Uma vez brasileira pelo mundo, fica difícil voltar ao Brasil.
Eu morei quase dez anos nos Estados Unidos. Lembro-me como se fosse ontem do meu primeiro dia por lá. Nos levaram para conhecer a Universidade de Ohio, e todos aqueles estudantes, as cores das árvores no alto outono, o estilo de roupas e o frio eram totalmente diferentes de tudo o que eu conhecia. A sensação mais forte era de que eu havia simplesmente entrado em um filme de Hollywood. Depois disso, vieram incontáveis experiências. Viagens, amigos, falar outra língua, se ver independente em outro país…
Trabalhei muito, estudei ainda mais, e consegui uma bolsa de graduação por lá. Falando assim parece que foi até fácil, mas eu precisaria escrever um livro para contar os inúmeros desafios que enfrentei, e da forma em que precisei me reinventar e ser extremamente forte para alcançar meus objetivos. Ao receber meu diploma, decidi então que era hora de “voltar para casa”. Eu estava cansada de viver longe…
Parece que por mais que a gente se adapte em outro país, que se realize, lá no fundinho da alma fica sempre aquele vazio – aquela vontade de fazer dar certo no Brasil. Aquela nostalgia… A sensação de que a felicidade plena só pode ser alcançada lá na sua terra, juntos aos seus. Na verdade, eu acho que você fica meio sem lugar. Você ganha o mundo, descobre que ele é bem pequenininho, mas que o tempo é escasso demais.
A menina de 22 anos que chegou nos EUA com a vida toda pela frente, já tinha então se formado, se casado, feito 10 pós-graduações, mudado de setor profissional e se despedido demais. Era hora de se estabelecer. Voltamos ao Brasil cheio de sonhos e expectativas. Eu já estava empregada em uma empresa internacional para trabalhar remotamente. Meu marido abriu o próprio negócio.
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Começou então um período de muitas decepções. É praticamente impossível não fazer comparações, e você começa a perceber que no Brasil parece que todo mundo está sempre em uma batalha incessante para conseguir pagar as contas. O dinheiro nunca sobra. Os sonhos começam a ficar mais distantes. Parece que você não se encaixa. A burocracia é imensa. Tudo é difícil. Em um ano já estávamos de novo desmontando mais uma casa e carregando aquele monte de malas (e a nossa cachorrinha) pelo aeroporto. Desta vez embarcávamos para um mundo totalmente novo. Ao invés dos Estados Unidos, decidimos que era hora de nos aventurarmos pela Europa.
Queríamos ir à Suíça, mas pela questão da língua decidimos começar pela Inglaterra. Antes de me mudar para cá, eu nunca havia sequer vindo ao Reino Unido. Apesar de ter lido muito, acabei me iludindo de que a vida seria parecida com os Estados Unidos. Que susto! Nas minhas primeiras semanas em Londres eu custava acreditar que estava em um país de primeiro mundo. Já deixo bem claro aqui que cada caso é um caso, e que a Londres turísica é muito diferente da área em que eu morei. Claro que eu me encantei pela Oxford Street, pelos parques e palácios, por caminhar entre o Big Ben e a Tower Bridge. Mas a realidade que eu vivi foi de um lugar muito poluído, com uma água sem qualidade nenhuma, de lixo no chão, de fumaça, de trânsito intenso e motoristas que não respeitam pedestres, de um inverno que escurece às 4 horas da tarde e de um céu tão cinza que às vezes te faz desacreditar que ainda exista sol lá fora.
Decepcionante! Graças a Deus, em poucos meses eu consegui um emprego na minha área e tivemos a oportunidade de nos mudarmos para o interior da Inglaterra. Na verdade, eu costumo dizer que estou mais em Londres agora do que antes, já que da cidade onde moro é uma hora de trem até o centro de Londres, e eu costumava gastar mais que isso de ônibus quando morava lá. E só depois de me mudar que o coração começou a se acalmar e eu consegui enxergar beleza na vida inglesa. Parei de fazer comparações. Conheci pessoas muito boas, uma flora vasta e que tem surpreendido a cada dia de primavera. Comecei a admirar a “simplicidade” daqui, a paixão pela história, o respeito pela realeza, a formalidade ao escrever e se vestir. O que antes me parecia frieza, passou a ser educação.
