Quem disse que ser expatriado assalariado é fácil?
Mudar-se para um novo país não é tarefa das mais simples, visto todas as transformações e novidades que temos que incorporar ao quotidiano. Aqueles que se mudam e ainda precisam procurar uma nova ocupação ou um novo trabalho sabem que não é nem um pouco fácil – adequar o CV aos modelos locais, entender como contatar recrutadores e agências de emprego, decifrar as regras não divulgadas sobre “boas maneiras” profissionais, isso sem falar no aprendizado do idioma, claro.
Em vista de tudo isso, podemos ter a tendência a pensar que aquelas e aqueles (ao longo do texto não farei mais distinção entre os gêneros e usarei o masculino como forma genérica) que são transferidos de país, tendo como base um convite da empresa onde trabalham, não precisam se preocupar com nada e têm a expatriação como uma situação garantida e positiva. Por um lado, poder contar com o suporte usualmente fornecido pelas empresas que expatriam seus funcionários – documentação de imigração e afins, auxílio na busca (e, às vezes, auxílio financeiro) de residência, escola para as crianças e transporte de móveis – alivia em larga escala a pesada carga de preparativos e atividades envolvidos em uma mudança de vida tão grande.
Mas é aí que muitas empresas e muitos profissionais podem fazer uma avaliação muito superficial da situação, acreditando que o funcionário expatriado só precisa chegar ao seu novo posto de trabalho e fazer o que sempre fez. Afinal, a empresa é a mesma, só muda o endereço e as diferenças entre as equipes nem são tão grandes assim, não é mesmo? Negativo!
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Ainda que empresas que tenham uma cultura organizacional muito bem definida consigam unificar vários processos e métodos entre regiões diversas do mundo, a cultura que predomina em cada país é sempre a local. Por causa disso, o profissional que chega precisa observar muito bem o ambiente que o acolhe. Frequentemente ele precisa fazer alguma adaptação em sua forma de liderar grupos, em seu modo de realizar discussões, feedbacks e avaliações de performance, em seu estilo de delegar tarefas e projetos. A velocidade, o ritmo de trabalho, o tipo de interações entre colegas e vários elementos de comunicação não-verbal podem ser bem diferentes daquele a que está acostumado.
Ainda que o profissional seja muito bem visto e avaliado em seu país de origem, ele provavelmente precisará dar uma atenção especial à sua imagem, afinal ele encontrará pessoas que nunca trabalharam diretamente com ele. Sua reputação, então, mesmo que seja forte em sua origem, precisa ser restabelecida (ou confirmada) no novo destino.
Existe também a pressão por performar em seu máximo, sem perder o ritmo. Geralmente essa é uma pressão auto imposta, ou seja, é o próprio profissional que se coloca essa necessidade de provar que mereceu a expatriação e não deixar que os primeiros meses de instalação interfiram em sua eficácia e eficiência. Essa atitude pode trazer alguns problemas. Quando isso se traduz em um excesso de horas trabalhadas durante a semana, com pouca ou nenhuma oscilação de atividades (leia mais sobre oscilação aqui), uma porta se abre para a entrada do stress e seu parente devastador, o burnout (*). A família também sofre a ausência e a não tão incomum irritabilidade do profissional. Ou seja, todos entram em uma espiral bastante negativa.
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É comum que o expatriado assalariado se sinta ao mesmo tempo sozinho e culpado. Sozinho por ter tantas preocupações na cabeça e ainda não poder contar com novas amizades, confidentes ou profissionais capacitados para discutir o tema com ele. A culpa também pode aparecer às vezes, pois são comuns as viagens e os compromissos de trabalho fora do horário tradicional, enquanto o cônjuge fica sozinho, sendo o responsável por estruturar muitas coisas dentro e fora de casa.
Adequar, então, vida profissional e pessoal requer uma boa dose de autoconhecimento e observação de si mesmo e do meio. Nem sempre essa é uma tarefa fácil.
Um amigo, expatriado por uma grande empresa farmacêutica, viveu isso na pele. Expatriado para a França com esposa e dois filhos pequenos, ele passou um primeiro ano bastante difícil. Era muito solicitado no trabalho e não conseguia se ausentar para dar um apoio em casa nos primeiros meses da mudança. Ainda que já falasse o francês com certa fluência, às vezes não conseguia acompanhar as discussões quando as pessoas falavam muito rápido ou usavam expressões que ele desconhecia. Não se adaptou muito bem com a falta de objetividade de alguns grupos de trabalho (que sempre queriam discutir determinados temas, mas demoravam para iniciar a ação) e a ausência de resposta a e-mails.
Perdia a paciência com a longa fila de pessoas que entravam em sua sala todo dia de manhã para dar bom dia e apertar sua mão ou o saudar com dois beijinhos (um hábito muito comum nas empresas francesas), o que o fazia interromper o trabalho repetidas vezes. Chegou à beira do burnout, pois não conseguia organizar suas ideias claramente e começou a recear que ia perder o ritmo e perder a performance. Logo, pensamentos negativos passaram a ocupar sua mente: “não vou conseguir”, “acho que não sou bom o suficiente”, “sou mesmo um péssimo companheiro e pai de família, pois largo todos em casa sozinhos e fico aqui no trabalho sem parar”, e por aí vai.
Conforme os meses foram passando, e com a ajuda de muita comunicação franca e amorosa em casa, conseguiu colocar as coisas nos eixos e voltar a ter a tranquilidade necessária para equilibrar com habilidade o lado profissional e o pessoal. Mas levou um ano inteiro para conseguir fazer isso.
Moral da história: o apoio mútuo do casal expatriado é fundamental para que os primeiros meses de transição sejam vividos de forma tranquila. Uma comunicação fluida e honesta precisa ser mantida, onde cada um possa abertamente falar de seus receios, de suas preocupações e, sobretudo de suas necessidades. O diálogo franco reforça os laços entre os membros da família e a autoconfiança de cada um, tendo excelente repercussão no trabalho e em todas as áreas da vida!
(*) Distúrbio psíquico provocado por um esgotamento físico, mental ou emocional associado ao trabalho.