Apesar de ter vivido o início de minha infância em uma cidade do interior (Penedo, Itatiaia – RJ), morei a maior parte de vida no Rio de Janeiro e me tornei uma pessoa muito urbana.
Quando me mudei para a Finlândia, fui morar com meus tios em um vilarejo chamado Sippola, pertencente à cidade de Kouvola, mas a 27 km do centro. É um lugar lindo, com florestas, belas casas, lago, perfeito para as mais belas fotos. Segundo meu tio, Sippola deve ter algo em torno de 300 habitantes em sua área principal. O comércio local se resume a um mercadinho e uma farmácia. Há também uma igrejinha e, naquela época, havia um pub, que ficava aberto das 17:00 às 19:00, exceto aos sábados, quando fechava às 21:00. O pub funcionava no primeiro andar da casa de sua dona que, pelo visto, dormia cedo.
Durante 4 meses este local bucólico me serviu de lar. Confesso que, apesar de estar muito feliz com meus tios, que amo como se fossem meus pais, havia dias em que eu sentia desespero pelo isolamento e pela falta do que fazer. Chegava a caminhar por 4 km e muitas vezes não via uma pessoa sequer. Como seria possível viver assim?

Uns meses depois, tive a oportunidade de mudar com meu irmão para um bairro perto do centro de Kouvola e pude, finalmente, voltar para a “cidade”. Não, amigos, essas aspas não estão aí à toa. Me lembro como se fosse hoje: era feriado de Páscoa e estávamos tão felizes por estarmos nos mudando para a nossa casa que fizemos mil planos: queríamos nos divertir, ver gente, sair para celebrar!
Qual não foi nossa surpresa quando chegamos ao centrão, local do “buxixo”, e nos demos conta de que não havia uma alma viva sequer na rua; além disso, todo o comércio estava fechado. Todo mundo havia viajado. Andamos mais um pouco e avistamos um pub simpático aberto. Além do rapaz que trabalhava lá, não havia mais ninguém. Tomamos uma cerveja, voltamos para casa e passamos os outros 3 dias assistindo à TV local que, como ainda não tínhamos antena, só sintonizava três canais.
Quando o feriado acabou, as pessoas reapareceram e tudo ficou bem melhor, ufa! Mas me adaptar a uma cidade tão pequena, onde tudo fecha cedo, nada abre aos domingos e feriados, não há transporte público para todos os lugares (sem carro eu fazia tudo a pé ou de bicicleta, mesmo no inverno) e muito pouco para se fazer não foi fácil. Sendo muito sincera, acho que nunca me adaptei. Consegui morar lá por dois anos e meio porque tinha o objetivo de aprender a falar finlandês e o custo de vida era bem baixo para uma estudante, porém assim que tive oportunidade, me mandei, sem pena e sem saudade. Kouvola me deu um grande presente: meu marido, que conheci lá e que, para minha sorte, precisava só de um empurrãozinho para também sair de lá.
Durante esses primeiros dois anos eu tive dúvidas algumas vezes sobre ter tomado a decisão certa ao vir para cá. Me dava pânico a ideia de, de repente, ter que ficar morando ali para sempre, caso não conseguisse emprego em outro lugar. Eu observava as pessoas e percebia nitidamente que esse isolamento, essa solidão, são parte da essência dos finlandeses. O sonho de consumo de muitos deles, até mesmo dos que moram nas cidades maiores, é poder comprar um terreno e construir uma casa em um lugar isolado, no meio da floresta, de preferência sem vizinhos por perto.
Mas não, essa vida não é para mim. Ou pelo menos essa era a minha maior certeza até bem pouco tempo atrás, quando percebi como mudei, como me tornei mais finlandesa e como sinto falta de me isolar e de fazer coisas simples, longe do tal “buxixo”.

Hoje moro numa cidade super urbana, a 20 minutos de Helsinque; tenho tudo perto, inclusive comércio que abre aos domingos e por algumas horas durante feriados. Não tenho do que reclamar. Mas me pergunte, agora, qual o meu maior sonho?
Resposta: comprar um terreno num lugar isolado, perto de uma floresta e construir uma casa onde eu possa ter um jardim e uma horta.
Depois de ter vivido isso e voltado à vida urbana, pude perceber que, na verdade, a vida simples e mais isolada não precisa ser um problema, nem precisa ser chata. Nós tendemos a enxergar só o lado negativo e a ver o mundo à nossa volta somente com os olhos do senso comum. Tendemos a julgar o diferente com preconceito e isso, muitas vezes, nos cega para as infinitas possibilidades ainda desconhecidas. Hoje, penso em quantas coisas eu poderia ter feito ou aprendido a fazer enquanto morei no interior, se tivesse dado chance ao que a cidade oferecia, ao invés de lamentar somente pelo que não havia por lá.
Sempre admirei a cultura do “faça você mesmo” dos países nórdicos. Aqui, quase todo mundo, independentemente do gênero, sabe fazer pequenos consertos em casa, instalar uma tomada, fazer pequenas reformas, além de muitos entenderem de jardinagem como profissionais, da mecânica de seus carros, sabem fazer de tudo, e se não sabem, compram um livro para aprender ou tentam encontrar instruções online. E mais: têm tempo de ler vários livros por ano, de escutar o último lançamento de suas bandas favoritas, de ler mais de um jornal por dia. Por quê?
