A cultura alemã no trabalho.
No meu primeiro post, contei um pouquinho sobre Stuttgart e como a vida me trouxe para a Alemanha no meio de tantas mudanças. Agora quero contar pra vocês como é trabalhar na sede da Bosch em Stuttgart, uma das maiores empresas alemãs do mundo, e como é a “cultura de escritório” daqui.
A Robert Bosch é uma multinacional alemã de engenharia eletrônica que atua em vários segmentos, desde ferramentas elétricas (a divisão em que eu trabalho) até eletrodomésticos e peças automotivas.
A empresa foi fundada em 1886 aqui em Stuttgart e só abriu sua primeira filial no Brasil em 1954, na cidade de Campinas, onde trabalhei antes de vir pra Alemanha. Além do Brasil, possui escritórios e fábricas em mais de 60 países e seus produtos são vendidos em mais de 150. É uma empresa privada e 92% do seu capital é detido pela Fundação Robert Bosch, uma fundação filantrópica. Os outros 8% pertencem à família do fundador, Robert Bosch.
No Brasil, trabalhei na área de Trade Marketing de ferramentas elétricas, atendendo todas as marcas: Blue, Skil, Dremel, Acessórios e Linha de Medição. Aqui na Alemanha, trabalho na área de Marketing Country Management de Bosch Green em toda a Europa, Austrália, Nova Zelândia, Oriente Médio, Rússia, Japão e África do Sul. A Bosch Green é uma linha que não existe no Brasil e é focada no usuário DIY (do-it-yourself/faça-você-mesmo). Os produtos são bem diferentes da linha profissional (Blue) aos quais eu estava acostumada. No Brasil, o portfólio era focado no profissional da construção, com ferramentas maiores, mais pesadas e “masculinas”. Já a linha Green tem ferramentas menores, mais leves e mais baratas para trabalhos feitos em casa, além de utilidades “fofas”, como a IXO Vino, que é um acessório para a mini parafusadeira que serve para abrir vinhos com muita classe!
Um dos motivos de não existir a linha DIY no Brasil é cultural: na Europa as pessoas costumam construir seus próprios móveis, pintar a própria casa e criar seus próprios projetos. Já no Brasil, se precisamos de um armário novo, chamamos um marceneiro. Se a tinta está descascando, descolamos um pintor. Se o cano quebrou, sempre temos um encanador na agenda. Aqui, mão-de-obra custa uma fortuna! Então, todo mundo cuida do que é seu e costuma ter um arsenal de ferramentas para trabalhar em casa.
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Antes de vir pra cá, estava um pouco receosa em relação às pessoas, pois diziam que os alemães são muito frios, então eu já imaginava um chefe terrível e desumano no escritório e pessoas mal humoradas, mas essa impressão mudou completamente no meu primeiro dia. Eu trabalho em um departamento internacional, onde cada Country Manager cuida de um grupo de países e vive viajando para visitar lojas. Pessoas que viajam são mais cabeça aberta e estão acostumadas com outras culturas, então fui muito bem recebida. Um exemplo bom aconteceu há pouco tempo: quando me casei, voltei pro escritório normalmente e tive uma surpresa: minhas chefes decoraram toda a minha mesa com balões, fitas, fotos e mensagens me desejando felicidades. Foi muito legal!
O ritmo de trabalho dos alemães é muito diferente do ritmo dos brasileiros. No Brasil, em praticamente todos os lugares que trabalhei, eu sentia que estávamos sempre “apagando incêndio” e que nem sempre as coisas eram suficientemente planejadas. Tudo é feito com muita antecedência e reunião marcada é reunião marcada, prazo é prazo, responsabilidade é responsabilidade. Sabendo disso, ninguém deixa nada pra última hora. Em compensação, os brasileiros são muito mais proativos e experts em resolver problemas. Aqui, se uma coisinha de nada sai fora do lugar, eles entram em pânico e procuram alguém pra botar a culpa. No Brasil, já acostumados com as emergências, tem sempre alguém à frente da situação e já pensando em um plano B. O brasileiro trabalha com conjunto, teamwork, um ajuda o outro. Se você não sabe como fazer, vai até o seu colega numa boa e pergunta: “Fulano, me pediram pra fazer isso, mas eu não faço a menor ideia de como começar! Você poderia sentar comigo e tentamos descobrir juntos?” Isso não é feio, é trabalho em equipe, todos juntos por uma só causa. Na Alemanha é um pouco diferente: as pessoas são mais individualistas.
