Os desafios para além da pandemia nos EUA.
2020 vem sendo um ano completamente atípico, diria até apocalíptico. Para os cientistas era questão de tempo que um novo vírus surgisse a ponto de iniciar uma pandemia. Mas, por algum motivo, os governantes não deram a devida importância a essa previsão. Dito e feito: um novo vírus surgiu e ninguém soube como lidar com ele.
Ficamos todos como quem recebe um “flash flood warning” pelo celular, sem saber ao certo quando a tempestade vem, se virá mesmo preocupante e se vai nos atingir. Avisos de mal tempo (Wireless Emergency Alerts) são muito comuns aqui nos EUA.
Pandemia nos EUA: o pior acontenceu
A previsão de uma forte tempestade ou de um dia de neve apita no celular de todo mundo e é passível de gerar o fechamento de escolas e suspensão de dias de trabalho, mesmo que muitas das vezes nada aconteça.
Mas com o coronavírus o pior aconteceu. Está acontecendo. Talvez pelo fato das pessoas que vivem nos Estados Unidos já estarem habituadas com o cenário de emergência, a maioria delas já sabia o que fazer: estocar comida e água, ficar em casa e lógico… comprar todos os papeis higiênicos que encontrasse disponíveis.
Adicionando, nesse caso, ao mesmo nível de importância do papel higiênico, o álcool e desinfetantes domésticos.
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O problema é que não se trata de um alerta de mal tempo… não se trata de uma tempestade com início e fim. O início não teve preciso aviso e o fim ainda está longe de chegar.
Diria que começamos bem por aqui. Disciplinados. Muitos de máscara, mesmo antes de ser obrigatória. As escolas fecharam com muita agilidade, grande parte das empresas permitiram que seus funcionários trabalhassem de casa, uma vez que aqui a cultura de “work from home” já é bem estabelecida.
Os estados foram se adequando ao momento e estipulando sua forma de enfrentamento à pandemia. Como nos EUA os estados tem maior independência, cada um pôde estabelecer suas próprias diretrizes. Como consequência, alguns seguem em pior cenário que outros.
2020 – Um ano sem cartilha e sem manual
Nenhum ano vem, eu sei, mas 2020 veio como a fase do chefão no videogame, que ninguém sabe o que precisa fazer pra passar dela. Nenhum dos jogadores… entendam como jogadores todos os países do globo. Tanto que estamos todos presos nessa mesma fase, literalmente.
Completamos 8 meses de pandemia no país cenário de todos os filmes de apocalipse que já assisti. Provavelmente você também. Apocalipse zumbi, invasão alienígena, pandemia. Pandemia!
As florestas por onde todo mundo corre em metade dos filmes, eu vejo ao redor da minha casa. As prateleiras dos mercado vazias e carrinhos de compras cheio de enlatados? Então. Ruas desertas e as poucas pessoas que vemos de máscara e distantes, arredias. Nada de cumprimentos ou cordialidade.
Cenário apocalíptico
Perfeito cenário apocalíptico. Mas, infelizmente, não posso dizer que é o novo típico. Isso porque a ideia de “new normal” afetou as pessoas de diferentes formas. E digo “infelizmente” porque o motivo que justifica toda a mudança que estamos vivenciando persiste. Sequer houve melhora.
Os EUA continua registrando aumento de casos e de mortes como nunca antes. Todas as previsões positivas foram se mostrando improváveis ao longo destes meses. E isso afetou o mundo todo. Mas alguns países agiram com maior antecedência e consistência.
Sem dúvida a postura descrente e errante do Governo refletiu na forma como a população, ou parte dela, encarou os cuidados necessários do ponto de vista coletivo, para frear a transmissão da doença.
A convulsão social americana
Além do que, este ano já trazia desafios ao povo americano: ano de eleição presidencial em um contexto mundial de extremismos. Não bastasse, convulsões sociais por todo o país advindas da histórica violência policial e de expressão racista que este ano ganhou mais rostos, nomes, sobrenomes e pedidos de socorro. Estava difícil ficar em casa.
2020 mandou as pessoas pra dentro de suas casas mas o mundo continuou a girar. E nem todo mundo pôde se proteger do que ele trouxe. Os americanos tomaram as ruas por diversas vezes ao longo dos meses de confinamento desejável e se reuniram mascarados a despeito do distanciamento obrigatório.
Confinamento e quarentena
No meio de uma pandemia que exigiu o confinamento e quarentena, os alertas de mal tempo competiram com os avisos de toque de recolher (redundante e irônico, diria).
Avisos de manifestações pacíficas que vez ou outra se tornaram depredações e mais violência policial. A parte que tocou a minha família, foi o limite de horário dos restaurantes e aplicativos de entrega de comida. Quanto privilégio.
E claro, há aqueles que não se importam com nada disso e seguem suas vidas, acreditando em teorias da conspiração para justificar xenofobia e ignorância, não só aqui nos EUA, como também em muitos outros países.
Ser imigrante nesse cenário
2020 veio com um sentimento constante de apreensão e medo. Potencialmente maior em nós, imigrantes. Expatriados. Longe das nossas famílias, na possibilidade de ter de disputar um leito hospitalar com um nativo. Muitos sem seguro saúde em um país que a assistência médica é item de luxo.
Nós imigrantes somos minoria. Não importa qual seja o motivo de estarmos aqui, qual o status do visto ou se temos um. Não importa sequer se em número não somos poucos. Somos minoria vivendo em um país com ultranacionalistas encorajados pelo cenário de caos e crescimento do discurso de ódio.
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Tem sido até agora o ano de ficar em casa, sair para o mínimo necessário e observar atentos as cenas dos próximos capítulos. O ano de travar a tosse na garganta em público e falar baixo, pra disfarçar o sotaque.
A terra da liberdade não vem cumprindo muito bem a sua promessa; mas dias melhores virão. Para todos nós. Toda tempestade tem um fim e até a pandemia terá.
Quanto às outras questões sociais, os ventos estão tendendo a trazer boas novas. Talvez o resultado da eleição americana seja o início da calmaria. Talvez o extremo oposto. Seguimos na expectativa que o “new normal” não seja esse. Mas algo mais próximo do novo, do que do normal. Veremos.