Montanhismo no Reino Unido.
Desde que me mudei para Rugby, na Inglaterra, tenho tentado me envolver cada vez mais nos hábitos e cultura britânicos. Eu acho que facilita muito o processo de adaptação, além de me dar a oportunidade de verdadeiramente viver tudo o que o país me permite.
Recentemente fui convidada a participar de um desafio super legal e totalmente fora da minha zona de conforto. Algo que eu realmente não teria sequer conhecido senão através dos meus amigos ingleses. Das conversas no escritório falando sobre hobbies, decidimos que faríamos algum evento de cunho social para arrecadar fundos financeiros para alguma entidade. Tinha que ser algo difícil, que valesse a pena para nós como participantes e também para os doadores. Foi aí que surgiu a ideia de participar do National Three Peaks Challenge. O desafio consiste em subir os três picos mais altos do Reino Unido em 24 horas. Isso implica em cruzar três fronteiras, Escócia, Inglaterra e País de Gales e caminhar várias horas para conquistar as montanhas Ben Nevis, Scaffel e Snowdon. Tudo isso sem dormir e enfrentando o clima que pode variar de sol e calor a vento e neve no mesmo dia.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Inglaterra
Admito que essa foi uma daquelas ideias de “girico” que surgem quando todo mundo está super empolgado. Mas pronto, tinha sido lançado o desafio e como a causa era muito bonita acabamos levando adiante. Na minha cabeça eu não conseguiria. Eu subiria o primeiro morro e desanimaria dos demais, porque apesar de eu sempre ter gostado muito de caminhar em montanhas, eu nunca fiz isso com hora marcada e nem como parte de um time que tinha um objetivo a ser alcançado. Chegado o dia, nos encontramos na empresa. As pessoas riram muito quando cheguei com minha mala enorme, carregando um edredom nas costas e um saco de comida que dava para mais de um mês. Obviamente me perguntaram o porquê de tantas roupas, uma vez que não íamos parar para tomar banho. Eu já aceitei ali o meu completo desentendimento do que estava por vir. Dos 12 desbravadores, só um não apareceu. Fomos os onze cantando boa parte do caminho e super animados. Eu estava com febre, mas empolgada em saber que pelo menos parte do time completaria o objetivo.
Na chegada em Wales o clima estava bom. Céu limpo, calor e todo mundo tranquilo. Eu diria que nas primeiras duas horas o desafio foi muito divertido. Deu até para conversar e admirar a vista. O problema é que depois disso ainda tínhamos muito a subir, e a pior parte da montanha é a mais difícil. Realmente parece que não chega nunca! Lá em cima um vento frio que quase nos carregava, tempo nublado, feio. Ufa! Que alívio tirar a foto do time conquistando a primeira parte do desafio. Agora era hora de andar tudo de novo morro abaixo… Mas como diz o ditado: “pra baixo todo santo ajuda”. Porém, é aí que você começa a sentir dor nos dedos dos pés.
De volta à van, todos cansados, já não teve mais cantoria nas seis horas que dirigimos até chegar em Scafell, a montanha mais alta da Inglaterra. Começamos nossa jornada morro à cima às 2 horas da madrugada. Para complicar, nos perdemos logo no começo. Ainda bem que alguns colegas entendiam bem de bússola e conseguiram fazer com que voltássemos à trilha. Scafell na verdade é uma pedreira enorme. Não é nada confortável caminhar sobre as pedras. Sem contar a quantidade de gente que caiu… e se ralou feio! Eu diria que realmente não é a montanha mais legal de se subir na vida. No entanto, quando eu cheguei lá no topo e o sol estava nascendo, um colega de trabalho disse: “Renata, you are the highest lady in England”, e aquilo realmente me deu uma sensação incrível. Eu estava verdadeiramente vivendo algo totalmente novo na minha vida. Entretanto, a sensação de grandeza do momento não durou muito. Começou a ficar frio, a fome bateu e eu lembrei que tinha que andar tudo para trás, entrar na van e seguir para o próximo desafio. Eu não consigo muito bem descrever a dor que é descer Scafell. Inclusive eu fiz uma piadinha que agradou muito a turma: “Scafell rimes with hell”. Chegou em um ponto que eu literalmente comecei a conversar com as ovelhas. Eu gritava “mééééééé” daqui e elas respondiam “mééééééé” lá do outro lado do morro. Foi a única coisa que distraiu a dor que eu estava sentindo!