Porque em vez de se acomodarem em contratar pessoas que façam as coisas por elas e de ir a lugares onde o consumo lhes venda a felicidade, as pessoas fazem, elas mesmas, tudo para si e para suas famílias. Quem mora na casa na floresta aprende a ocupar seu tempo assim, fazendo coisas que melhorem sua cultura e seu modo de vida, que deixem seu lar mais aconchegante, sua vida mais feliz. Eles literalmente produzem sua própria felicidade.
Aprendi a valorizar isso há pouco tempo, quando parei para pensar na vida e vi como li pouco nos últimos anos e como gostaria de ter tempo para correr atrás disso; quando percebi que várias das bandas que adoro lançaram discos nos últimos anos e só sei cantar as músicas lançadas até os anos 90; quando pensei em quantas vezes me estressei por causa do trânsito enlouquecedor; quando me lembrei das crises de gastrite horrendas que apareciam por conta do estresse da vida urbana e que, aqui, nunca tive uma sequer. A Finlândia e o modo de ser dos finlandeses me ensinaram a me bastar, a amar o silêncio, a precisar do contato com a natureza e a ver que é muito mais fácil ser feliz precisando de menos.
Eu jamais conseguiria morar em um lugar tão distante quanto Sippola e não gostei da atmosfera de Kouvola. Não é uma cidade simpática ao meu gosto, só que hoje em dia, quando penso em onde morar, sonho com lugares cada vez mais distantes do esteriótipo urbano que antes era uma exigência.
O interior da Finlândia com seus vilarejos é encantador e apaixonante e, pela geografia do país, toda cidade ou município tem um “interior”, até mesmo Helsinque. É muito bom que seja assim, que possamos fazer a opção da “casinha no campo” se quisermos, não precisando nos isolar tanto.
19 Comments
Adorei o post! Eu amei a experiência finlandesa de casa no campo + sauna + me jogar no rio. No meu caso ainda não conseguiria me isolar do “buxixo” mas quem sabe no futuro?
A Finlândia é sensacional!! Sempre me surpreende positivamente, não importa quantas vezes eu visite! 🙂
Bjuuu!!!
Olá Silvia!
Eu mudei bastante depois de ter filho. O foco e as preocupações centrais de nossa vida muda totalmente. Hoje em dia sempre penso em como seria bom para ele ter um jardim para correr e brincar e como seria bom para mim poder experimentar a paz do campo. Mas acho que se fosse solteira ou se não tivesse filhos não teria tipo o mesmo insight. Não sei, difícil dizer…
E venha sempre à Finlândia! Tenho certeza de que em toda viagem você poderá experimentar mais coisas.
Beijos
I❤Kouvolazinha. Adorei o texto. Boa sorte com o seu sonho 🙂
Obrigada!
Deu vontade de conhecer os jardins da Finlandia…
Parabens pelo texto, nos transporta!!!
Muito obrigada! Beijos
Vai entrar para a minha lista. Bjs Mailinha
Beijos!
Como sempre, amei seu texto. Beijos de sua mams.
Olá Maila!, Só quem tem descendência pode morar na Filandia. Como é o processo?.Amei sua história. Sucesso…Lindo lugar…
Olá Daiana!
Fico feliz que tenha gostado so texto. Para responder a sua pergunta, tenho um texto sobre isso aqui no blog. Há links para pesquisa e tudo mais, caso você queira buscar por mais info. Aqui está o link: https://brasileiraspelomundo.com/finlandia-o-que-e-necessario-para-se-obter-visto-de-trabalho-091015930
Abs! 😉
Moro em Helsinki a oito anos
Fora o idioma, adoro esse país! muito bom o seu texto. É como uma música de Vinícios, “Passar uma tarde em Itapoam”, Nunca fui a esse lugar na Bahia, mas já conheco bem intimamente por causa da música. assim foi com seu texto
Parabéns!
Obrigada, Fatima!
Abs
Maila.Em setembro vou a Finlândia passear,o que recomenda para
Não deixar de conhecer
Olá Pasco!
Em meu texto sobre o verão finlandês dou algumas dicas de lugares para visitar. Como em setembro ainda não é muito frio, as cidades que menciono no texto são ótimas dicas: Helsinki, Savonlinna e Porvoo. E claro, aproveite para conhecer Tallin e Estocolmo, de Helsinki é muito fácil ir de barco. Aproveite! Abs.
Link para o texto: https://brasileiraspelomundo.com/finlandia-o-lindo-verao-que-muda-as-pessoas-081716863
Olá Maila. Linda a história e os lugares. Pra quem não tem descendência é difícil imigrar? Sucesso. Deus abençoe.
Olá Daiana,
Obrigada! Sim, imigrar para a Finlândia sem ter nacionalidade europeia ou visto de residência baseada em emprego é muito difícil. Escrevi um texto sobre isso aqui há alguns meses, falando sobre isso. Apesar do foco ser visto de trabalho, coloquei links para pesquisa e tudo mais: https://brasileiraspelomundo.com/finlandia-o-que-e-necessario-para-se-obter-visto-de-trabalho-091015930
Espero que tire suas dúvudas! Abs
Parabéns pelo texto Maila! Amei!
Um dos países que admiro desde a pré-adolescência, pelo fato de estar entre os primeiros do ranking em educação e pelas bandas de metal.
Sempre achei interessante a ideia de morar em um lugar sossegado,
Agora, com seu texto, estou in love com a Finlândia S2. (kkkkk)
Abraços.
Muito obrigada!