É só entrar em um avião, né? Mas a passagem está cara e não tenho milhas o suficiente. São 24 horas de viagem, 3 conexões. Será que o passaporte tá em dia? E o visto? Nossa, o dólar tá alto! Não tenho férias sobrando. Então, eu vou para aí! Ah, mas nessa data eu não posso. Parece que neste ano, novamente, não vai rolar, mas ano que vem a gente se vê!
Mares, fronteiras, burocracia e a distância nos separam. Só não é empecilho o desejo de visitar aquela amiga querida que me faz tanta falta.
Quando penso que está difícil, lembro que já foi pior. Podia ser 2001, quando eu não tinha nem celular nem computador e precisava ir à biblioteca da cidade para checar os e-mails. Eu podia ter que usar um cartão telefônico para poder ligar para fora do país, e a ligação podia custar $25 centavos por minuto. Eu também podia parar no SPC do Tio Sam por uma conta de telefone de $920 dólares sem ter dinheiro para pagar. O custo de se manter presente mesmo distante é em torno disso.
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Hoje, andamos colados na praga do smartphone, que nos vende a ilusão de estarmos conectados o tempo todo e de que o mundo é uma vila. Eu sei que Fulana teve filho, que Sicrana tem um emprego novo, mas não faço a mínima ideia do que elas realmente sentem. Mesmo se soubesse, do que adiantaria se nada posso fazer de longe?
Posso sim. E daí que eu não pude estar presente no casamento, na formatura, no aniversário ou na perda de um ente querido? Eu liguei, mandei uma carta, um e-mail, rezei. Perguntei se estava tudo bem. Achei um artigo interessante e na hora enviei para a amiga, porque sei que se não for na hora, eu esqueço.
Minhas amigas mais próximas moram longe de mim. Uma está em Los Angeles, outra em Washington D.C., uma em Nova Iorque, outra na Alemanha, outra no estado vizinho e duas no Brasil. Nos “encontramos” com frequência dentro de um aplicativo de telefone.
Os grupos do WhatsApp quebram um galho. Eu os comparo a pedir ajuda aos universitários do Show do Milhão ou a um oráculo de sabedoria. Cada episódio divertido ou curioso, cada dúvida sobre o que vestir ou dizer, eu jogo lá no grupo. Às vezes faço assim, não por não ter com quem compartilhar aqui, mas porque as amigas são as pessoas que me entendem. Pedimos conselhos e orações, damos palpites e risadas. Só não seguramos as mãos umas das outras.
Mesmo que eu possa escutar a voz delas através dos áudios e ter um tantinho de noção do que se passa em suas vidas, nada substitui estar presente e poder detectar em um olhar que há mais por trás dele do que foi dito. Interpretar o que digitam no telefone pode ser ambíguo e complicado. Quantas vezes quis mandar um emoji de aos prantos ao invés de rindo alto e me passei por uma debochada sem querer!?
Aqui no BPM, falamos muito sobre a dificuldade de fazer amizades novas. Ainda mais complicado é preservar as antigas enquanto o mundo nos transforma. As amigas são as que conhecem a nossa essência. São as pessoas a quem permitimos entrada na nossa intimidade e que acabam se tornando os portais com quem somos de verdade.
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As amizades mais fáceis de conquistar quando nos mudamos para um lugar novo são as de perfil semelhante ao nosso. O perigo é que esse povo não para quieto. A gente acaba se doando sabendo que pode ser temporário. Que daqui a dois anos, essas pessoas que entraram na nossa vida vão para outro estado, outro país. Quando você se dá conta, vocês passaram mais tempo longe do que perto delas, mas uma admiração mútua, uma vontade genuína de querer participar da vida da outra pessoa as mantém amigas.
Os sorrisos nas fotos podem dar a impressão de que está tudo bem. E pode muito bem estar, mas é sempre bom checar. Não requer muito esforço. Pode ser uma linha só: “Tô com saudade. Tá tudo bem?“ Até porque intuição de amiga não falha. O momento que deixamos de ouvi-la é o início do fim. Amizades, até as mais duradouras, se dissolvem ao deduzirmos que não somos necessários.
O preço do desleixo é acabar no esquecimento. É permitir que a pessoa por trás dos posts das mídias sociais se torne uma personagem, não uma amiga, e você um mero expectador. Amizade é, como dizem em inglês, a two-way street, não existe sem compromisso. A distância até a outra pessoa é a mesma. Se cada uma der um passo a frente e se encontrar no meio do caminho, se a recíproca for verdadeira, prospera.
Começo 2019 com a promessa de não deixar para o ano que vem. Aquelas milhas que eu ando acumulando já estão alocadas e serão usadas para algo importante. Eu visitarei a minha amiga querida que me faz tanta falta.