Leia também: Uma vez brasileira pelo mundo, fica difícil voltar ao Brasil
Mais algumas horas de estrada e finalmente chegamos nas famosas terras altas da Escócia. Meu Deus, obrigada por tanta beleza! Para quem assistiu o seriado “Outlander”, as paisagens são exatamente como nas cenas. Parece que a natureza está intocável… Mas o tempo era de muita chuva e tempestade, e por isso não foi permitido que começássemos a caminhada. Ainda bem! Eu assumo que não sei se chegaria no topo naquelas condições, eu estava exausta. Depois de um jantar bem típico, banho de água quente e quatro horas de sono, começamos a última parte do desafio, novamente às 2 da madrugada. Ben Nevis tem 1.345 metros de altura. Eu fiquei agradecida pelo fato de que durante a maior parte do tempo estávamos caminhando dentro de uma nuvem grossa então, não dava para ver o quanto mais teríamos que subir. O cansaço, o frio e a altitude fizeram com que parássemos com muito mais frequência. Chegou em um ponto que eu queria muito desistir. Eu fiquei com medo. O vento estava muito forte e tinha muita neve no chão. Eu li antes do perigo dos despenhadeiros de Ben Nevis, e quando eu percebi, eu estava praticamente do lado de um buracão enorme. Também não tinha levado roupa apropriada para a situação, então eu estava praticamente escalando na neve e usando legging. Novamente pensei no meu despreparo. Nessa última etapa só estávamos eu e mais 4 pessoas, que de forma alguma me deixariam desistir. A força de vontade deles me contagiou e continuei caminhando até chegar no topo do Ben Nevis. Tínhamos cumprido o desafio. Eu sinceramente nunca vou esquecer essas 42 horas. Descobri uma força física que eu não sabia que tinha, mas como sempre, o mais importante são as emoções e lembranças que ficam. Nosso grupo voltou muito mais unido. Tivemos até festa de comemoração com os demais funcionários da empresa, e de quebra arrecadamos mais de 2 mil pounds que doamos para a entidade Mind, que é uma instituição de saúde mental que auxilia milhares de pacientes ingleses todos os anos. Não poderia ter sido melhor.
É por isso que eu digo que quando você muda de país, você realmente tem que se entregar à todas as possibilidades que sua nova vida te oferece. Você tem que dizer sim! Sair da sua zona de conforto. Provavelmente eu não teria descoberto nada sobre o Three Peaks National Challenge se não fosse em um bate papo com os ingleses. Também não teria tido coragem de fazer algo assim sozinha, e com certeza não teria tido motivação para completar o desafio se não fosse o espírito de grupo gerado ali. Eu acredito fielmente de que são estas pequenas entregas que fazem o estrangeiro se sentir em casa enquanto vive em outro país. E para o ano que vem já decidimos que faremos outro desafio. Qual e como eu ainda não sei, mas o importante é que eu já falei SIM!
P.S.: Para quem quiser assistir o vídeo da nossa trajetória para completar o desafio, clica aqui:
2 Comments
Que bacana sua aventura, obrigada a todas vocês do BPM. Nos últimos dois dias gastei (aproveitei) mais de seis horas lendo sobre a Inglaterra. A vida fora de Londres e tudo que Londres tem a oferecer. Sou brasileira (moro em Londres desde 2017) casada com um inglês aguardando (4 meses) ociosamente no Brasil por um visto para voltar. Muito obrigada a todas vocês por tirarem um tempo do dia de vocês para compartilharem a experiencia. Já recomendei o site de você para as amigas.
Olá Camila,
Ficamos contentes em receber sua mensagem. Aproveitamos também para desejar sucesso na sua jornada.
Boa sorte!
Obrigada,
Edição BPM