Choque cultural na Noruega, dói?
Eu diria que em geral sim, mas o quanto dói depende de como as diferenças culturais são encaradas.
Quando um brasileiro decide sair de casa e viver em um país como a Noruega, pode saber: os choques culturais entre essas duas nações serão um dos pesos da mochila a ser carregada nessa trajetória. São tantas as divergências entre esses países distantes onde cultura, regras sociais, sistemas, alimentação, clima e costumes são muito diferentes.
O contato com o novo/desconhecido nem sempre traz boas sensações. O famoso choque cultural que eu e muitos brasileiros que vivem aqui sentimos no primeiro encontro com a Noruega não se chama choque à toa.
Viver em um novo país e conviver com diferentes culturas oferece a oportunidade de explorar novos lugares, conhecer pessoas originais e experimentar particulares formas de coabitar o planeta Terra, o que é extremamente enriquecedor e na maioria das vezes, muito divertido. Mas encarar o choque pode, sim, ser bem dolorido, por isso há a importância de se construir uma inteligência cultural.
A competência intercultural ajuda a facilitar a adaptação em uma nova cultura e evitar assim frustrações e mal entendidos que são comuns no encontro com o novo, seja no âmbito profissional, social, amoroso ou no que for. Entender a cultura onde você se inseriu é primordial para que o seu contato com as diferenças sejam positivas ou ao menos neutras em vez de frustrantes.
Eu não acredito que haja estatística para isso, mas sendo uma dessas histórias e conhecendo várias outras pessoas na mesma situação, acredito que somos um considerável percentual. As brasileiras vivendo na Noruega não me deixam mentir! É bem comum que o primeiro relacionamento entre noruegueses e latinas de um modo geral não funcione. Muitas de nós nos estabelecemos na segunda (ou quinta) relação.
Exemplos de histórias de choque cultural se repetem. Meu primeiro namorado norueguês não entendia absolutamente nada sobre a cultura brasileira, e eu tampouco sabia muito sobre a norueguesa quando nos conhecemos. Não tem como evitar o choque. Coisas básicas como o meu pouco caso com a hora marcada o deixavam louco.
Hoje eu entendo bem o porquê. Na cultura norueguesa, chegar atrasado sem justificar, nem que o atraso seja de apenas 5 minutos, é considerado rude. Consideram que o atrasado está faltando com o respeito pelo tempo da pessoa que está esperando. Imagina agir “brasileiramente” sem saber dessa característica básica da cultura do indivíduo? Ele tinha seus pontos! E eu tinha os meus! Enfim, não funcionou! Assim como muitas outras histórias.
No campo profissional também me deparei com alguns choques, já que as diferenças no comportamento corporativo entre essas duas culturas também imperam. A teoria de Pellegrino define algumas características em um “típico brasileiro” e as compara com as de um “típico norueguês” no ambiente de trabalho, e quase todas se opõem. Vou exemplificar uma delas: na Noruega, em geral não se desenvolve relações pessoais no trabalho. Imagina quanta frustração isso pode gerar num brasileiro típico? Eu sempre adorei ter muitos amigos de trabalho! No início foi um pouco estranho não me tornar amiga dos meus colegas, mas entender esse aspecto da cultura norueguesa me causou uma relação imparcial sobre isso e a frustração inicial se neutralizou.
É difícil falar de adaptação e não tocar em uma das maiores diferenças com a qual pessoas vindas de países tropicais se deparam ao virem para a Noruega: claro, o clima. Meu primeiro inverno aqui foi o mais frio de todos. Os brasileiros recém chegados tendem a sofrer mais do que os já adaptados, e é fácil entender o porquê. Mais uma vez, é a falta de habilidade para lidar com o novo. Naturalmente, na maioria das vezes não desenvolvemos habilidades para nos vestirmos adequadamente no inverno. Aí é que mal entendidos ocorrem.
Uma vez visitei uma cidadezinha no norte da Noruega onde várias pessoas repetiram a mesma história “fofa” de uma brasileira que quase congelou (literalmente) em uma excursão as montanhas a menos 16 graus. A pobrezinha pensou que a roupa que seus anfitriões lhe emprestara era suficiente por si só. Mas a roupa era na verdade apenas camada que isola o vento, faltou a roupa de lã, que é o que segura o calor do corpo. Não é difícil entender por que deixou sua história por ali. Existe um famoso provérbio norueguês que diz “não existe clima ruim, existe simplesmente a roupa ruim” (“det er ikke dårlig vær, det er bare dårlig klær”). Uma grande verdade.
Outra diferença vital entre os dois países é o comportamento social. No Brasil as pessoas tendem a ser abertas e acessíveis enquanto que na Noruega a tendência geral é de uma sociedade reservada e pouco comunicativa. Claro que para um recém chegado do Brasil, o “pouco caso” do vizinho dói na alma. A tendência é julgar o comportamento dos anfitriões de acordo com o que conhecemos, por isso a frustração. Mas o que é considerado falta de educação no nosso país de origem, pode ser um ato absolutamente natural no país onde decidimos viver.
