Avanços no combate à violência doméstica na Polônia.
Uma nova lei de combate à violência doméstica foi aprovada na Polônia e entrou em vigor no dia 30 de novembro de 2020. Em polonês (ustawa z dnia 30 kwietnia 2020 r. o zmianie ustawy – Kodeks postępowania cywilnego oraz niektórych innych ustaw).
O ponto mais importante trazido pela lei diz respeito a medidas protetivas imediatas em casos graves e a desburocratização da proteção à vítima.
O que mudou?
A nova lei foca em medidas rápidas para garantir a proteção à vítima de violência doméstica. Além disso, traz ações imediatas que podem ser tomadas pela autoridade policial sem a prévia validação judicial para surtirem efeito.
Entre elas, as mais importantes são a retirada imediata do(a) agressor(a) da residência familiar e a proibição de que este(a) se aproxime do local ou daqueles(as) que ali moram, como cônjuges e filhos, por exemplo.
É importante ressaltar que a lei foca em situações de risco de morte ou de grave ameaça à saúde ou integridade física das vítimas, ou possíveis vítimas caso o(a) agressor(a) não seja afastado(a) da residência familiar.
Não estão cobertas pela lei discussões familiares ou brigas em que não há risco imediato.
Novo procedimento
A nova lei alterou o Código Civil polonês e também as legislações, regimentos e protocolos internos da polícia civil polonesa e autarquias relacionadas.
Mais de 30 mil oficiais das forças policiais polonesas já foram treinados(as) a respeito dos mecanismos da nova legislação e o que é esperado da polícia em tais situações.
As medidas concedidas pelas autoridades policiais tem a duração de 14 dias. Uma vez que o caso seja trazido para a corte polonesa, as medidas protetivas já efetivadas podem ser confirmadas pela justiça – e prorrogadas – ou extintas.
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Muitas mulheres têm medo de denunciar, pois correriam o risco de serem expulsas da residência da família e terem que procurar um abrigo governamental, levando consigo crianças pequenas.
Ao dar poder para que policiais concedam a medida protetiva imediatamente e ainda durante a ocorrência policial, traz muito mais segurança para quem denuncia violência doméstica, especialmente quando há violência conjugal e crianças menores na casa.
A expectativa é que mais casos sejam denunciados com as garantias da nova lei.
Contexto político
A nova lei também nasce de uma pressão e trabalho incessante the ONGs ligadas ao tema na União Europeia e na Polônia. Isso culminou em parlamentares de praticamente todos os espectros políticos se pronunciando em apoio à nova lei.
Inclui-se alguns partidos e coalisões que defenderam veementemente o projeto como Lewica, PSL e Koalicja Obywatelska. Na extrema direita, o partido atualmente no governo PiS também apoiou a nova legislação.
Apenas a coalisão Konfederacja foi contra a nova lei de violência doméstica, o que não é de se espantar.
Reunindo ideias de ultra direita, membros da frente reiteradamente discursam a respeito de noções de submissão e inferioridade da mulher em relação ao homem.
Este é o caso de Janusz Korwin-Mikke que chegou a dizer, em uma sessão do Parlamento Europeu, que mulheres “são mais fracas, são menores, são menos inteligentes” que homens. Pensamentos machistas e retrógrados como estes muitas vezes impedem avanços no país.
Comparativo com a lei brasileira
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) traz mecanismos para coibir e punir a violência doméstica no Brasil. Também reconhece-se a urgência na concessão de medidas protetivas em casos graves de violência doméstica e traz a possibilidade de concessão da medida protetiva por policiais (texto incluído pela Lei nº 13.827/2019).
Porém, a lei brasileira prevê, no artigo Art. 12-C, que policiais apenas possam decretar a medida protetiva caso o município onde ocorreu a denúncia não for a sede da comarca (conceito jurídico de divisão das cortes judiciais) e caso não haja delegado(a) disponível no momento da denúncia.
Na prática, quem atua em casos envolvendo violência doméstica sabe que concessão de medida protetiva por policiais não ocorre e nem é imediata.
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Na maioria dos casos, os policiais não estão preparados para lidar com as ocorrências. A vítima é retirada da residência familiar e conduzida à delegacia, repetindo diversas vezes, para diferentes entidades governamentais, a agressão que sofreu. Caso haja delegacia especializada na região, a vítima é conduzida para a Delegacia da Mulher.
A partir daí, usualmente é encaminhada para a autoridade judicial, onde relata mais vez o ocorrido, já acumulando horas de atendimento e exaustão física e emocional.
A nova lei polonesa, com sensibilidade à vítima e coerência com a urgência necessária, pula essa fase. Ela prevê exatamente o que é descrito no inciso III do artigo 12-C da Lei Maria da Penha. Em casos graves, a medida protetiva é concedida no momento do atendimento policial na residência familiar.
Denuncie!
Em 2019 foram registrados 74.313 incidentes de violência doméstica pela polícia polonesa. Em 90,9% dos casos os agressores foram homens e 57% dos casos totais envolveram um(a) agressor(a) alcoolizado(a).
Para concluir, é importante relembrar que violência doméstica não se resume apenas à violência doméstica física. O consumo de álcool e outras drogas não deve ser considerado como uma justificativa ou escusa para a agressão.
Na Polônia são consideradas como violência doméstica:
- Física(Fizyczna) – violação da integridade física da(s) vítima(s);
- Psicológica (Psychiczna) – violação da dignidade pessoal e mental da(s) vítima(s);
- Sexual (Seksualna) – violação da integridade física e sexual da(s) vítima(s), pode tomar a forma de estupro de vulnerável ou estupro marital;
- Econômica (Ekonomiczna) – violação de propriedades materiais da(s) vítima(s); e
- Negligência (Zaniedbanie) – violação do dever de cuidado por parte de cônjuges ou familiares, principalmente em se tratando de vulneráveis, pessoas portadoras de necessidades especiais, crianças, idosos, etc.
Em caso de violência doméstica chame a polícia imediatamente – na Polônia, disque 112.
Fontes: