Empregadas domésticas no Líbano.
Vou abordar aqui um assunto polêmico, que está em alta no Líbano neste exato momento. “Como vivem as estrangeiras contratadas como empregadas domésticas*?”
Eu, particularmente, não gosto de usar esse termo quando me refiro a alguém contratado por mim para o auxiliar nas atividades domésticas, então, ao longo desse texto, você vai ver alguns sinônimos referentes a essas mulheres.
Na cidade em que moro, é cada vez mais comum circular pelas ruas algumas mulheres com características singulares, geralmente usando hijab, e rapidamente sabemos que não são libanesas. Sempre andam juntas e conversando bastante, são bem alegres, em sua maioria são do sexo feminino, mas os homens também estão chegando pouco a pouco.
Essas pessoas vêm do Sri-Lanka, Bangladesh, Etiópia, Sudão, dentre outros países, em busca de oportunidade de emprego, deixam suas famílias e filhos em sua terra natal e na maioria das vezes a única fonte de renda é o salário que elas recebem aqui no Líbano, trabalhando em casas de família. Eles entram no país por meio de agências de recrutamento, que, muitas vezes, se aproveitam da situação de desespero para tirar vantagens.
A maioria das contratações ocorre no sistema de “kafala”, que é uma tutela por parte do empregador – este será responsável pela estadia e alimentação do contratado, podendo inclusive confiscar seu passaporte. Essa forma de contratação dá muitas brechas a irregularidades, como atrasos de salários – que são US$ 200 mensais, em média – e consequentemente situações de abusos, pois as leis libanesas não permitem a criação de um sindicato para trabalhadores estrangeiros.
Leia também: a famosa gastronomia libanesa
O Líbano é frequentemente criticado por defensores de direitos humanos em função do tratamento que dispensam a essas pessoas. Quando pesquisamos sobre “empregadas domésticas no Líbano”, o que mais encontramos são casos de abusos, violência física e psicológica, suicídios, estupro, que elas são privadas de usar o telefone, usar áreas comum da casa, às vezes são trancadas nos próprios quartos quando os patrões não estão em casa. Claro que existem exceções, não são todas as famílias libanesas que tratam seus ajudantes dessa forma.
No mês de maio, praticamente na mesma semana, foram noticiados na televisão local 2 assassinatos. No primeiro caso, a “empregada” esfaqueou na cabeça a dona da casa, que estava grávida e veio a óbito. Em seguida, ela tentou se degolar na varanda do apartamento com a mesma faca usada para matar a patroa. As TVs libanesas não têm pudor com sangue, eles mostram tudo na íntegra, o vídeo dela tentando cortar o próprio pescoço foi ao ar a semana toda, ela também faleceu no hospital não se sabe em quais condições, até aí não tivemos mais notícias. No segundo caso, a pessoa trabalhava para um casal de idosos e, de acordo com o noticiário, um senhor de idade avançada foi morto com uma faca, pois a moça queria mais dinheiro. Depois disso, ela simplesmente desapareceu. Fora outros casos que aparecem de pessoas tentando fugir pelas sacadas, suicídios…
Agora, eu imagino o tipo de tratamento que esses trabalhadores recebem para chegar a todo esse desespero, matar, roubar, tentar fugir do local de trabalho e até se suicidar.
De uma forma geral, o que constato aqui é que essas estrangeiras não têm uma rotina de trabalho e só têm 2 motivos para ir para rua: vão comprar alguma coisa para a casa, ou pagaram seus próprios vistos e trabalham esporadicamente em casas diferentes, sendo responsáveis por sua estadia e alimentação.
Eu presenciei algumas cenas que me deixaram profundamente triste e indignada, que apenas reforçam a forma como são tratadas aqui.
Além da limpeza da casa e cozinhar, muitas dessas “secretárias do lar importadas” assumem o cuidado com as crianças e a manutenção da limpeza de estabelecimentos comerciais.
Leia também: crenças e superstições libanesas
Ao fazer pesquisas para escrever esse artigo, não encontrei muitas informações consistentes. Em algumas fontes foi citada a criação de uma ONG, uma associação que defende patrão e empregado, porém não foi informado o nome da associação e até uma linha telefônica foi divulgada para denúncias em casos de abuso no trabalho. Eu testei, liguei para o número, mas sem sucesso, está desativado. Mas como eu sou brasileira e não desisto, encontrei uma comunidade não governamental no Facebook – Migrant Community Center – Beirut. Estavam se referindo a essa ONG.
Problemas sociais e culturais todos os países têm, não é exclusividade libanesa. Eu acredito que ainda vai demorar muito, infelizmente, para ter alguma melhoria nesse sentido, leis que amparem tanto o empregador quanto o empregado doméstico estrangeiro. Mas este assunto vai muito além de leis trabalhistas, está ligado ao perfil de cada um, ao modo de agir e pensar das pessoas aqui – é uma questão cultural.
Como eu disse lá no início, não existem leis para o empregado doméstico estrangeiro aqui, porém existem pessoas e famílias que se preocupam com o próximo e procuram valorizar e respeitar quem contribui com o seu lar. O Líbano é um país lindo com um potencial turístico muito grande, uma cultura fascinante e exótica, às vezes difícil de entender e aceitar, mas eu como residente no país tento absorver as coisas boas e dispensar as ruins e saber exatamente o que ensinar à minha filha libanesa.