A consciência ecológica dos alemães.
Apesar de representar uma das maiores economias e pólos de industrialização do mundo, muitos alemães demonstram ter uma consciência ecológica tanto na hora da compra como do voto. A forma e a profundidade que isso toma é bastante individual e pode ser questionada, claro, mas ainda assim pode-se dizer que é possível viver na Alemanha e ter um estilo de vida consciente e ligado à natureza.
Os tipos de Ökos
O que escrevo abaixo não tem a intenção de categorizar, ridicularizar ou julgar algum dos tipos de comportamentos descritos, mas somente para ilustrar e tentar apresentar um tom um pouco irônico sobre dois perfis de “bichos-grilo” versão deutsch. E você, em qual deles se encontra? Vou apresenta-los em figuras masculinas.
O primeiro deles é aquele que já está há mais tempo nessa jornada e busca de uma vida mais ecológica. Imagine um homem na faixa dos 50 anos, barba a ser feita, cabelo grisalho e meio bagunçado, sandálias com meias de lã ou tênis de montanhismo (Wanderschuhe) nos pés, roupa com fibras 100% vegetais e uma mochila nas costas. Ele anda de bicicleta, mora numa casa antiga reformada por ele próprio e já viveu com um grupo de pessoas em projetos autossustentáveis. Participa de encontros de mantras e se interessa por sexo tântrico. É contra energia atômica, vai de caravana até Berlin em manifestações contra Monsanto. Consulta-se somente com homeopata e gosta muito de fazer um passeio pela floresta. Seu engajamento político e visão de mundo lhe deixaram um tanto pessimista quanto o futuro da humanidade.
Agora tem o outro extremo: jovem, formado em administração e com um espírito empreendedor, mora em alguma cidade grande num bairro e apartamento bacanas, ganha bem, se veste muito bem, viaja ao mundo, se interessa pela alimentação vegana, tem uma grande rede social e consome praticamente tudo com o selo bio. Consumir orgânicos e poder pagar por eles faz parte do seu estilo de vida. Esses produtos não se restringem somente aos alimentos, mas vão até produtos de higiene pessoal, vestuário, decoração da casa, brinquedos e roupas das crianças. Ele não sabe muito bem o que são chemtrails, até porque ele viaja constantemente de avião trabalhando em vários projetos pela Europa, visitando amigos e frequentando os mais diversos coworking spaces. Esse jovem rapaz é confiante e acredita que através de uma green economy mudanças positivas e reais estão acontecendo.
Entre esses dois estereótipos existem x variações e maneiras de “ser ecológico” na Alemanha.
Castanheira, urtiga e Maiglöckchen
Logo que cheguei aqui na Alemanha entrei em contato com uma cultura e rituais muito conectados à natureza. Sei que isso não acontece em todos os círculos, mas tanto na minha fase de solteira da faculdade como agora já tendo estabelecido família aqui, vejo esses mesmos interesses e semelhanças nos ambientes que permeio. São costumes enraizados no passado, tradições ainda vivas como por exemplo das famílias fazerem suas próprias coroas de advento, terem um jardim (ou pelo menos alguns vasos com tomates e temperos na varanda durante o verão) e uma forte conexão com as quatro diferentes estações do ano. Sinto que até um certo nível o alemão vive internamente as mudanças externas dos ciclos da natureza. As pessoas sabem os nomes das principais árvores, das flores, das ervas e dos diferentes tipos de ervas-daninhas que crescem nas margens das ruas. As atividades com as crianças também estão frequentemente ligadas a experiências reais sejam elas na floresta, com o vento, com a neve, com o sol…
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Ecologia e green economy
Hoje é possível de se encontrar pelo menos uma dúzia de produtos bio no menor mercadinho que seja, ou mesmo no quiosque do posto de gasolina. É claro que existem diversas nuances entre o selo bio vendido num mercado de descontos ou o bio Demeter da agricultura biodinâmica. Mas o que é fácil de se reconhecer é que o mercado de orgânico cresce muito por aqui e para se ter uma ideia pode-se encontrar tudo o que se imagina com certificação bio: salgadinhos, chiclete, esmaltes, sola de sapato, produtos de limpeza, panelas, preservativos, móveis, tapetes para o carro, ração para cachorro e passarinho e a lista segue até onde a consciência vai – ou a visão empreendedora do empresário.
Falo isso num tom provocante mesmo. Por um lado vivo com minha família de uma maneira muito ecológica, talvez numa mistura dos dois estereótipos do senhor com o jovem. Por outro lado questiono o quão ecológico é comprar um super alimento com uma super certificação ecológica e de mercado justo vindo de navio da Ásia Central. Segundo o Wikipedia, um navio cargueiro consome catorze mil litros de gasolina por hora (!!!!!) – independente se ele carrega nossas deliciosas mangas brasileiras com ou sem certificação bio. A solução seria parar de comer manga na Alemanha? Assumo que eu não consigo já que a variedade de frutas regionais na Alemanha é bem limitada, ainda mais no inverno. Mas talvez no quesito legumes podemos fazer outras escolhas e abdicar de tomates e berinjelas nas estações frias e dar mais prioridade para beterraba, repolhos, cenoura e abóboras. Pois por um lado o alimento x pode ser orgânico, mas por outro sua pegada ecológica deixada pelo longo caminho que fez de navio ou avião é muito maior.
Para muitas famílias é a maternidade que abre a portinha para uma relação mais consciente com o meio ambiente e com que colocam para dentro de casa. Toda mãe e pai quer oferecer o melhor para seus filhos, e na Alemanha o orgânico é visto como o melhor. Papinhas de bebê, pomadas, fraldas, chupetas, pantufas, brinquedos de madeira ou se forem de plástico sem silicone ou BPA e por ai vai. Porém nota-se que após crescer um pouco, a criança acaba consumindo os mesmos produtos que a família e deixa de receber os “privilégios” de um cuidado mais natural.
Isenção fiscal
O governo alemão vem dando ano após ano cada vez mais incentivos para escolhas ecológicas tanto ligadas a construção civil, fontes energéticas e mobilidade. Alguns exemplos:
- Na reforma de casas com sistema de aquecimento ecológicos e econômicos oferece-se um financiamento sem juros por até dez anos.
- Desde 2017 o consumidor que adquirir um carro elétrico também pode se beneficiar de isenções fiscais, seja em carros vindos elétricos da fábrica, como os adaptados. Além disso possibilidade de ganhar um bônus de até quatro mil euros na compra do automóvel.
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Outros dados interessantes:
- Segundo uma pesquisa de 2014 dois terços dos alemães acreditam que a ecologia seja questão fundamental para o atual desafio da globalização.
- Em ordem de prioridade, estas são as prioridades vistas pelos alemães: segurança social, política financeira, aposentadoria, criminalidade/segurança e proteção ambiental.
- O partido verde representa no ano de 2017 8,9% das cadeiras no parlamento alemão. No Brasil esse número representa 2,73% dos deputados federais.
Porém, apesar de todos os pontos salientados acima, não podemos nos iludir e idealizar o ecologismo alemão. Esse país é uma máquina que não para: autoestradas são ampliadas de norte a sul, novos produtos no mercado a cada semana e uma dominadora postura na relação econômica com países mais pobres.