Acho que alguma parte de mim sempre soube que a Páscoa era a celebração da Ressurreição de Cristo pelos cristãos, mas, como cresci em uma família não-religiosa, ela significava ovos de chocolate, meus parentes reunidos em volta de uma mesa com uma bacalhoada incrível e um feriado longo. Só quando saí do Brasil para morar em dois dos países mais católicos do mundo (primeiro a Irlanda e depois as Filipinas), comecei a perceber os rituais religiosos que aconteciam neste feriado. E como será a Páscoa nas Filipinas?
Aqui, nas Filipinas, o feriado é mais sagrado que o Natal (no dia 25, por exemplo, as lojas dos shopping centers abrem por meio período; na sexta-feira Santa, todo o comércio permanece fechado). Após a quarta-feira de cinzas, no qual os católicos que participam da missa saem com cinzas em suas testas no formato de cruz, se dá início à Quaresma (ou Kwaresma, em filipino), na qual a Paixão de Cristo é relembrada. Nesse período, os católicos se abstém de algo, seja comida (deixar de comer carne vermelha, por exemplo – muitos restaurantes oferecem, nessa época, pratos com frutos do mar) até prazeres físicos (como fumar) com o fim de se purificarem através da abnegação e oração.
Quando chega a Semana Santa (em filipino, Mahál na Araw), as cidades tornam-se mais quietas e, em geral, qualquer barulho fora do normal é evitado; inclusive muitas estações de rádio e canais de televisão param de transmitir durante a semana inteira, como sinal de respeito. Lembro que há três anos pedi, nessa semana, que instalassem uma segunda fechadura no apartamento que eu morava porque iria viajar por três meses. A administração negou porque a instalação da mesma geraria barulho e esse era proibido nessa época. Fiquei mega-revoltada (sempre fico com essas coisas que considero sem fundamento) e disse que se meu apartamento fosse assaltado, seria responsabilidade deles e, no final, consegui que instalassem a tal da fechadura apesar dos protestos.
O feriado, que dura da quinta-feira santa (Maundy Thursday ou, em filipino, Huwebes Santo) até o domingo de Páscoa (ou Linggo ng Pagkabuhay), é o mais longo do país junto com o Natal e a movimentação em rodoviárias (ou nos galpões de ônibus) e aeroportos é imensa já que muitos voltam às suas províncias ou saem de férias (e retornam para suas casas no domingo de Páscoa).
Esse é, portanto, um peak season, ou seja, um período de grande movimento e as viagens devem ser reservadas com antecedência.
Pelo lado religioso, esse período, em especial a sexta-feira Santa (Biyernes Santo), é marcado por vários eventos religiosos, como procissões e reconstituições da crucificação (com direito a figurino completo). O aspecto mais chocante das reconstituições são os “flagelantes”, no qual alguns filipinos se auto-flagelam publicamente, encenando a tortura pela que Jesus passou e, em seguida, sua morte. Alguns chegam ao (absurdo) de se deixarem crucificar, através de suas mãos e pés e, em alguns lugares (como em Pampanga e Nueva Ecija), usam gorros brancos e uma coroa de espinho para que sangrem. Para quem acha (como eu) que isso é um absurdo, envio o link do Global Post (com foto) publicado em março de 2013.
Outros eventos que se destacam são a procissão do Nazareno Negro de Quiapo em Metro Manila (ou Black Nazarene), uma estátua negra de cem anos esculpida no México e considerada miraculosa, e a Procissão em Baliuag (Baliuag Lenten Procession), que também acontece na quarta-feira anterior, no qual carros alegóricos desfilam pelas ruas de Bulacan com temas religiosos. Em 2013, o tema era a Paixão de Cristo e a parada religiosa contou com a presença de 102 carrozas.
O domingo de Páscoa é, tradicionalmente, passado com a família. Nesse dia, várias gerações se reúnem para celebrar a Ressurreição. Como todas as datas especiais nas Filipinas, se celebra esse dia com muita comida. Entre os pratos, destacam-se o porco assado no espeto (lechón), uma variedade de pratos feitos com frutos do mar e a paella, de influência espanhola. Jogos, como a caça aos ovos, também fazem parte da tradição. Os ovos que se caçam aqui não são os de chocolate, mas meros ovos de galinha, cozidos e pintados (pelo menos, não é o balut, ou seja, o ovo fecundado que eu e a Christine Marote comentamos no texto Asiático é Tudo Igual? A Inevitável Comparação.
Acho interessante a comparação entre o silêncio e as tradições religiosas observadas na região da capital, Metro Manila, e em povoados mais religiosos e as festas organizadas nas praias e lugares onde os filipinos mais jovens se reúnem. No ano que estivemos em Puerto Galera, uma das praias próximas à Manila, o silêncio religioso foi substituído por festas que duraram o feriado inteiro, inclusive na Sexta-Feira Santa. No sábado à noite, no entanto, a praia estava mais vazia e, no domingo pela manhã, as balsas de volta à Batangas de onde se pega um ônibus para Metro Manila estavam todas lotadas.
Eu, particularmente, aproveito a Semana Santa para viajar e conhecer novos lugares (em 2010, estive em Vienna, na Áustria, em 2011, voltava para Barcelona por três meses, em 2012, estive em Puerto Galera e em 2013, fomos a Pagugpud e Vigan, ao norte da ilha de Luzon, nas Filipinas; agora, em 2014, voltaremos para Bohol e Boracay). Muitas das tradições que seguia no Brasil (como não comer carne) foram pouco a pouco deixadas de lado. Talvez porque, para mim, elas não façam muito sentido.
Leia sobre a Páscoa pelo Mundo!
5 Comments
Oi Tati independente de religião e costume o sentido da pascoa e renovação, renascimento, então que neste feriado você possa descansar e aproveitar para repor energia e voltar renovada, Feliz Pascoa.
Oi Emília, feliz Páscoa para vocês também! =) Um beijo
Feli pascoa querida Tati e aproveite muito a viagem! 🙂
Oi Ana! Espeo que a sua Páscoa tenha sido ótima!!! Um beijo!
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