A mulher moçambicana.
Em um país ainda com pensamentos machistas onde a mulher não tinha nem voz nem espaço, as coisas tendem a mudar. Outrora, trabalhavam em serviços informais por falta de instrução e aprovação familiar; hoje o país experimenta outra realidade.
Em Moçambique a taxa de escolarização no ensino primário era de 75,6% em 2004. Este número retrata uma evolução positiva face a anos anteriores (em 1999, a taxa de escolarização era de 43,6%), hoje chega a quase 90%. Segundo dados das Nações Unidas de abril de 2014 há um crescimento do acesso das mulheres aos cuidados básicos de saúde, diminuindo com isso a morte materna, maior acesso das meninas ao sistema de educação primária e secundária, derivando em maior empoderamento das mesmas e entrada no ensino superior, criando condições para entrada no mercado de trabalho formal, com direitos estabelecidos por leis trabalhistas.
Hoje observa-se maior participação das mulheres nos órgãos de poder e tomada de decisão. Essa nova mulher que tem registro de carteira profissional, estuda, toma consciência de seu lugar na sociedade começa a pensar de outra maneira, a se impor de maneira mais altiva, com firmeza e sonhos.
Trabalham quer seja em casa e em suas machambas (agricultura familiar de subsistência), trabalham como domésticas ou em empresas, vendem produtos e comidas nas ruas, se viram para criar seus filhos e juntam recursos para um dia realizar o sonho do casamento… Isso pode acontecer muitos anos depois da união de fato. Pode levar dez, quinze, vinte ou até 30 anos, mas a capacidade de sonhar é o que me encanta.
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Quando aqui cheguei, as cenas que mais me impressionaram foram as que envolviam as mulheres. Carregavam água na cabeça, com seu filho amarrado nas costas enquanto seu companheiro caminhava ao seu lado descansado e sereno, sem prestar nenhuma ajuda àquela que com ele divide o teto, normalmente de palhota. Mas por eles, elas nutrem respeito e alimentam o sonho de casar, casar “à maneira” como falam, de branco, com flores nas mãos e na cabeça, com direito a cortejos e danças, lobolo e três dias de festa.
Antes de escrever esse texto conversei com muitas mulheres moçambicanas para ouvir suas histórias e desejos, e muitas delas tinham algo em comum: o sonho de casar.
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Mas o que é o lobolo?? Há uma grande celeuma no que tange a essa tradição que se resume numa cerimônia festiva onde o noivo oferece bens materiais “sugeridos” pelos pais da noiva, antes da aprovação do casamento e apesar do tempo, mantém-se no sentido social que representa, e não na compra propriamente dita da mulher.
O lobolo como reza a tradição de Moçambique é uma prática que visa o reconhecimento festivo do matrimônio que pretende acontecer, selando um compromisso, direitos e deveres entre o casal diante das famílias e da comunidade onde vivem. Ao longo de tempo sofreu adaptação de acordo com realidade social, económica, política e religiosa de cada família. Ele visa o reconhecimento de uma união conjugal, onde a família da noiva sugere prendas e o noivo oferece desde refrigerantes, tecidos, cabritos, gado até mesmo numerário.
Tenho duas companheiras de jornada que se chamam Laura. Uma em casa e outra na clínica onde trabalho, e elas dividem comigo momentos importantes nesse meu tempo por aqui. Conversando com dona Laura, minha fiel escudeira que convive em nosso lar fazendo as mais deliciosas iguarias da culinária moçambicana, contou-me que depois de 7 filhos, a mais velha com 36, tem o sonho de vestir aquela roupa branca, cânticos tradicionais na igreja e uma foto da família na praia, como é de costume por aqui.
Já a segunda Laura, essa de sobrenome Felipe, é extremamente vaidosa, zelosa, pontual e cumpre à risca suas atividades no serviço. Tem 54 anos e me surpreendeu há 15 dias quando me deu a notícia de que havia concluído o ensino médio. De pronto, eu com minha inocência, a parabenizei achando já uma grande conquista, e ela me revela:
– Não, não, não desejo parar, vou seguir o curso técnico de Farmácia aqui na nossa instituição, afinal todas nós temos que alcançar nossos sonhos…!!
Cá com os meus botões pensei, envergonhada de mim mesma, que mulher forte, que guerreira, sempre com tanta disposição e sorriso nos lábios. Essa é uma verdadeira mulher moçambicana, não só forte por desejar ser mulher na essência, casar, ter uma família e lutar por ela, mas tão forte que apesar de todos os obstáculos impostos por uma sociedade que ainda julgo pouco favorável à mulher, tem o sonho de aprender para vencer, estudar para mudar, ser exemplo para uma nova geração que continuará a sonhar, um sonho que cada vez mais torna-se real, o sonho da liberdade que só o “aprender” pode nos trazer… Forte e delicada, persistente contudo resistente, sofrida porém doce, essa é a mulher de moçambicana.
