Assédio no Egito.
Se eu ganhasse uma moeda para cada vez que um egípcio me assediou, eu estaria rica.
Vários Ahmed e Mohammed me mandando mensagem nas redes sociais. Vários elogios na rua de grupos de meninos. Em uma ocasião, mesmo estando acompanhada de duas mulheres, em dois momentos, no mesmo bairro, tocaram meu bumbum. Um senhor tocou com o dedo, como curiosidade. Virei e olhei para ele brava, e ele pediu desculpas. Um menino colocou o dedo também, enquanto eu estava na fila, em uma loja apertada -e eu olhei com a cara mais brava do mundo possível para ele com a mão na cintura, e ele olhou para cima para disfarçar.
Andando na beira mar de Alexandria, tinham carros me seguindo com homens sozinhos. No plural. Em uma caminhada de 1,5 km, 5 carros estavam me acompanhando – em alguns momentos, dois ao mesmo tempo! Todos queriam flertar comigo. Ninguém queria dar uma carona! rs
Mas tudo isso aconteceu antes do que vou contar agora:
O assédio no Egito é um problema frequente. Tanto que uma pesquisa que revelou que 99,3% (virtualmente todas as entrevistadas) haviam sido vítimas de assédio. Um problema tão frequente, que parece que colocam pano em cima, para evitar criar caso.
A verdade é que existe lei para regulamentar isso, inclusive compensação financeira. Não de apenas “uma moeda”, mas de 3.000 a 6.000 EGP (R$ 690,00 a R$ 1383,00).
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E se você criar caso, é capaz de ficar rica com base nos inconvenientes.
Como reagir ao assédio no Egito:
1. Reagindo!
Ficar calada é uma opção que não está errada, mas vai tornar mais difícil lidar com o trauma, depois. Sentir que você fez tudo que pode para contornar e evitar a situação vai te dar o controle do discurso, permitindo que você supere o trauma com mais facilidade.
2. Registre o assédio
Sua reação e se possível encaminhe o ser humano inconveniente para autoridades policiais. Mas se prepare: como você vai se defender em árabe ou ainda se a polícia vai te dar ouvidos. Independente de qual seja o seu resultado, correr atrás vale a pena. Existe lei, e existem pessoas que não compactuam com essas atitudes.
O primeiro nível de assédio pode ser por redes sociais, pelo celular, em lugares públicos ou privados. São palavras inconvenientes. Ta’arod lel Ghair e está no artigo 306 e configura em 3 a 6 meses de prisão e compensação financeira de 3.000 a 6.000 libras.
Agora, se ele não encosta em você, mas fala e faz gestos desrespeitosos, ele pega, no mínimo, 1 ano de xadrez e a multa é de 10.000 EGP a 20.000 EGP. Se além de tudo isso ele tiver algum motivo para te coagir (se ele, por exemplo, é de uma família importante, ou superior no trabalho) a condizer com esse ato, a multa aumenta.
Se houve toque, sobe para Hadf ‘Ard que é especificado no artigo 268. Se encostaram em você com as mãos ou um objeto, entra nesse artigo.
Xadrez de 3 a 15 anos.
Estupro é vida na cadeia e até pena de morte.
Então, sim, tem lei séria para impedir que alguém trate você dessa maneira.
Como se defender na prática é muito mais do que aplicar a lei. É, também, entender o lugar que você está e como as coisas funcionam. As pessoas vão entender sempre que você é diferente, estrangeira, e não vão te cobrar diferente disso.
Mas demonstrar honra e respeito, às vezes, significa se adaptar ao estilo deles. Ser clara e dizer não, proteger a sua honra e dignidade pode não ser a maneira que você usaria para se defender, mas é a linguagem deles para lidar com isso. Se eles verem que você realmente quer ser respeitada, eles não vão ter outra escolha.
Algumas palavras em árabe que podem ajudar:
– Lá ah! (Não)
– Halas! (Acabou)
– Haram! (Pecado)
Conhecer as leis é muito importante porque garantem que você está brigando por algo certo. As mulheres egípcias odeiam ser abordadas, e por isso evitam sair. Quando você pensa no papel delas, como sempre, submetendo-se a uma autoridade masculina, também entra isso – segurança.
Defenda-se de um jeito que eles te defendam. Se precisar, diga: Meu marido, meu pai, ou outra figura masculina para te defender. Homem respeita homem. (E, infelizmente, às vezes, só homem). Talvez eles não entendam você defendendo a sua honra, mas defendendo a honra do seu marido e do seu pai eles vão entender.
O assédio não é da religião, e não é cultural. É mau visto pela sociedade, é ruim. Homens decentes, no Egito, não encostam em você nem para receber dinheiro. Tolerar o assédio vai te fazer mau por dentro, e também deixar sua imagem, por fora, manchada. Não tenha medo de reagir.
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Não importa como você anda ou fala: você deve ser respeitada – mas, com certeza, vai ser muito mais fácil se defender quando você se veste e fala em sincronia com a cultura local. Se você estiver com uma roupa normal para o Brasil, espere ser tratada com os preconceitos recorrentes que os homens têm das brasileiras.
Espero que tenha ajudado você a se sentir mais segura ao saber que a lei do Egito protege as mulheres do assédio.
Mais que isso, espero que você também saiba lidar com tal situação, caso aconteça com você; ou, recomendar a alguém que você conhece.