Como são as amizades entre brasileiros no exterior?
Segundo Karl Marx, o homem é por natureza um animal social, que não pode ser privado de estar em sociedade. Na nossa natureza evolutiva, as aproximações entre as pessoas aconteciam por convivência e utilidade. Em um cenário primitivo, era necessário ter alguém para ajudar em conflitos com rivais, caçar, plantar, até mesmo cuidar dos bebês. Mas a natureza humana é mais que isso.
A distância
Ao longo de toda a nossa vida, buscamos nos cercar de pessoas com as quais estabelecemos algum tipo de conexão. Quando crianças as relações são sinceras, inocentes e os amigos não são necessariamente escolhidos. Conforme vamos crescendo e formando a nossa personalidade, vamos nos reconhecendo em grupos e nos aproximando a partir daí.
Nem todos os amigos são para a vida toda. Diria que a maioria das amizades acaba junto com o contexto que as permitiu; seja escola, trabalho, faculdade ou grupo da igreja. Outras são desfeitas pelo próprio movimento da vida, ideais que se diferem, metas, estilos de vida, maternidade, paternidade, um emprego mais exigente, uma tese de mestrado, uma mudança de cidade, de país.
“O homem é por natureza um animal social “
(Karl Marx)
Ao imigrarmos os nossos amigos ficam no país de origem e pode ser realmente difícil manter os laços através da distância. Hoje em dia, com telefone e internet, a comunicação está literalmente ao alcance das mãos, mas não é o mesmo que sair pra tomar uma cerveja no fim de semana.
A vida continua, a rotina vai ocupando nosso tempo e quando a gente se dá conta, percebemos que faz dias que não falamos mais com aquele amigo que sabíamos tudo da vida um do outro.
Leia também: Por que é difícil fazer amizades no exterior?
A solidão
A necessidade de se fazer amizades é algo muito presente quando se imigra. Apesar de todas as coisas boas que se tem ao viver em um outro país, é frequente o sentimento de solidão. Mesmo quando estamos acompanhados pela família mais próxima, pode ser difícil não se ver cercado das pessoas que já te conhecem, que sabem a sua história, que vão rir das suas piadas e principalmente, alguém para dividir os nossos sentimentos.
Aos amigos que conseguimos manter em algum momento, notamos que a distância deixa de ser só física. Por razões que me fogem o entendimento, algumas pessoas presumem que a vida de quem muda de país é uma grande viagem de férias, como se toda refeição fosse uma experiência incrível e todo momento vivido fosse digno de um álbum de fotografias.
Muitos de nossos amigos não percebem que a vida no exterior tem também as suas dificuldades e que está tudo bem quando a gente simplesmente ressalta um ponto ou outro de insatisfação ou realmente de tristeza. Não é ingratidão, é vida real.
As novas amizades
Se de um lado a diferença de vivências afasta, do outro a semelhança une. O natural desejo ao chegar em um novo lugar é fazer novas amizades, mas isso pode não ser fácil a depender de onde se está. Alguns povos são mais reservados em suas relações e outras vezes a língua também pode ser um entrave.
No entanto, acho especialmente interessante como os brasileiros se conectam. Na região em que moro na Carolina do Norte, os brasileiros não são tão comuns quanto em outros lugares dos Estados Unidos mas, ainda assim, é só escutar um português sendo falado que as pessoas simplesmente se “achegam”.
Um dia desses, estava na porta do supermercado procurando um carrinho de compras, quando um casal de brasileiros desocupava o que usava. Eu pedi para usar aquele carrinho, nos apresentamos, trocamos telefone e fui fazer as minhas compras já com um convite para jantar na casa do casal. É de uma simplicidade essa aproximação, quase que imprudente.
Leia também: Amizade a longa distância
A importância da rede de apoio virtual
Cheguei nos Estados Unidos com um bebê de um ano recém completado. Uma mãe brasileira que conheci, também ao acaso, me adicionou em um grupo de outras mães que moram na mesma região para combinarmos um encontro entre as crianças.
A realidade dessas mulheres é muito semelhante a que eu vivo, não conheço todas pessoalmente, mas o grupo já faz parte da minha rede de apoio virtual, no qual me sinto acolhida. São mulheres de todos os cantos do Brasil, unidas pela experiência de imigrante e da recém maternidade.
As redes sociais também agem como poderoso instrumento de reconhecimento e conexão. É comum haver grupos de brasileiros que moram naquele país ou região. Através de um destes grupos, descobri outro grupo de mulheres que se chama “Gringas”.
A ideia do grupo é reunir mulheres brasileiras que moram em determinada região para se conhecerem e fornecerem apoio mútuo. As mulheres se encontram mensalmente e tem a oportunidade de fazer novas amizades, trocar dicas e informações.
A sororidade é algo poderoso! Nós mulheres somos capazes de fazer coisas incríveis quando nos reconhecemos lado a lado.
Há algo especial nas amizades construídas em cima de experiências semelhantes. Não há gradação de importância. Os amigos que fizemos ao longo da vida são os que carregam a nossa história, que conhecem a nossa verdade e que torcemos que abracem as mudanças que a vida no exterior nos traz, principalmente na nossa forma de ver e vivenciar.
Leia também: As mudanças internas de uma viajante
O novo círculo de amizade
Quanto aos amigos que fazemos no exterior é interessante perceber como o nosso filtro é outro. Não procuramos as mesmas semelhanças que regularmente procuraríamos. Geralmente basta que a pessoa seja brasileira e esteja disposta a fazer amizade.
Não me refiro aos amigos que fazemos no dia a dia, aos amigos naturais do país que estamos ou outros imigrantes. Estas amizades tem outro ritmo. Refiro-me às amizades entre conterrâneos, mesmo que a minha terra seja as montanhas de Minas Gerais e a do outro seja Manaus. Aqui, somos “vizinhos de porta”, não importa quanta diferença cultural exista. E existe.
Eu digo que o que importa na vida são os laços que fazemos. E realmente, os amigos tornam a caminhada mais segura e prazeirosa. As amizades no exterior tem o doce da nova experiência e o amargo dos medos e das inseguranças compartilhadas. O jeito brasileiro de lidar com os desafios e a saudade de casa, nos une em um momento que nos sentimos distantes de tudo que nos fazia sentido, e isso é muito precioso.
Caso você tenha recentemente se mudado ou ainda não tenha se conectado com muitas pessoas, não hesite em se permitir conhecer o outro, mesmo que possa parecer muito rápido. Troque telefone, adicione nas redes sociais, aceite o convite para jantar. No fim das contas, estamos todos em busca de alguém com quem dividir o peso da caminhada e as belezas e alegrias vivenciadas.