Outra coisa muito bacana: saúde é papo sério! Não que no Brasil não seja, mas quantas vezes você já foi trabalhar com um resfriado, sabendo que não era nada demais? Aqui, se alguém te vê espirrando ou tossindo, te mandam pra casa! Uma vez eu tive um resfriado bobo logo que o inverno começou, meu chefe passou na minha mesa e disse: “O que é essa tosse? Vá pra casa agora mesmo se recuperar, senão vai acabar contagiando seus colegas”. Eu achei que ele tava brincando e respondi: “Estou bem, não é nada demais, só um resfriadinho. Tenho coisa pra fazer!” E ele, bravo, falou: “Não interessa o que você tem pra fazer, saúde em primeiro lugar. Vá pra casa, depois a gente vê o que faz. Se cuida!”. Peguei minhas coisas e só voltei 2 dias depois, quando minha tosse havia passado. Na Bosch (e na Alemanha como um todo) você pode ter até 3 dias de “krank ohne AU”, que é “doença sem atestado”. Se ainda estiver doente por mais de 3 dias, é necessário apresentar certificado médico. No Brasil eu sempre via pessoas sofrendo de gastrite, enxaqueca e “viroses” indo trabalhar normalmente para evitar sofrer desconto no salário.
O clima afeta bastante a rotina de trabalho por aqui! No inverno as pessoas acabam trabalhando até mais tarde, fazendo algumas horinhas extras e ocupando o tempo frio com trabalho. O sol se põe por volta das 16 h e o dia é super curto. Já no verão, todo mundo quer aproveitar bem a temperatura, o sol e o dia lá fora. Nessa época as pessoas costumam entrar cedo e sair cedo do escritório, trazem sempre suas malinhas com roupa de banho e vão direto para a piscina, as famosas “Freibäder”, que são bem populares em Stuttgart. Se não estão na piscina, estão andando de bicicleta no parque, tomando sorvete na praça, tomando sol na grama, só não ficam em ambiente fechado. No verão o humor das pessoas muda completamente! Todo mundo está sempre sorrindo, usando roupas frescas, viajando sempre que dá. O escritório nunca fica cheio, pois a maioria dos europeus tira férias no verão e vão passear por aí.
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O último detalhe que percebi na “vida de escritório” alemã: existem muitos funcionários part-time/meio-período e há muita flexibilidade para permitir que todos conciliem vida pessoal e profissional. A maioria dos meus colegas é part-time e muitos trabalham de casa (home office) 1 ou 2 vezes por semana. A maioria passou a trabalhar nesses horários alternativos depois que tiveram filhos para poderem ser pais mais presentes, sem deixar os filhos pequenos na creche o dia inteiro, que além de tudo custa bem caro na Alemanha.
Espero que tenham gostado de conhecer um pouquinho sobre a Bosch e a minha vida de trabalho aqui em Stuttgart.
9 Comments
Muito bom, Beatriz. Achei bem interessante você ter percebido o lance da culpa com tão pouco tempo aí. Eu morei quase 15 anos na Alemanha e minha vida toda profissional foi aí, quando voltei para o Brasil por 2 anos, me sentia um peixe fora d’água.
Depois de ter a Alemanha no CV e na vida, a gente é muito mais respeitado em outros países.
Tudo de bom para você!
Oi Érika! Muito obrigada! É realmente muito diferente, mas são esses detalhes que nos fazem crescer e aprender bastante!
Tudo de bom pra você também!
Beatriz,
Quando vc diz que eles não travalham em conjunto mas individualmente, isso é necessariamente uma coisa ruim?
Quero dizer, cada um sabe o que tem que fazer, a sua parte, para que o todo funcione!
No Brasil percebo que muitos utilizam desta falta de organização cultural para se livrarem dos problemas, dizendo que você tem que entregar tal coisa até tal data mas sem te dar condições para tal, ni estilo se vira nos 30!
Como funciona esta organização da divisão de responsabilidades ai?
Att
Oi Julio!
Concordo com você que muitas vezes as pessoas utilizam essa característica como desculpa, mas infelizmente essa coisa do “cada um sabe o que tem que fazer e tudo funciona” é lindo na teoria, mas nem sempre a coisa anda! Teamwork é básico para trabalhar em uma empresa grande e é preciso ter uma pouco da “noção do coletivo”, como dizem por aqui.
Tenho um exemplo pra você de como isso pode ser negativo: eu trabalhei na organização de alguns eventos e cada um ficou responsável por uma tarefa. Uma delas era algo super simples, como buscar clientes no aeroporto e levá-los para um shuttle que os dirigiria para o evento.
A Lufthansa entrou em greve e atrasou o vôo de dezenas e dezenas de pessoas vindo do mundo todo, portanto, precisávamos de mais gente para ajudar nessa parte super simples da organização, para receber os clientes em diferentes terminais, diferentes horários e agendar outros shuttles. Começamos a ligar para alguns colegas, que se recusaram a mover um dedo, pois “essa não era a parte deles” e estavam designados para outras atividades. Passamos o maior aperto e essa galera ficou sentada sem fazer nada! Clientes chegaram e se perderam (eram pessoas do mundo inteiro, algumas que não falavam inglês ou alemão), outras que acabaram pegando táxi por conta própria, pois não acharam o shuttle, depois foram reclamar para nossos superiores… foi um inferno. Eu trabalhei várias horas extras esse dia, mas minhas duas mãos foram pouco para dar conta desse imprevisto. Enquanto isso, pessoas da equipe ficaram ociosas, como se dissessem “azar é todo seu que sua parte deu errada, a minha tá ok”.
