Neste 2020 que finaliza, completei 7 anos morando na Argentina e, pela primeira vez, não tive ânimo para comemorar.
Acredito que não estou sozinha quando digo que tinha uma vida até março e que a combinação pandemia mais quarentena mudou tudo.
Não vim, como muitos brasileiros, para estudar. Estou aqui para construir uma vida. Ou ao menos tentando. Nunca foi fácil, e o Coronavírus deixou tudo mais complicado. Como já comentei aqui, não pensei muito antes de mudar: respirei fundo e mudei. Literalmente deixei a vida me levar e não me arrependo.
Aprendizado
De uma vida morando com os pais e toda a comodidade que isso representa, passei a ser dona da minha casa, organizar as comidas, compras, pagar contas, estudar e procurar trabalho num país sempre em crise econômica. Tudo isso tentando estabelecer relações e cuidar do corpo e da mente.
Sou dessas pessoas que apenas levanta todos os dias e faz o que é preciso. Isso ajudou a ser prática no contexto da mudança de país, focar no que é necessário e estabelecer as prioridades.
O resultado é que, com o passar dos anos, sinto que o aprendizado é eterno e que ainda não estou 100% adaptada. Sim, tenho trabalho, faço trâmites, tenho família e até uma cachorra. Não poderia me sentir mais enraizada nesse país.
Defendo a Argentina, conheço sua história e entendo sua gente. Fico chateada com as notícias – algumas distorcidas outras, a mais pura verdade – que vejo nos meios de comunicação.
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Tenho o maior prazer de falar deste lugar que me recebeu e me deu oportunidades que, infelizmente, não tive na minha terra natal.
Com certeza, o maior aprendizado foi sobre mim. Passar por períodos de tristeza profunda, sem ter o amor presencial da família e amigos me ensinou mais do que imaginei ser possível.
Não desistir, escolher as batalhas e saber como trabalhar os eternos altos e baixos da vida de imigrante são minhas maiores conquistas aqui.
Depois claro, se virar sozinha, saber onde procurar por algo ou dar uma informação, não me perder, tomar o ônibus ou trem corretos e, principalmente, que não percebam tanto o meu sotaque de brasileira falando espanhol, é muito bom. Todas essas rotinas e pequenas vitórias me fazem sentir em casa.
Dor e delícia
O difícil é conviver com o coração dividido. Ser feliz num país que me deu tanto e pagar o preço da distância não é fácil. Perdi casamentos, nascimentos, aniversários e tantos acontecimentos, que sempre fica a pergunta: Vale a pena deixar uma vida e começar outra do zero?
Eu me fazia essa pergunta com muita frequência, hoje já não tanto. O tempo passa e o coração e a mente vão aceitando que a vida segue para seus amigos e família, mesmo que você não esteja presente.
A tecnologia ajuda a acalmar a angústia de estar longe em momentos tensos como nestes meses de pandemia/quarentena. E sempre existe a esperança de dias melhores e cheios de abraços.
Viver na Argentina requer bom humor e paciência. Muitos acreditam que a proximidade com o Brasil faz com que estes 2 países sejam parecidos. Não é bem assim.
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O argentino aprendeu a viver em crise, e antecipa seus movimentos quando vê que algo não vai terminar bem economicamente.
Por exemplo, como rotina me acostumei a olhar, antes de sair de casa, o clima, o trânsito (se os serviços de trem e ônibus estão funcionando normalmente, congestionamentos, acidentes) e a agenda de protestos e marchas.
Este último para saber por onde eu posso passar e seguir meu caminho diário. Também estou sempre observando o dólar, que não é nossa moeda, mas sua variação é determinante na economia local.
O que mais gosto aqui é sentir que tenho oportunidades: encontrar culturas e lugares diferentes, o acesso ao entretenimento, os espaços verdes e livres de Buenos Aires.
A loucura pelo futebol, as conversas sobre política, economia e história, os exageros e a moda. Tudo me parece autêntico e marca registrada de uma país que pode ser contraditório e certamente tem muito pra melhorar, mas não deixa de ser interessante e lindo para conhecer.
A sorte de viver perto da natureza – Arquivo pessoal
Sobre voltar ao Brasil
2020, e com certeza por causa da Covid-19, foi o primeiro ano em que pensei seriamente em voltar ao Brasil. Voltar para o que já não é tão conhecido e que também mudou nestes anos.
Voltar para a família que me ama, mas que segue sua vida; para os amigos que sentem minha falta e me enchem o coração de alegria com as lembranças dos momentos e lugares onde estivemos juntos, mas que também avançaram com seus projetos.
Eu não estava lá. Estou aqui, escolhendo todos os dias ficar na Argentina até onde a vida me permitir.
Aproveitando a tecnologia para estar presente e minimizar a saudade, para acompanhar a vida das pessoas que amo e deixar que estejam também na minha vida.
Finalmente, sigo planejando alguma viagem de visita ao Brasil, para me sentir turista e redescobrir a terra onde nasci.