Universidades historicamente negras dos EUA.
Quando a cantora Beyoncé se tornou a primeira mulher negra a ser atração principal do festival de música Coachella, ela fez questão de incluir em sua apresentação músicos e dançarinos alunos de faculdades e universidades historicamente negras dos Estados Unidos, conhecidas como HBCUs.
Em abril deste ano o Netflix lançou o documentário Homecoming, que mostra os bastidores deste show e revela as inspirações por trás da sua performance. Beyoncé, através de um exercício de autoconhecimento, criou uma celebração da beleza da cultura negra norte-americana e fez um tributo à importância da educação e tradições das HBCUs.
Estas instituições de ensino superior foram criadas antes da introdução do Civil Rights Act de 1964 (Lei dos Direitos Civis), e tinham como principal missão educar negros americanos que, antes da lei, eram proibidos de ingressar em outras universidades, principalmente no sul do país. Embora o foco na sua fundação fosse servir à comunidade afro-americana, estas universidades valorizam a diversidade e, nelas, alunos de todas etnias são bem-vindos.
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Foi através da minha primeiríssima amiga em Nova Orleans, Raichel Hobley, que eu aprendi sobre estas universidades. Ela é filha de dois ex-alunos da Dillard University, universidade que completa 150 anos este ano e é uma das três HBCUs da cidade. As outras duas são Xavier University, que recebeu uma doação da Beyoncé no ano passado, e Southern University at New Orleans.
A mãe da Raichel é diretora dos serviços de oncologia de um dos principais hospitais de Nova Orleans e uma das mulheres mais classudas que eu conheço. Já o pai dela rodou o mundo seis vezes com os Harlem Globetrotters. Ele também se tornou o único técnico da Dillard a levar o time de basquete a uma final de um campeonato nacional. Infelizmente, ele faleceu no ano seguinte. Hoje, Raichel dirige a Billy Ray Hobley Foudation, uma ONG que leva o nome do seu pai e oferece bolsas de estudos para atletas.
Eu conheci a Raichel em uma cadeira de jornalismo na University of New Orleans, onde nós duas nos formamos. Recentemente eu perguntei por que ela não quis estudar na Dillard, como os seus pais. Sua mãe é uma ex-aluna engajada e lá a filha teria bolsas de estudos para se formar quase de graça. A resposta dela foi engraçada: “Você tá brincando? Meu pai era o técnico do time de basquete. Eu não ia poder namorar ninguém com ele me supervisionando.”
O dilema de ter que decidir entre uma HBCUs e uma PWI (instituições predominantemente brancas) foi retratado em um episódio do seriado Black-ish. O filho dos personagens principais teve que escolher entre Stanford University, a PWI onde a mãe estudou, e Howard University, a renomada HBCU onde o pai estudou.
Após uma visita ao campus da alma mater do pai, o jovem descobriu que, além da bolsa integral, a HBCU tinha algo ainda mais importante para oferecer: uma experiência empoderadora e acolhedora.
Beyoncé explica no documentário que ela sempre desejou ter frequentado uma dessas universidades. Seu pai estudou na Fisk University, em Nashville.
De acordo com a National Science Foundation, aproximadamente 20% dos estudantes negros obtêm bacharelados em ciências e engenharia em HBCUs e 24% de todos os negros que se formam nos Estados Unidos, 80% dos governadores negros, 75% dos negros com PhD e 75% dos médicos negros também estudaram nestas instituições.
Entre os ex-alunos famosos das HBCUs estão Oprah, a cantora Erykah Badu, o diretor Spike Lee, o ator Samuel Jackson, a escritora Toni Morrison, e os lideres ativistas Martin Luther King Jr. e Rosa Parks.
Tudo isso me fez pensar no Brasil. Em 2015, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 12,8% dos negros, entre os 18 e 24 anos, são estudantes em instituições de ensino superior brasileiras.
Para termos uma ideia do atraso, a Cheney University of Pensilvania, a HBCU mais antiga dos EUA, foi fundada em 1837, meio século antes da abolição da escravidão no Brasil. A Universidade do Rio de Janeiro, a primeira do país, a qual somente a elite tinha acesso, foi criada em 1920. E a Lei de Cotas só foi introduzida em 2012 e serve como band-aid barato que mal tapa o tamanho da ferida.
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O Brasil tem parcerias com 31 HBCUs que fazem parte do programa federal Ciências Sem Fronteiras. As instituições receberam aproximadamente 350 alunos brasileiros no primeiro semestre. Curiosamente, a maioria destes alunos é formada por brancos.
Em 2013, uma delegação representando as 105 HBCUs dos EUA foi ao Brasil em busca de mais acordos acadêmicos com o país.