Nao estou generalizando, pois é claro que existem pessoas que trabalham muito bem em conjunto e sao pro ativas aqui, assim como não é todo brasileiro que é o primeiro a se oferecer para botar a mão na massa. Mas a frequência é muito discrepante! A ideia de que alemão é prático, eficiente e organizado não se aplica a todos. Nao MESMO. Quando a coisa sair fora do planejado, eles desesperam, pois ninguém nunca é designado para a atividade chamada “fora do planejado”, então cada um fica na sua, não move um dedo…
Enfim, se me contassem esse fato há 1 ano, eu não teria acreditado. Acho que só vivendo na pele pra entender! haha
Abraco e obrigada pelo comentário!
Super fofa sua chefa com a surpresa pos-casamento *_*
Adorei saber mais da rotina no escritorio na Alemanha! Aonde moro nao tem essa de ir pra casa com um espirro nao existe aki nao….ja vi nego trabalhando morrendo de gripe e ate FEBRE sem o chefe liberar 😮 mas, isso vai de cada chefe por aki, nao eh necessariamente uma coisa canadense….no meu trabalho anterior que eu odiava, muitas vezes liguei falando que tava com gripe e pa e que nao ia trabalhar, minha sorte nunca me pediram atestado pq meio que sabem que nao estou pra brincandeira….no inverno de 2013 peguei a gripe aviaria e quase morri, acabei faltando 4 dias no trampo e foi a unica vez que me pediram atestado…so de fato, nego aki trabalha doente, caindo, morrendo, para nao ter desconto no salario.
Trabalho em equipe eh super importante aki, eh como se fosse o item numero 1 para botar no curriculum e eles sempre perguntam em entrevista `vc prefere trabalhar em equipe ou individualmente?’ No caso, (eu) acredito que eles querem ouvir que o individuo seja apto e aberto para trabalhar em ambos os casos….
Bjs Bia 😉
Oi Isis! Viu só que fofura? Eu deixei os baloes na parede até murcharem! E as fotos ainda estão aqui! Hahaha!
Eu acho que essa coisa de trabalho x saúde exige bom senso das duas partes, o que nem sempre ou em todo lugar acontece. Tenho certeza que se muitas pessoas mentissem e tirassem vantagem desses 3 dias sem atestado que podemos ficar em casa, o negócio não funcionaria tao bem e seria esquema “sem atestado, desconto no salário”. Pronto, acabou. Mas felizmente tudo funciona muito bem aqui.
Outra coisa que não citei no texto, mas gosto muito: os funcionários tem 30 úteis de férias e podem tirá-los quando quiser. Nao precisa ser de 10 em 10 ou 15 em 15 como era no Brasil, pelo menos nos lugares que trabalhei, além de terem sido 30 dias corridos (contando sábado, domingos e feriados).
Aqui você pode tirar uma sexta-feira aqui, outra ali, e contar como férias! Adoro essa liberdade! As pessoas realmente valorizam o tempo livre, trabalham para viver e não vivem para trabalhar!
Beijos Isis e obrigada por comentar aqui também! Boa sorte no Canadá 🙂
Ola. Gostaria de te perguntar uma coisa, como foi pra voce a lingua alema? demorou para voce comecar a entender iq ue eles diziam? Abçc Camila
Olá Camila!
Nao vou mentir, a língua é um desafio pra mim! Já moro aqui há 10 meses e ainda não falo alemão! Eu entendo o que dizem, consigo ler e entender o contexto, mas falo só o básico do básico.
Eu poderia ter me esforçado mais, mas eu vim para trabalhar e a rotina é um pouco pesada, nao sobra tempo! Eu fiz curso de alemão no Brasil e aqui nos meus primeiros meses, mas era extremamente caro e eu não sentia nenhuma evolução. Se você não pratica, não adianta fazer aula. Aqui no trabalho todo mundo fala inglês, é uma empresa muito grande e tem muita gente de fora, então acaba sendo a língua universal. Eu moro com um alemão que só quer falar inglês e espanhol comigo, ele gosta de praticar, então mesmo que eu force, ele evita falar alemão! haha Tenho alguns colegas húngaros, franceses, ingleses e muitos brasileiros, mas os alemães nao se misturam muito, o que dificulta o processo.
É uma pena, mas acho que depende da pessoa! Se você quiser MESMO aprender e estiver disposta a dedicar a maior parte do seu tempo livre pra isso, você consegue! 🙂
Você ainda esta na Alemanha?Tem um pessoal daqui da bosch de campinas indo para ai em Janeiro, são estagiários que terminam a faculdade este ano. Como é o dia a dia deles que chegam para trabalhar na bosch? carga horária? geralmente moram onde?