Expectativas de uma brasileira que mora na Argentina para a Copa do Mundo, depois de 2014.
Estamos perto de mais uma Copa do Mundo e pela primeira vez sinto que preciso me preparar para isso. Porque a Copa de 2014, minhas queridas, não foi nada fácil em terras portenhas. Que ninguém pense que foi o primeiro campeonato mundial de futebol que acompanhei fora do Brasil. Moro aqui há cinco Copas, digo, vinte anos. Então, o que houve de tão diferente em 2014?
A Copa do Brasil exacerbou a rivalidade entre brasileiros e argentinos de maneira indescritível. Não íamos assistir aos jogos cada um no seu canto. Agora as duas torcidas estavam se encontrando nas mesmas cidades, nos mesmos estádios, e isso só exaltou os ânimos. Não sei dizer ao certo como se sentiram os imigrantes argentinos no Brasil durante aquele mês. Talvez, diante da possibilidade de um título em casa, o torcedor brasileiro tenha infernizado a vida dos hermanos por lá. Ou talvez a animação por ser o país-sede tenha tornado a alegria maior do que competitividade. Mas sei muito bem o que eu, imigrante brasileira na Argentina, vivenciei aqui: daquela vez, como nunca antes, eu me senti o alvo principal.
É que o Brasil não era só o maior entre vários rivais, era O rival. O que estava em jogo não era só um título, mas um título no Brasil, igual àquele conquistado pelo Uruguai em 1950. Aliás, você sabia disso? Eu fiquei sabendo logo que me mudei para Argentina. Pois é, em 24 anos no Brasil nunca soube (e se soube, dei tão pouca importância que acabei des-sabendo) que o Uruguai derrotou o Brasil na final daquela Copa. Mas aqui, muitos relembram essa história com um prazer maior do que o nosso desgosto. Então 2014 era a chance de a Argentina conquistar um título especial, em terras brasileiras, mais valioso do que qualquer outro.
Brasil, decime qué se siente…
Nada foi tão difícil quanto a musiquinha (o tal Brasil, decime qué se siente) que a torcida argentina cantou dia e noite, sem parar, durante o mês da Copa – e uns tantos meses mais. O mega hit daquele inverno tirava sarro de nós, relembrando a Copa de 1990, quando fomos eliminados por eles nas quartas-de-final. Eu até teria tentado ignorar se não fosse pelos meus filhos. A minha filha mais velha estava no 1º ano do Fundamental e teve que ouvir os amiguinhos cantarem isso no ônibus escolar durante um passeio e até numa aula de música, com acompanhamento da professora ao piano. Quando me contou, disse que, não sabendo o que fazer, decidiu só ficar quieta.
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Cada encontro implicava a possibilidade de uma provocação; eu me preparava para ir buscar as crianças na escola porque sabia que muita gente viria direto falar comigo. Ouvi, com um sorriso amarelo, uma cutucada durante o discurso em um evento na escolinha do meu filho mais novo. E antes do 7 a 1 era só a musiquinha e um ou outro comentário, mas depois… nem preciso dizer.
Muitos amigos queridos diziam que aquilo era só futebol, não era nada pessoal. Mas não tem como não ser pessoal quando você é uma pessoa só entre milhares. Li comentários raivosos contra o Brasil e os brasileiros (assim, geralzão mesmo) de pessoas que adoram o nosso país, a nossa música. Parecia absurdo que existisse tanto amor pelo Brasil se, no momento em que 22 desconhecidos entravam em campo para uma partida, qualquer brasileiro se transformava em uma espécie de inimigo, a ser humilhado e ridicularizado sempre que possível.
Fico pensando se os brasileiros na Alemanha foram tão futricados como fomos aqui. E fico pensando também em como vai ser a próxima Copa. Vamos ter que aguentar tudo de novo? Vamos ser o alvo preferido? Vamos ter que endurecer a pele mais uma vez? Ou o fato de o novo Mundial acontecer do outro lado do mundo vai aplacar ódios, amainar preconceitos, dominar monstros? Porque, sim, uns tantos deles vieram à tona naquela ocasião. Especialmente o maldito monstro do racismo e da xenofobia, que se move discreto sob a superfície.
No fundo, preconceito
Minha filha uma vez me disse que achava que fulaninha não ia com a cara dela por ela não ter a pele tão clara como as outras meninas. O meu filho saiu cabisbaixo da escolinha um dia, porque um amiguinho disse que as pessoas “marrons” como ele são as piores. Muitas vezes fui censurada por falar com os meus filhos na minha própria língua porque, para alguns, nós só deveríamos falar a língua local. O que significam estes exemplos, senão aquele monstro levantando a cabeça?
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Qual a minha expectativa para a Copa do Mundo de 2018? Sinceramente, não sei. Pensei muito no assunto para escrever este texto, reli uma postagem que fiz naquela época (e os comentários), li artigos do BPM. Mas ainda não sei exatamente o que esperar, porque vejo duas coisas bem diferentes. Por um lado, uma rivalidade inocente entre brasileiros e argentinos, como aquela que existe entre paulistanos e cariocas, ou entre quaisquer pessoas ou grupos que, sendo muito próximos (geográfica ou emocionalmente), se gostam e se divertem, mas também se irritam e se provocam, como irmãos que brincam juntos mas também brigam. Por outro lado, moro em uma cidade com muito menos diversidade étnico-racial do que qualquer cidade brasileira que eu conheço, em um país que sempre buscou determinar sua própria identidade, mas nem sempre parece saber o que fazer com a alteridade. E que, no frenesi de um evento desse porte, deixa escapar impulsos que não deveriam existir.
Com a rivalidade inocente, eu me garanto, e meus filhos também, eu sei. Mas por via das dúvidas, acho melhor me preparar para reencontrar a rivalidade preconceituosa. E preparar os meus filhos também. Em casa nós ensinamos a eles diariamente a importância de olhar além das aparências, mas também temos que ensiná-los a ignorar quem ainda não aprendeu essa lição.
A escola representa uma parte muito importante na vida de uma família com filhos pequenos. Por isso, acredito firmemente que é preciso ensinar às crianças que somos todos iguais, por mais que sejamos diferentes. É preciso ensinar a elas que todas as pessoas, de qualquer origem, qualquer cor, qualquer classe, qualquer orientação sexual, qualquer gênero, em qualquer tipo de corpo, com qualquer tipo de mente, todas têm o mesmo valor. A escola tem que ensinar isso, a família tem que ensinar isso, a sociedade tem que ensinar isso. Pena que, antes de ensinar às crianças, temos que começar pelos adultos.
2 Comments
Força Paty!!!
como será que eles se sentem agora, perdendo o primeiro jogo numa péssima fase, cm direito a penalti perdido de messi??? ahsuasuah
força paty!!