Finlandês é uma língua sem gênero, ou seja, não há palavras masculinas e femininas como em português, não há artigo definido (o, a, os, as) e, além disso, na terceira pessoa, só há um pronome para o singular, hän, e um para o plural, he.
Na verdade isso não é tão complicado quanto parece, pois ao adquirir fluência na língua, percebemos que é realmente algo totalmente desnecessário que os substantivos comuns tenham gênero, mas quando falamos de pessoas, a não ser que todos na conversa saibam de quem se fala, a coisa complica um pouco e passamos por situações engraçadas.
Leia também: tudo que você precisa saber para morar na Finlândia
Lembro-me que há 22 anos, quando nosso amigo Google ainda não tinha representatividade em nossas vidas, minhas primas durante uma conversa sobre uma festa de aniversário que iríamos naquela noite discutiam sobre o que comprariam para Jaska (o “j” em finlandês tem som de “I” “Iaska”). Decidiram-se por comprar uma garrafa de vinho e tulipas. Fui a tal festa com elas e não tinha a menor dúvida de que Jaska seria uma loira alta de olhos azuis. Só que não! Jaska era um homem.
Outra situação engraçada foi quando um conhecido disse que gostaria de me apresentar Marjo (fala-se Mário). Eles moravam juntos há 5 anos e ele achava que nos daríamos super bem, pois tínhamos muito em comum. Naquele momento tive absoluta certeza de que meu conhecido queria me apresentar a seu parceiro. Combinamos de nos encontrarmos em um restaurante e, para minha surpresa, Marjo nada mais era a loira que eu havia imaginado que Jaska seria.
E foram inúmeras as situações pelas quais passei, sem ter a menor noção se a pessoa a quem eu esperava seria um homem ou uma mulher. Quando recebi a carta do curso de finlandês, por exemplo, o nome da professora era Tellervo. Eu realmente não sabia o que esperar, mas era uma mulher. Pouco tempo depois, conheci uma pessoa chamada Pellervo mas… Pellervo era um homem (risos).
Leia também: Como se cadastrar no Programa de Integração na Finlândia
E são muitos nomes que me confundiam e tenho certeza de que confundem a muitas pessoas estrangeiras antes de familiarizarem-se realmente com os nomes finlandeses. Alguns exemplos:
Ana com um “n” é nome de homem, mas com dois “ns” – Anna – é nome de mulher. Mika é nome masculino, mas Mirkka é nome feminino. Varpu, Pirjo, Pirkku e Aino são nomes femininos enquanto Joona, Eemeli, Erkka e Esa são nomes masculinos.
Trabalhei por alguns anos na Embaixada do Brasil em Helsinki e era comum que os diplomatas me ligassem perguntado se o parlamentar Y ou Z era homem ou mulher. O Google fotos era uma ferramenta essencial em nosso dia de trabalho.
Outra coisa que acho bem engraçada são os apelidos as vezes maiores do que o nomes próprios ou apelidos que podem ser nomes também. Meu marido, por exemplo, chama-se Juha, mas todos os chamam de Jussi e este é um apelido bem comum para pessoas com este nome. No entanto, Jussi também pode ser um nome próprio. (Continua após a propaganda)
Sami, outro nome comum, tem como apelido Sampa e Nina, que é um nome próprio feminino, tem como apelido comum Ninni. Minha prima Mari é conhecida por Maikko e tive muita dificuldade em conseguir chamá-la pelo apelido, visto que para mim soa como Michael, muito masculino para os meus ouvidos.
Curioso para conhecer mais nomes finlandeses? Nesse site você encontra uma lista bem legal.
Depois de quase 10 anos vivendo na Finlândia claro que já me acostumei, mas ainda acho alguns nomes estranhos.
Um dia, em conversa com meu marido, perguntei a ele se tem a mesma relação com os nomes brasileiros, se soam estranhos para ele ou se ele também fica em dúvida sobre serem nomes masculinos ou femininos. Ele disse que alguns nomes soam bem estranhos e ele realmente precisou ver a pessoa para entender se tratava-se de um homem ou de uma mulher. O exemplo que ele me deu foi Thais. Achei muito engraçado um nome tão feminino na nossa cultura parecer sem gênero para ele.
Quando converso com finlandeses sobre a questão do gênero nos substantivos simples em português, todos os que não falam nenhuma língua latina acham que é algo extremamente complexo e difícil de memorizar e entender, afinal, por que cargas d’água um lápis ou uma caneta precisam ter gênero?