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Ser mulher aqui em Moçambique não é assim tão fácil. Em algumas sociedades precisam de se submeter aos homens que por vezes não são lá tão doces. Além do mais, procuram outras esposas como se uma não fosse o bastante. Meu sentimento é que o país é alavancado e movimentado por elas, essas heroínas.
Não importa onde estão os sonhos de cada uma, podem estar escondidos atrás de uma capulana (tecido tipicamente africano que tem diversas utilidades, principalmente vestuário feminino), atrás de um sorriso tímido, das mirabas longas( trança feita nos cabelos), nas mãos pintadas de esmalte que muitas vezes são apenas algumas unhas por falta do recurso para pagar todas… Elas são fortes, são muito fortes, são VALENTES!
Quem sabe um dia, logo adiante, aquele homem que essa mulher escolheu para companheiro de uma vida, seja-lhe fiel, divida o fardo do peso nos ombros, carregue com ela os potes de água na cabeça, leve seus filhos no colo e valorize mais esse misto de beleza e fortaleza que é essa mulher, que mesmo diante de tantos desafios, com vestes brancas de noiva e flores nas mãos ou becas pretas com um canudo em punho, diante da sociedade e de familiares realizem o terno e sublime sonho que é estudar, se graduar, sonhar com uma família, escolher o companheiro que possa com ela dividir a vida para depois casar.
22 Comments
Parabéns por seu texto! As mulheres africanas são realmente guerreiras que vivem por suas famílias. Tomara que os anos tragam a elas casa vez mais liberdade e direitos.
Muito obrigada, Maila!!
Adorei, Marcela. Este texto retrata a vida e os sonhos não apenas de mulheres moçambicanas, mas também de outras, como tantas brasileiras do agreste e do sertão nordestino. São mulheres valentes pela própria natureza e que, apesar dos diversos obstáculos, não perderam a capacidade de sonhar por dias melhores.
Saudades de você, Alice!! Volte logo!! Beijo grande!!
Parabéns Marcela. Como sempre arrasando….
Mona, você sempre me entusiasmando com suas lindas palavras!! Te adoro, você sabe!!
Adorei seu texto, Marcela! Lindo, inspirador, e as fotos estao maravilhosas! Parabens!
Você conseguiu fazer um caminho na vida da mulher moçambicana através do seu texto Marcela. Os sonhos, os segredos , a trajetória muito bem traçados é que nos levam a nos questionar ; a valorizar a forma de viver , de pensar , de agir da mulher moçambicana . Aprendi hoje um pouco mais através de suas palavras tão significativas para mim. Obrigada ????????
muito bom, e lindo Marcela compartilhando com os amigos de moçambique uma ong aqui na Belgica que ajuda o moçambique
Muito obrigada!!!
Muito obrigada, amigos!! ❤️
Parabens Marcela, por observar ao seu entorno e enaltecer a mulher mocambicana!!! Elas sao o suporte dos hogares e do seu pais, udas querem casar sim, mesmo que tenham mais de 40 elas sonham com ir para o Palacios dos Casamentos em quanto juntem o dinheiro e com o seu companheiro de sempre.
Memso ue nao tenham ouvido o lido em quanto crianzas as historias das princesas que casan com os seus principes e acabam com ” E foram felizes pra sempre”. Adorei!!!
Obrigada, amiga Alina!! Tenho saudades de ti!! <3
Marcela, Parabéns pelo Texto
Obrigada, Eduardo!! bjs
Parabens amiga essas mulheres sao valentes e doces ao mesmo tempo! saudades Laura!
Obrigada, amigos!!!
Lindo texto, quando comecei a ler vi logo que so podia ser vc Marcela.
pura realide, sem tirar nem pôr.
Marcela adorei seu texto, o relato tão claro que me transportou para Moçambique com suas dificuldades , força de vontade , tenacidade dessas mulheres em realizar os seus sonhos . É um aprendizado que se tem com outro povo e outra cultura ! Imagino sua realização pessoal em conviver e viver com pessoas que almejam e batalham outro tipo de vida e lutam para chegar no objetivo almejado . Parabéns Marcela , você é especial e abençoada por Deus .
Olá… estou estudando um pouco sobre Moçambique, até por um possibilidade de me mudar para lá. Gostaria de saber se posso fazer contato via e-mail, para perguntar algumas coisas.
abraços,
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Equipe BPM
muito bom as reportages vejo muito interessante asmulheres mocambicanas exemplo de respeito de trabalho de dedicaçao coisas que faltam a tantas sem generalizar queria muito encontrar um casamnteo com uma macambicana sou brasileiro solteiro sem filhos sou enfermeiro mas nao sei nem por onde buscar , seria uma mulher p respeitar cuidar e amar