De repente, com o piscar dos olhos ou a distração de um momento, 2016 está quase no final. Tenho uma teoria de que o tempo é relativo e passa de forma diferente para pessoas diferentes em estágios diferentes da vida e um dia desenvolverei um texto sobre isso, mas fico impressionada ao ver que mais um ano se passou.
Muitos que vivem fora do país conseguem voltar para o Brasil para passar o Natal com suas famílias. Para que isso aconteça, planejamento é essencial porque as passagens MAD-GRU-MAD (Madrid a São Paulo, ida e volta), quando compradas em novembro custam, no mínimo, 1200 euros por pessoa, quando para outras épocas podem custar metade disso. Como dinheiro é um artigo que ainda não tenho de sobra – vamos esperar que, nesse ano, me toque o gordo, minha gente! – e consigo planejar meu futuro tanto quanto “o que vou cozinhar amanhã” (comerei empanada caseira de queijo azul, cebola e maçã, se alguém estiver se perguntando, porque é uma receita que preciso provar), não costumo voltar para casa no Natal. Para ser honesta, nesses quase 10 anos que vivo fora, voltei para as festas de fim de ano apenas uma vez – e foi incrível!
Quem não volta, que também são muitos, acaba celebrando as festas de final de ano com sua nova família, os amigos. Experiência própria diz que não é o mesmo, mas quando estamos longe da nossa família de sangue, aquela que escolhemos nos consola nessas datas. Hoje, no entanto, passo o final do ano com minha família legal, como também o faz muitos outros. Independente do caso, por mais legal, por maior que seja a cumplicidade e por mais amor haja, só no último ano não fui dominada pelo sentimento de tristeza em alguma hora do dia. Há dez Natais, sei que a nostalgia me visitará em algum momento do dia 24, como aquele amigo de família que sempre passa para dar um abraço. Para mim, o Natal era uma data para passar com a minha família, comendo o tender maravilhoso da minha mãe e o seu, igualmente maravilhoso, arroz com amêndoas, e no dia seguinte estaria com meus tios e primos. É, era assim…
Aqui em Madri adotei os costumes da minha família política, como é chamada a família do seu parceiro aqui, que não são os mesmos que eram os de minha família de sangue porque não vou sair mudando tradições – ainda que deixe, sim, meu toque! Não tenho a pretensão de dizer que a forma como passamos o Natal e o Réveillon seja a forma como todos os espanhóis passam, mas, de forma geral, como no Brasil, o Natal é uma festa que se passa entre família e a Véspera de Ano Novo, entre amigos.
Minha família política é grande – há minha sogra e quatro filhos, um dos quais é meu marido, suas respectivas esposas e quatro sobrinhos, além dos primos e tios. Um dos irmãos, sua esposa e seus filhos moram fora, mas as duas cunhadas que aqui estão têm famílias no país e, portanto, os casais se dividem entre passar o Natal com uma família e o Ano Novo com a outra. Na noite do dia 24, deixamos uma lembrancinha embaixo da árvore porque, por aqui, os responsáveis pelo presente são os Reis Magos, embora a presença do Papai Noel seja cada vez mais constante. Desespero é ter que dar dois presentes, com apenas dez dias de separação, para duas ocasiões “mágicas”.
Na véspera de ano-novo, é comum os jovens jantarem com suas famílias, comerem as 12 uvas da sorte e irem para a balada com seus amigos. Comemoração na Europa tem que ser chique, né? Só que não é bem assim. Como estamos em pleno inverno, assim que as badaladas do relógio terminam, as pessoas buscam baladas ou bares, a maioria das vezes previamente reservados, para se divertirem e passarem a primeira/última noite do ano bebendo em algum lugar fechado. Opinião pessoal, as festas na praia no Brasil são muito mais divertidas.
O tender e o peru de Natal são substituídos por outros pratos, igualmente deliciosos. No último Natal, jantamos um frango enorme recheado e, no almoço do dia 25, comemos o codillo de cordero (a pata da frente do cordeiro) assada no forno com batatas. Particularmente, amo o codillo da minha sogra, ela que passa anos-luz na cozinha nessas datas e pedi para que ela o fizesse no Natal passado. Muitas famílias, no entanto, tem o hábito de comer cochinillo, um porquinho de 20 dias, principalmente se a família for de Castilla y León, já que o prato é típico de lá, como expliquei na edição da Bossa de agosto. E, sim, eu igualmente adoro esse prato, embora tenha que ser comido sem que pense muito no porquinho neném!
Como a Ju Bezerra, ex-colunista do BPM em Madri, escreveu em seu texto sobre o Natal na cidade, as guloseimas que marcam essa época são os doces como torrones e polvorones. Para os navegantes perdidos, torrone – aqui, turrón – é um doce típico natalino e, embora o de Alicante (a versão branca e dura) e o de Jijona (a versão mole e escura) possivelmente possam ser encontrados durante todo o ano, as versões mais saborosas – como as de coco, a de cheesecake com framboesas ou a de gema, o meu favorito – provavelmente só poderão ser encontradas entre as últimas semanas de novembro e, no máximo, o final de dezembro. Dou um beijo no colesterol e me jogo nos torrones de gema, afinal são apenas algumas semanas por ano.
Nesse momento, com as roupa de passagem de ano comprada – que não é a tradição por aqui, mas a mantenho – me despeço. Este ano de 2016 foi de altos e baixos, como todos sempre são. Assim que espero que tenhamos mais estabilidade emocional para aguentar a montanha-russa que será também 2017 e que entremos todos no novo ano com o pé direito, uma oferenda – ainda que mental – a Iemanjá e muita garra para conquistar nossos sonhos. Afinal, a vida só pode ser tão maravilhosa tanto quanto estamos dispostos que ela seja!
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