Realmente faz sentido se pensarmos bem, mas também acho que essa é a grande beleza das línguas, da linguística, da gramática. É muito curioso perceber como a língua influencia a maneira de pensar e como influencia também na lógica do dia a dia, na lógica do pensamento de cada um.
Finlandês é um idioma muito difícil, que demanda muito esforço e dedicação por parte de quem se propõe a aprender. Lembro-me de quantas vezes chorei enquanto estudava a língua, porque nada parecia fazer sentido. Mas depois que finalmente compreendemos e aprendemos a olhar para as diferenças de maneira positiva, tudo muda. Hoje em dia eu adoro falar finlandês e sinto muito orgulho de mim mesma por ter aprendido, mesmo de vez quando ainda precisando do Google fotos para saber se a pessoa a quem devo encontrar é um homem ou uma mulher.
Viva as diferenças!
7 Comments
Maila, parabéns pelos seus textos. Bem escritos, cheios de humor e com muita informação. Descobri, por acaso, atrás de algumas curiosidades finlandesas estimulado pela série Deadwind que estou assistindo na Netflix. Há anos passei um dia em Helsinque por conta de um erro de uma companhia aérea mas não deu pra ver muita coisa. Em compensação fui a alguns bailes finlandeses em Penedo. Quem sabe agora me animo e levo a família para fazer um tour escandinavo.
Querido Castilho,
Muito obrigada de verdade por seu comentário. Me deixa muito feliz saber quando um leitor gosta de meus textos e dedica seu tempo pessoal para fazer um comentário. Eu ainda não assisti Deadwind, muitas pessoas dizem que é bem legal. Por incrível que pareça por aqui a série não é popular.
Os bailes do Clube Finlândia, em Penedo, são parte da minha história de vida. Durante toda a minha adolescência ir para lá dançar era foi a melhor coisa da vida. Um grande abraço!
Maila
Maila, uma sugestão para você: Que tal um artigo comentando por que em um país onde dirigir na neve deve ser um grande desafio – e também uma ótima escola – têm surgido tantos e bons pilotos de Fórmula 1? É um bom assunto já que Valtteri Bottas, parece, é um forte candidato ao título da temporada. Seriam os finlandeses tão apaixonados por ele como foram os brasileiros por Ayrton Senna e os espanhóis por Fernando Alonso? A Finlândia para nas tardes de domingo para acompanhar as corridas pela tevê? Os jornais dão a Bottas o destaque ele faz por merecer Boa semana.
Olá Castilho!
Sua sugestão é muito legal. Eu, particularmente, gosto muito de F1, pois meu pai é fanático por corridas em geral e foi piloto de rali. Desde pequena assistia com ele. Eu preciso pesquisar um pouco para escrever um artigo legal a respeito, mas é fato de que a F1 é uma paixão finlandesa sim. Sobre a paixão pelos pilotos, acho que os finlandeses não demonstram da mesma maneira que os brasileiros, não é normal aqui essa idolatria por ninguém, mas Keke Rosberg, Mika Häkkinen e o Kimi Raikkonen são super celebridades. O Kimi principalmente porque ele tem uma personalidade que os finlandeses se identificam muito, ele é adorado por aqui. O Bottas está no caminho.
Um abraço,
Maila
Obrigado por me ajudar a me conectar com a vida finlandesa. Seus textos são enriquecedores e ajudam muito à quem procura informações sobre os hábitos dos finlandeses. Eu particularmente tenho um sonho de algum dia vivenciar essa atmosfera. Sinto que me identifico com o que as pessoas chamam de “peculiaridade” finlandesa.
Estarei sempre aqui, aprendendo e apreciando seus texto.
Querido Antonio,
Muito obrigada por seu comentário. Me deixa muito feliz receber esse tipo de feedback e saber que tenho seguidores que gostam de meus textos. Escrevo com muito carinho sempre.
Um abraço,
Maila
Maila querida,
Que texto gotoso de ler… viu o que a linguagem é capaz de fazer em nossas cabeças? Como podemos ser outras pessoas apenas por falarmos esta ou aquela lingua? Então, no pluirlinguismo, damos aos nossos filhos a oportunidade de serem plurais, de verem o mundo de varias formas e de pontos de vistas diferentes… eles não aprendem uma língua apenas, eles desenvolvem uma personalidade-identidade naquela língua.
Adorei seu texto!
Beijo grande
Rita