Como os argentinos socializam.
Meu amigo Diego, portenho que se mudou há anos para São Paulo, conta que quando um colega de trabalho o convidou para um café, ele sentiu que talvez estivesse prestes a fazer seu primeiro amigo brasileiro. Saíram do trabalho, foram até uma padaria bacana e, enquanto o possível novo amigo se sentava, ele foi até o banheiro. Voltou, pronto para um bate papo, a tempo de ver o cara virar a última gota de café e deixar o dinheiro sobre a mesa. Até amanhã, se despediu, deixando o Diego sem entender nada.
Acontece que, para um portenho, “vamos a tomar un café?” é um convite para se sentar e conversar, longa e relaxadamente. O que se toma é o de menos: café, chá, refrigerante, água ou a tradicionalíssima água com gás. O que conta como um café é o encontro.
As sedes desse delicioso momento são das mais variadas. Pode ser em casa, em cujo caso muito provavelmente o “café” seja um mate, a verdadeira bebida nacional argentina. Pode ser em um bodegón, um bar/restaurante antigão, com mesas bambas e grisalhos garçons mal-humorados. Pode ser em um lugarzinho descolado e charmoso, cheio de nomes diferentões num cardápio escrito a giz na parede.
O mais gostoso de um café – sim, eu sei, é complicado; aqui se diz café tanto para a bebida quanto para o lugar onde você pode consumir, ou não, essa bebida –, o mais gostoso de um café porteño é que o encontro relaxado e distendido pode ser com você mesmo. Cansei de me sentar à mesa sozinha, com um livro, caderno ou o meu computador, pedir um café, e passar duas ou três horas lendo, escrevendo, estudando ou
trabalhando. O garçom não vem perguntar se eu não vou pedir mais nada, não vem me empurrar a conta, não questiona nem reclama. Ficar sentada em um café bestando por boa parte da manhã ou da tarde é atividade rotineira em Buenos Aires.
Essa capacidade de ficar horas sentada em uma cadeira de madeira vem a calhar quando você é convidada para um jantar. Não sei o que os portenhos têm contra um bom sofá, mas a sala de estar é o cômodo mais subutilizado de qualquer casa nesta cidade. Dois casais, um grupo de amigos ou todos os parentes se reúnem para jantar e, mesmo que o papo vá até altas horas da madrugada, todos vão continuar sentados à mesa.
Começa-se pela picada, que são queijinhos, frios, azeitonas, pãezinhos com patezinhos e outras coisinhas para beliscar, depois vem o prato principal, a sobremesa e, claro, o café. É o único momento em que ele não corre o risco de, na verdade, significar um mate. A menos, é claro, que a madrugada se estenda e a mera lembrança do amanhecer requeira um pré-café da manhã, justificando a entrada em cena da cuia e da chaleira de água quente.
Um dos motivos preferidos para reunir os amigos em Buenos Aires é um churrasco, ou asado. A carne argentina, dizem, é maravilhosa. Eu não como carne há 15 anos então não vou entrar no mérito da questão, mas como aqui qualquer refeição parece ser um evento muito mais social do que gastronômico, eu ainda vou a churrascos e me viro comendo os
“periféricos”: a picada, a salada, as batatas, cebolas e pimentões assados, um pãozinho com qualquer coisa.
Quando a comida vem da churrasqueira, ao contrário dos jantares comuns, os convidados se movem com mais liberdade, até porque alguém tem que fazer companhia para o asador, que passa quase a noite toda cuidando do fogo. Quem domina essa arte vai colocando e tirando os cortes em uma sequência exata para que tudo fique pronto na ordem certa, primeiro as linguiças, depois os outros tipos de carne de vaca, de frango, de porco e tudo o mais que estiver sobre as brasas. Sim, porque churrasco argentino se faz na grelha bem baixinha, quase encostando na brasa, nada daquelas linguonas de fogo dos churrascos que eu conhecia.
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Os jantares à mesa também têm certas particularidades. Quando os portenhos se reúnem, e não fazem um churrasco, come-se alguma combinação de farinha e laticínios: massas, pizza ou as típicas empanadas, que, se não são de carne ou frango, levam queijo. A sobremesa muito provavelmente será sorvete de massa cremoso, delicioso, entregue em
casa por qualquer sorveteria, e são muitas!
Vale lembrar que a sobremesa se chama postre, porque sobremesa aqui significa o longo tempo que se fica conversando depois de uma refeição. Onde mesmo? Ah, é, em
volta da mesa.
O que me leva a uma última observação. Sempre que você for convidada para ir à casa de alguém, é de bom tom levar alguma coisa de comer ou de beber. Se for para um café, leve facturas (croissants e seus parentes, próximos ou distantes, que conformam uma verdadeira festa de farinha branca, açúcar e doce de leite), um bolinho, ou pelo menos alguns biscoitos. Se for jantar, pode levar alguns petiscos ou uma sobremesa, e sempre, sempre uma bebida.
Ninguém erra levando um vinho – a menos que venha em caixinha tetrapak – mas uma cerveja também é bem recebida. E, quem sabe, uma almofadinha para aquela cadeira de madeira, caso a conversa vá até as quatro da manhã.
3 Comments
Muito show!!!
Já vi que se eu te fizer uma visita vou me sentir em casa!!!
Bjs e sucesso!!!????????
Eu quero mais, muito mais! Patricia, bora escrever porque você o faz muito bem, amiga!
Delícia essa ideia de ler as brasileiras pelo mundo!!!! Palmas!!!!
Muito bom Paty, já estou esperando os próximos textos…. Beijos!