornar um deles. Não somos piores ou melhores por sermos como somos. Mas assim somos. Tentamos melhorar nos defeitos, mas não precisamos nos esquecer das nossas qualidades. Quando eu me permiti me reencontrar, foi o momento que eu me transformei. Então, virei borboleta.
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