Como já mencionei anteriormente, em 2013, eu fui intercambista em Roberts (Montana), no norte dos Estados Unidos. Foi uma experiência que mudou a minha vida, ensinou-me mais do que a língua e a cultura, ensinou-me lições para a vida toda.
Eu decidi fazer um intercâmbio por causa da minha mãe que, quando tinha 16 anos, fez um intercâmbio também para os EUA, porém para o estado do Alaska, um estado ainda mais frio que Montana – lá ela pegou -42º C e muita neve! Então, cresci com as incríveis histórias que a minha mãe contava sobre a sua experiência, e com a vontade cada vez maior de ter as minhas próprias histórias. Histórias de dias na montanha, de ver animais que eu só via em filmes, e da dificuldade que ela teve com a língua por causa da falta de preparo. No entanto, com a sua incomparável determinação, força de vontade, lágrimas e um sorriso, ela aproveitou muito, o que me incentivou bastante a fazer o mesmo.
Muitas pessoas no Brasil, e também nos EUA, me perguntam como eu fui, do estado do Pará, parar no estado de Montana. Bom, a agência de intercâmbio que escolhi, deixa a própria família selecionar o estudante que vai receber, assim, os Holdbrooks receberam perfis de intercambistas do mundo todo, e eu fui a escolhida – me acolheram, por quase um ano, como filha deles.
Sou muito grata a eles, pois me ajudaram bastante e tiveram muita paciência para me ensinar e explicar as tarefas de casa, a cultura e a língua. Além dos “meus” pais, Luke e Mariah, tinha Rylee, “minha” irmã mais velha, que na época tinha 16 anos, Shawn, de 14, Laynee, de 8, e Colt de 6 anos. Eu me perguntava: Eles têm quatro filhos, por que querem adotar uma completa estranha que mal fala inglês? Mas, ter uma intercambista, era um sonho de Rylee que, naquele ano de 2013, foi realizado.
A língua foi um desafio que consegui superar muito mais rápido do que pensava. Quando cheguei lá, meu vocabulário não era tão grande então, todos os dias aprendia muitas palavras novas, mas também esquecia várias, afinal era muita coisa para assimilar de uma vez só. Mas, com três meses imersa na língua, 24 horas por dia, as pessoas ao meu redor já podiam perceber a diferença.
A experiência que tive na escola (High School), foi como viver em um filme americano. Os armários, as trocas de sala, o almoço no refeitório, treino de vôlei depois da aula (que terminava às 15h30), tudo igual à Hollywood.
Como na época eu estava no último ano do ensino médio, lá eu era uma “senior”, como é chamado o último ano de escola nos EUA. Os sêniores têm os melhores armários da escola, e no caso da minha escola, os maiores. Eu achei bem legal, porque os livros que eu não precisava levar para casa, podiam ser deixados no armário, além do casaco, luva, etc. Assim, não precisava me preocupar com o peso da mochila ou com o fato de esquecer as coisas em casa. Juntamente com os armários, o que é bem característico em uma escola americana é a troca de salas. Por um lado, é bom porque são aulas de apenas 50 minutos, e o aluno não fica parado por muito tempo. Por outro, justamente devido ao curto tempo, alguns professores não conseguem cobrir o assunto por inteiro, ou atender à todas as necessidades acadêmicas dos alunos. Mas, honestamente, onde quer que você estude, um bom desempenho não depende só da instituição, depende também do aluno, de quanto esforço ele coloca em seu trabalho.
Nas escolas americanas não tem o nosso famoso recreio no meio da manhã, tem o almoço ao meio-dia. Nos filmes, são mostradas aquelas “gororobas” que são servidas para os alunos e, infelizmente, para algumas escolas isso é uma realidade. Então, no primeiro dia de aula, imaginei que a comida não fosse boa, mas ao invés disso eles serviram pizza com um self-service de salada. Fiquei impressionada e perguntei porque nos filmes o almoço era retratado de forma tão ruim. Muitas pessoas me falaram que naquela escola era diferente, que aquele era considerado um dos melhores almoços servidos na região, pelo fato de não ter muitos alunos, o que ajudava a manter o padrão de qualidade.
Lembro-me ainda que, em um dos primeiros dias, estava sentada numa mesa com as meninas do time de vôlei, e na minha frente, Savvy, uma das estrelas do time – uma menina alta e forte, que no time fazia um pouco de tudo, do ataque à defesa. Savvy, quando acabou sua refeição, simplesmente arrotou! Em alto e bom som, para todos ouvirem. Fiquei chocada, esperei por algum pedido de desculpas, mas ela não fez nada. Aquilo me desconcertou tanto que fui contar à minha “irmã”, que não achou nada demais. Foi um choque cultural, se eu fizesse algo do tipo, minha mãe me colocaria de castigo. Mas, para ela, foi normal e nem um pouco desagradável. Até perguntei depois a alguns amigos da escola, e eles falaram que não se importavam. Mas, não se preocupem, não são todos os americanos que fazem isso, e nem todos que aceitam.
A minha escola inteira tinha 114 alunos, desde o pré até o último ano do ensino médio. Era muito pequena, me formei com apenas outros cinco estudantes, mas pude conhecer todos muito bem.
Na papelada que preenchi para ingressar no programa, eu mencionei que jogava vôlei, mas apenas por diversão, porém minha “irmã” Rylee decidiu me colocar no time, que treinava todos os dias, e as integrantes já jogavam juntas há mais de dois anos. Inicialmente meu desempenho não era tão bom, mas com muita força de vontade terminei a temporada sendo reconhecida como a jogadora que mais tinha evoluído. Foi muito gratificante, aprendi o quanto esta cultura dá valor aos esportes e a importância de trabalhar como um time, pois os desentendimentos refletiam na hora dos treinos e do jogo, mas quando estavam todos bem, os jogos eram melhores. Também aprendi como a humildade, ao parar para ouvir o técnico ou um amigo mais experiente, é crucial para o crescimento de uma pessoa.
O ano passou e veio o meu final de ano cowboy (como contei no meu primeiro texto), quando vivi um dos piores invernos dos últimos dez anos no estado, com muita neve e frio. Mas a primavera finalmente chegou, e com ela a minha formatura. Mesmo que na minha turma houvesse apenas seis alunos, a cerimônia durou três horas, com muitos vídeos, fotos e discursos. Mas foi divertido e consegui o meu diploma.
Meus pais vieram do Brasil para a minha formatura, ficaram comigo na casa da família que me acolheu, onde experimentaram e viveram um pouco do que eu vivi naqueles últimos dez meses. Foi uma das partes mais gostosas do intercâmbio. Quando eu estava mostrando todos os lugares, e apresentando aos meus pais todas as pessoas com as quais convivi em Roberts, senti uma gratidão e uma felicidade enorme, porque foram eles que proporcionaram aquela experiência que mudou a minha vida. Agora tenho as minhas próprias experiências de intercâmbio que tanto sonhava quando a minha mãe me contava as dela!