A difícil arte de saber se adaptar.
Em seu primeiro dia de trabalho, Marta* foi recebida com beijinhos seguidos por “Bonjour, Marta !” (bom dia, em francês) por todos os seus colegas de trabalho. “Oh, que pessoas mais gentis”, ela pensou. “Acho que vou gostar muito de trabalhar aqui!”.
No dia seguinte isso se repetiu, e ela continuou a se encantar. No trigésimo dia, e mais de 800 beijinhos trocados e algumas horas de trabalho engajadas nesse ritual matutino quotidiano, Marta começou a se cansar: “Acho que terei que começar a chegar mais cedo para poder recuperar o tempo que eu perco com todos esses cumprimentos…”.
Tudo bem, mas…
Quando ela chegava mais tarde que os outros e não tomava a iniciativa de ir beijar cada colega, as pessoas se ressentiam, e achavam que ela tinha acordado mal-humorada ou simplesmente que estava muito mal-educada naquele dia.
Às vezes estava quieta em sua mesa, super concentrada em algum projeto, e lá chegava um com seu beijo automático. E mais um, e outro, e uma quarta pessoa. E lá se ia a concentração de Marta por água abaixo. “Será que por aqui não tem aquelas bolachas de verde e vermelho que a gente usa em churrascarias, para indicar quando quer ou não ser servida? Se eu sugerir sua implementação, será que vão me achar muito doida?!”, pensava ela.
Uma história bem real
Marta é uma personagem fictícia, mas a história é bem real. Se você um dia vier trabalhar aqui na França, pode se preparar para investir um tempo de sua manhã nesse ritual diário.05
Acho isso muito chato e, depois de 4 anos por aqui, continuo substituindo os beijinhos individuais por um aceno e um sorriso de grupo (“à la” rainha da Inglaterra), quando chego a um local onde já conheço todos (a reunião mensal da associação onde atuo como coach voluntária, por exemplo).
Em tempos de COVID, acho que agora já aceitam um pouco melhor!
Saiba mais sobre como se adaptar em outro país
Quando mudamos de país, há tantos hábitos novos a tentar integrar e tantas coisas que nos fazem falta, não é mesmo? Por aqui, ainda acho pouco prático o fato de que quase 100% dos banheiros não possuem uma pia para lavar as mãos (que, por sua vez, se encontra em outra parte da casa, às vezes bem longe do vaso sanitário!)
Não entendo por que os poucos açougues que vendem “picanha” adotam esse nome para uma parte do boi que é tudo, menos a picanha brasileira, ou ainda que nenhum salão de beleza consiga fazer uma depilação tão perfeita quanto a que temos em nosso país de origem.
Por aqui tampouco encontramos um restaurante de comida a quilo de qualidade, que permita a gente colocar no prato apenas o que conseguimos comer. Esqueça também dos serviços de chaveiro com preços razoáveis – você precisa desembolsar uma pequena fortuna se for descuidada o suficiente para bater a porta de casa com sua chave dentro. Prepare-se para chorar, e muito!
A difícil arte de saber se adaptar
Se deparar com situações quotidianas que antes eram triviais e que agora precisam ser decifradas ou adaptadas, ou sentir uma falta danada de coisas que nos eram úteis pode ser frustrante muitas vezes, mas são uma verdadeira riqueza quando se trata de enriquecer as experiências vividas.
Isso sem falar no aspecto neurológico, uma vez que o cérebro precisa acionar os lobos frontais para melhor aprender a nova atividade. Mas uma das grandes vantagens dessa mudança de contexto é o fato de que isso é um grande facilitador das mudanças de hábitos.
Wendy Wood (psicóloga e professora na Universidade da Carolina do Sul, autora do livro “Good Habits, Bad Habits”) diz que a ciência mostra que o “contexto” no qual a pessoa está inserida ajuda a manter velhos hábitos.
Leia também: Adaptar-se não é mudar completamente
Ao mudar de contexto, há mais chance de mudar os hábitos, e isso é uma ótima notícia para quem está querendo mudar atitudes e rotinas que não lhe são muito úteis ou saudáveis. Fazer pequenas mudanças em casa, por exemplo, com móveis ou roupas, já ajuda, imagine mudar-se para um outro país!
Imagino que você tenha também se deparado com muitas situações e experiências diferentes quando fez sua mudança de país. Quais são as coisas ou os hábitos comuns no país onde você mora, que são bem diferentes daqueles que temos no Brasil? O que te faz uma imensa falta no dia a dia? Vou adorar saber!
(*) nome fictício.