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Os ingleses estão à toda hora prontos para te ensinar. De certa forma acho que eles mantêm certa admiração pelos curiosos. Se você, por exemplo, perguntar à um inglês sobre a batalha de Tewkesbury, provavelmente eles te explicarão em detalhes o acontecido, e incluirão nomes de familiares que estavam lá e presenciaram aquilo. Ou se você perguntar a maneira correta de pronunciar uma palavra que você costuma dizer de forma “americanizada”, terão gosto em repetir a palavra mil vezes e te explicar porque a língua inglesa é chamada “inglês”! Também preciso falar sobre a facilidade que é fazer amigos no pub após o expediente. Geralmente você vai encontrar as mesmas pessoas, todos os dias. Eles não vão te perguntar o que acontece na sua vida entre às 9 e 17 horas, simplesmente falarão de futebol, de rugby, do quanto as coisas melhoram na primavera e de quizzes, eles amam quizzes!
Mas agora vamos falar de uma das maiores vantagens de se viver na Inglaterra: ter a Europa toda como seu jardim. Diferentemente dos Estados Unidos, aqui eu passei a gastar muito menos, comprar muito menos, sequer me lembro das novidades do mundo fashion e tecnológico (não que isso já tenha me preocupado um dia, mas nos EUA você acaba “obtendo” essas coisas por tabela). Na Inglaterra, o nosso dinheiro extra é revertido em viagens. Avião, hotel, trens, bilhetes… O foco é poder conhecer alguns daqueles lugares lindos que parecem sempre tão distantes quando você está do outro lado do Atlântico. E isso vai tornando a vida mais leve aqui.
Ontem foi o meu primeiro aniversário estando na terra da rainha. Quando abri os olhos, eu senti tristeza… uma saudade de casa, do abraço da minha mãe, da minha irmã e da minha avó. O coração doeu. Cinco minutos mais tarde, meus amigos invadiram meu quarto com bolo e cantando parabéns. À tarde veio o pessoal todo do escritório, os amigos da igreja, os amigos de Londres, o vizinho… Quando eu vi, minha casa estava cheia.
Eu acho que a vida na Inglaterra é mais ou menos assim. Cheia de saudade, mas também de surpresas lindas! E eu vou seguindo adiante, aproveitando muito, aprendendo muito, e sempre na expectativa de um dia encontrar o meu verdadeiro lugar no mundo.
6 Comments
Olá Renata! Sou sua colega aqui do BPM. Texto muito bom!! Super te entendo, também vivi fora bastante tempo, retornei ao Brasil onde morei por 6 anos, fiz faculdade, exerci minha profissão de advogada no País, mas acabei saindo novamente, não por total opção mas por me senti triste, decepcionada e frustada com o mundo jurídico e judiciário do País, senti que não me encaixava e que precisava tentar algo novo. Boa sorte na sua nova caminhada! Muitas energias positivas.
Oiii Lorena! Obrigada! Que seu caminho seja de muito sucesso por onde passe… Um grande abraço!
Que texto maravilhoso, Renata! Moro nos EUA e me sinto assim o tempo todo: com saudade de casa no Brasil, mas seguindo adiante, buscando meu lugar no mundo! Grande abraço e tudo de bom pra você!
Super te entendo Carleara! Eu amava os EUA, mas parece que no coração o Brasil fala mais alto! rsrs Mas vamos aproveitando nosso tempo fora, todo conhecimento e experiência que a gente adquiri, e deixar a vida nas mãos de Deus! Quem sabe um dia a gente não volta pra “casa”? rsrsrs Um grande abraço e muito sucesso pra você!
Hello Renata!
Li com atencao o que voce escreveu, lembrei da minha filha, quando foi ao Canada e voltou ao Brasil. Ela teve uma depressao, com acne adulta. Meu Deus! Hoje vivendo aqui nos USA tambem vejo a diferenca…
Minha querida se ajeita ai onde voce esta, o quanto de gente que pede p/sair do Brasil, perdi as contas…
Sucesso a voce e seu marido…assim que tiverem filhinhos com certeza, saberao que a a melhor familia do mundo esta ai com voces…
Muito obrigada Leonor! Sei bem o que se passou com sua filha… E fico feliz que vocês estejam hoje vivendo uma nova aventura no exterior! Realmente acho que a minha vida vai mudar muito quando os filhos vierem. Com a família “maior” talvez seja mais fácil se acostumar a viver fora =] Um grande abraço e tudo de bom pra vocês nos EUA!