Uma das coisas que mais gosto de fazer em viagens é caminhar despretensiosamente pelas ruas da cidade. Acredito que em meio a tantas “estrelas” e pins marcados previamente no mapa sempre há tempo para sair pelas ruas e sentir a atmosfera do local, estabelecer uma conexão, observar as pessoas e a rotina da cidade. Este texto é exatamente sobre isso, as ruas de Dublin.
Moro em Dublin há mais de um ano, porém nunca me senti turista aqui. Não vim com pins previamente marcados, pois sabia que teria tempo de sobra para conhecer a cidade durante o intercâmbio de doze meses. Acontece que, passada a fase de se perder, as ruas se tornaram parte do meu cotidiano e os detalhes do que um dia foi novidade hoje passam, muitas vezes, despercebidos.
Quando pensei em escrever sobre as ruas de Dublin, fiz a mim mesma uma proposta: ser turista na cidade onde moro, ainda que por algumas horas. Saí com a câmera nas mãos, atenta aos detalhes, às cores, ao movimento, observando a rotina da cidade, como se eu não fizesse parte dela.
Convido você a fazer esse passeio comigo! “Simbora”?
É verão, e ainda restam flores, muitas. Elas brotam nas marquises, nas janelas, nos canteiros dos bem cuidados jardins de algumas casas. Elas trazem colorido e vida pra cidade.
E por falar em cor, Dublin não deixa a desejar no verde que representa a Ilha Esmeralda. Muitas das ruas são arborizadas, principalmente nas localidades mais afastadas da região central. A dança das árvores no típico vento irlandês nos fazer pensar no espetáculo que está por vir no outono.
Mas nem tudo são flores por aqui. A presença de alcoólatras e usuário de outras drogas nas ruas assusta à primeira vista. É comum ver discussões no meio da rua. Eles são agressivos entre si e falam alto. O alcoolismo por aqui é um problema social que independe de idade ou sexo.
Não raro vejo mulheres de meia idade carregando suas “falsas” garrafas de refrigerante dentro da bolsa; isso porque não é permitido beber nas ruas. Uma das medidas do governo para combater o problema foi aumentar a taxa de imposto das bebidas alcoólicas e isso explica, em parte, por que beber por aqui é mais caro do que em outros países da Europa. Infelizmente, cenas como estas podem ser vistas num passeio de domingo à tarde.
Outro ponto triste da realidade é a quantidade de pedintes, muitos deles jovens de origem irlandesa, provavelmente viciados em drogas. Alguns parecem ter pontos fixos estratégicos para exercer a prática como, por exemplo, ao lado de caixas eletrônicos e saídas de supermercados.
E não são apenas nativos que pedem esmolas: é frequente encontrar também pessoas de outras nacionalidades, a se julgar por características físicas. Os copos, geralmente de café, servem para recolher os trocados que eles conseguem arrecadar durante o dia.
É possível encontrar casos de moradores de ruas por aqui também, mas os números não são alarmantes, comparando-se com outras realidades. Dados Da Focus Ireland e da CSO (Central de estatísticas) apontam que dentre os 4,5 milhões de habitantes da Irlanda, 5 mil enfrentam ou enfrentaram temporariamente a condição de morador de rua. A imagem abaixo mostra um morador de rua abrigado sob a marquise de uma loja e também o simpático tocador de flautas que anuncia:
“Sou morador de rua e feliz! Então, diga ‘Olá’. Eu não mordo”.
Se você, como esse morador de rua, gosta de música, vai se encantar com os músicos que se apresentam pelas ruas. Tem pra todos os gostos e algumas apresentações nos fazem realmente parar para apreciar – importante lembrar que uma das formas de se admirar o trabalho de um artista de rua é reconhecendo financeiramente sua arte, pois muitos deles vivem apenas dela. Os músicos se apresentam geralmente nas seguintes localidades: Mary Street, O’Connell Street, a famosa Grafton Street e na região do Temple Bar.
Se ficou com vontade de curtir o som, aí vai uma palhinha do que acontece por aqui:
A música, no entanto, não é a única arte que se vê pelas ruas de Dublin. Há quem se arrisque em apresentações bem inusitadas, como este da foto abaixo, tentando fisgar a atenção do público girando a bola sobre uma caneta. Parece que ele conseguiu um investidor.
A pintura também chama muito a atenção dos pedestres. No passeio que fiz, encontrei as obras de um artista que estava expondo e pintando ao mesmo tempo; esta me deixou arrepiada.
A arquitetura das construções também confere um toque especial à cidade. Apesar de, em algumas áreas, o tom do tijolo laranja-avermelhado ser predominante, é possível ver outras combinações felizes. O interessante é que as ruas seguem, na maioria das vezes, um padrão: colorido, acinzentado, avermelhado, etc. Há, no entanto, casas que fogem totalmente ao padrão e enchem a vista de graça.
Outro charme de Dublin são as curiosas portas coloridas. Há algumas explicações para tal. Historicamente, afirma-se que foi uma forma de protestar contra a ordem da Rainha Vitória, a qual decretou que todas as portas deveriam ser cobertas por bandeiras pretas quando da morte do príncipe Albert em 1861. No entanto, a versão bem-humorada defende que as portas foram pintadas pelas mulheres a fim de facilitar que os maridos bêbados encontrassem a porta de casa.
Depois de uma boa caminhada e tanta coisa vista, se você for premiado com a presença do astro rei, poderá contemplar o pôr do sol, que nesta época do ano acontece depois das nove horas. Até a gaivota parou para admirar o espetáculo que tornará roseado o céu da Ilha Esmeralda.
Dublin é uma cidade linda, sou suspeita de falar porque acabei adotando-a como meu lar. Se algum dia você passar por aqui, vá a todos os pontos turísticos pré-marcados no seu mapa, mas não deixe de fazer essa caminhada despretensiosa pela cidade. Assista-nos vivendo parte da nossa rotina. Estarei lá em meio à multidão.
Na volta pra casa, dei-me conta de que fomos premiados com um dia de sol. O céu roseado é a prova disso. Não procurei o melhor ângulo ou local para registrar o momento. Ali mesmo, atravessando a rua, capturei a imagem na câmera e na mente.
E teve alguém que curtiu o espetáculo do pôr do sol até o final. As gaivotas fazem parte do nosso cotidiano. É bom poder parar ao meio de uma das pontes que cruza o rio e observá-las voando livremente, como quem diz: “Poderia voar para muitos lugares, mas escolhi ficar aqui!”. É nesse ponto que me identifico com elas.
7 Comments
Muito legal, Milene! Morando aqui há dois anos e meio também nunca me senti muito turista, mas vez ou outra saio admirando coisas como a arquitetura da cidade e os buskers tocando na Grafton. A questão do alcoolismo e heroína aqui é bem complicada mesmo, às vezes me sinto meio insegura de perambular pelo centro, mas a gente aprende a lidar, né?
A gente aprende sim, Bárbara! Mas ainda não me acostumei. Nem acho certo, na verdade, acostumar-se com um problema assim. Mas amo essa cidade!! 😉
Adorei, Milene! Um dia eu vou aí!
Oi, Erika!! Obrigada!! Venha me visitar sim. Aliás, também estou louca pra ir te visitar!! 😉
Show. Parabéns. Tudo maravilhoso…..
Salve Milene, paz!
Muito muito bom seu post.
Adorei o “show de cordas”, realmente um show.
Gratidão pela partilha.
Mhanoel
Parabéns Milene! Belo artigo, rico em detalhes.