Trabalho na Dinamarca: como os dinamarqueses gerenciam o tempo.
No meu primeiro texto aqui para o BPM eu falei um pouco sobre as cinco principais diferenças na cultura de trabalho da Dinamarca em relação ao Brasil. Dentre essas diferenças, destaquei como os dinamarqueses gerenciam o tempo deles e, a pedidos, hoje vou entrar um pouco mais a fundo nesse tema. Espero que gostem!
A Dinamarca é conhecida por ter um dos melhores níveis de work-life balance do mundo. Isso significa que por aqui se tem um foco muito grande em qualidade de vida, e que se espera que as pessoas priorizem a vida pessoal além do trabalho – focar somente no trabalho e deixar de lado a vida pessoal chega a ser mal visto.
Esse é sem dúvidas um dos pontos altos da vida na Dinamarca; trabalhei por muitos anos no Brasil e a sensação sempre foi que se eu demonstrasse que tinha qualquer resquício de vida pessoal fora do trabalho, era vista como desmotivada e não focada em crescer na minha carreira.
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Este foco na vida pessoal faz com que os dinamarqueses tenham como maior prioridade da vida sair do trabalho no máximo às 16 horas, seja para fazer um exercício físico, encontrar os amigos ou buscar os filhos na creche. É aí que começa a importância do gerenciamento do tempo: eles planejam praticamente cada minuto de cada dia para garantir que consigam terminar tudo o que têm que fazer antes das 16 horas.
E quando falo de cada minuto estou exagerando só um pouco. É comum as pessoas colocarem em seus calendários o horário de almoço, de 30 minutos no máximo, o cafezinho para bater papo e até mesmo as idas ao banheiro – esse último é incomum, mas juro que já vi. Certa vez minha chefe comentou comigo que faltavam exatamente 37 dias úteis para ela sair de férias, e que ela já havia planejado cada dia para garantir que entregaria tudo a tempo.
Isso torna os dinamarqueses mais eficientes no trabalho? Sim. Esse planejamento de fato permite que você trabalhe rápido e execute mais tarefas em um dia. Por outro lado eu acredito que a qualidade dessas tarefas fique em alguns casos comprometida: é mais importante terminar algo dentro de um tempo determinado do que fazer um excelente trabalho.
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Em outras palavras, aqui se prioriza a eficiência (trabalhar rápido) em detrimento da eficácia (entregar trabalhos de alta qualidade). Isso significa que a qualidade do trabalho não é boa na Dinamarca? De forma alguma. A qualidade é boa o suficiente dentro do tempo que se tem para se dedicar a uma tarefa. Justo, não?
Se por um lado todo esse planejamento permite uma maior produtividade, por outro eu acredito que deixa o dia a dia mais engessado, pois não permite que se tenha muito espaço para imprevistos: se todos os meus dias estão planejados há semanas, como vou arrumar tempo para resolver aquela abobrinha que sempre surge de última hora? E como vou marcar aquela reunião de última hora se a agenda de todos já está totalmente bloqueada para as próximas semanas?
Na minha vivência aqui, acredito que os dinamarqueses tenham menos resiliência que os brasileiros, que têm resiliência de sobra, e às vezes têm dificuldades de lidar com imprevistos. Além disso, quando surgem estes imprevistos – eles sempre surgem – acaba que todo aquele tempo que foi gasto planejando os dias é jogado fora, o que também é um problema.
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Outro aspecto que é muito impactado por esse gerenciamento de tempo é o almoço: no Brasil a hora do almoço é um evento, é a hora de confraternizar com os colegas, relaxar e às vezes explorar restaurantes maravilhosos. Almoço de duas horas no Brasil era comum em todos os lugares em que trabalhei, e essa era a hora mais sagrada do dia – mesmo que eu tivesse que sair mais tarde no fim do dia, não abria mão do meu almoço.
Já na Dinamarca, um almoço nunca vai se estender por mais de 30 minutos, e é bastante frequente almoçar na frente do computador para mais uma vez garantir a hora de saída. Esse é um dos pontos em que sinto mais saudades de trabalhar no Brasil, fiz inúmeros amigos para a vida nesses almoços relaxados e demorados.
Então, no geral, onde eu prefiro trabalhar? No Brasil ou na Dinamarca? A resposta é: depende; aliás, essa é a resposta para quase tudo, né? Se por um lado focar na minha vida pessoal seja hoje essencial para mim, que tenho um filho pequeno, por outro eu acho que o dia a dia no trabalho pode ser bastante estressante com todo esse planejamento e necessidade de ficar monitorando o relógio o tempo todo. Além disso, acho que as relações interpessoais no trabalho acabam ficando comprometidas.
Nesse sentido, hoje eu prefiro trabalhar na Dinamarca, pois tenho um foco grande na minha família e o estilo de trabalho daqui me permite ter esse foco. Em outros momentos da minha carreira, por exemplo quando era recém-formada, eu tenderia a preferir trabalhar no Brasil: aprendi muito nas empresas em que trabalhei e aprendi a fazer trabalhos de excelente qualidade, independente do tempo que isso levasse. Além disso, o clima do trabalho no Brasil é mais relaxado e permite fazer mais amigos, e isso faz uma grande diferença.
Infelizmente não é possível pegar o melhor dos dois mundos, que são o foco em qualidade de vida da Dinamarca e o clima mais relaxado do Brasil. Sendo assim eu fico muito feliz com a minha experiência de trabalho brasileira, mas dado o meu momento de vida atual, fico com o foco em qualidade de vida que a Dinamarca me permite. Quem sabe um dia chegamos lá no Brasil.
1 Comment
Olá Laura,
Muito bom o teu texto, muito esclarecedor. Obrigada por nos proporcionar uma visão tão clara e próxima da realidade. Estamos nos mudando para Dinamarca logo mais, em março do próximo ano. Estamos vendo a questão da escola para as crianças e a prefeitura nos informou que será em função do nosso futuro endereço de moradia. Como as crianças falam português e italiano, gostaria de saber se você tem bairros para me indicar que tenham maior probabilidade de encontramos grupos nas escolas com crianças que falem a mesma língua. Existem bairros de determinadas comunidades? Muito obrigada desde já,
Juliana