Essas e outras histórias de choques entre culturas me despertaram a curiosidade de entender melhor o contexto do país onde eu escolhi viver, a fim de facilitar a minha adaptação. Muitas diferenças são meras somas e nos abrem janelas inéditas na nossa história pessoal. O apreço pelo inverno é uma delas, no meu caso. Boa parte dos noruegueses com quem convivo ama o inverno, incluindo meu marido e minhas filhas.
Então a pergunta a se fazer é: O que desperta boas sensações nessa gente quanto ao frio? E agora é copiar a receita: Para ser feliz na Noruega, aprender a viver o lado bom do inverno é muito importante. Eu descobri meu amor ao inverno através dos esportes.
Oslo é uma das poucas capitais do mundo que tem montanhas e florestas dentro da cidade, preparadas para oferecer a quem queira, várias praticas de esportes de inverno. Quando alguém decide viver aqui, precisa aprender a amar isso, ou o ar puro do clima frio, lareiras acesas, café quentinho, enfim, qualquer coisa que desperte boas sensações no encontro com o inevitável e rigoroso inverno. Seja qual for a diferença entre o pais que você está vivendo e o que era acostumado, descubra o lado bom disso e aprenda a apreciá-la.
A Noruega é, sem dúvida alguma, entre os mais de trinta países que eu já visitei, o que apresenta a maior diferença cultural comparando com o Brasil. Vivenciando diversidades extremas, eu tenho a oportunidade de aprender e entender muitas coisas novas.
Quanto mais eu aprendo, mais eu me sinto adaptada à nova sociedade onde escolhi viver.
10 Comments
Larissa, muito bom seu texto. Eu abominava no Brasil a falta de pontualidade das pessoas. Uma rudeza, uma falta de planejamento e desrespeito total. Talvez porque tenha estudado a vida inteira numa escola católica no inteiror do estado do Rio onde cada minuto era contado com muita disciplina. idem para os cursinhos de piano, inglês, etc. Quando fui fazer faculdade no Rio levei um choque. Tudo no Rio levava uma eternidade. Extremamente desagradável esperar 2horas por um médico particular, uma fila de banco… Esperar 20 minutos por um ônibus que vc sequer sabe se ira passar mesmo… Aos 19 anos dava umas aulas de inglês e ficava querendo chorar com aluno que chegava 15, 20 40 minutos atrasados… Eu explicava, explicava e explicava que assim não ia dar. Eu queria sair do Brasil por isso. Fico feliz na Holanda por tudo funcionar às mil maravilhas com os horários: hospitais, cursos, transporte publico, festas e recepções.
Eu também separo amizade privada e no trabalho. Melhor até nem fazer. Se rolar, ok. Mas sem expectativas.
No fim, ao se mudar para outro país o melhor a fazer é antes ler muito a respeito da cultura local e nem pensar em querer que os locais saibam sobre sua cultura. Não é obrigação deles. Como recém chegado(s) noutro país nós é que temos que estar dispostos a fazer todas as concessões – pelo menos fora de casa..
Parabéns filha pela brilhante atitude!
Tenho orgulho em dizer : Esta é minha filha .
Belo texto, Larissa. A adaptação exige mais do que tempo, mas também paciência!
Obrigada Polyana! Sim, totalmente de acordo! 😉
Larissa,
Consigo entender bem essa diferença, pois estou tendo um relacionamento com um norueguês e também acabo achando que ele é frio.. mas não.. nós brasileiros é que somos carentes demais.
E realmente a pontualidade para eles é uma coisa absurda.
Gostaria de ir embora para a Noruega, e comecei a amadurecer mais a ideia… mas mesmo assim possuo alguns tabus contra a Noruega.
Você possui algum outro tipo comunicativo?
Oi Larissa,
Muito bom seu artigo sobre o choque cultural.
Tenho uma proposta de emprego pra trabalhar em Oslo pela empresa onde hoje trabalho o Brasil (por 2 anos). Já morei na Italia por 3 anos com minha mulher, mas na época não tínhamos filhos. Hoje temos 3, entre 2 e 7 anos. Estamos um pouco apreensivos por conta das crianças, inseguros sobre a adaptação delas, etc….
Já estive na Noruega várias vezes e trabalho com os norueguese há 15 anos, mas morar é diferente….
Gostaria de saber um pouco sua opinião sobre a vida em Oslo para as crianças. Você acha que é um bom lugar pra se viver ? Temos receio de ser um pouco triste, enfim essas coisas que vc já deve ter escutado centenas de vezes.
Obrigado !!
Ricardo, a Larissa parou de colaborar conosco, mas temos outra colunista na Noruega, a Wendy. Procure por textos publicados recentemente no blog sobre o país e deixe seu comentário para que ela possa responder.
Obrigada,
Edição BPM
Olá Larissa, gostaria de aprender o idioma norueguês, é melhor eu começar por aqui ou ir até Oslo mesmo? Agradeço desde já pelo contato e parabéns pelo blog,
Att,
Olá Guilherme,
A Larissa Costa Slottet parou de colaborar conosco, mas temos outra colunista na Noruega chamada Michele Silva que talvez possa te ajudar
Você pode entrar em contato com ela deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM