Costumes argentinos que me conquistaram (e outros que nunca vou adotar).
Tem costume que a gente adota tão fácil que parece que vem de família. Costumes argentinos que me conquistaram (e alguns que nunca vou adotar).
Mês passado foi meu vigésimo aniversário fora de casa. Vim para Buenos Aires pra passar um ano, um ano e meio, depois voltar. Mas aconteceu… bem, a vida. Acabei conhecendo, namorando e casando com um argentino, tive dois filhos e, quando dei por mim, aquele ano e meio está durando até hoje.
Talvez por isso minha relação com a cultura argentina seja meio esquisita: algumas coisas se tornaram parte vital da minha existência, outras eu não consegui adotar, mesmo depois de vinte anos.
Virou hábito:
– “Merendar”. É um ritual: eu e as crianças nos sentamos à mesa para o café da tarde. Algo que se fazia na casa dos meus avós, no interior de São Paulo, mas na casa dos meus pais sempre foi só um lanchinho que a gente roubava de passagem pela cozinha para enganar o estômago até a hora do jantar.
– Jantar super tarde. É bem comum aqui as pessoas se sentarem à mesa às nove, mesmo dez da noite. Já é tão normal aqui em casa que ninguém nem tem fome antes das 20h30.
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– Usar cachecol ou, na meia-estação, pelo menos uma pashmina ou lenço em volta do pescoço. Em todos os meus invernos paulistanos não devo ter usado tantos panos no pescoço como em um único ano portenho. Esquentar o pescoço e o peito é tão importante que existe até um adjetivo para quem sai com essa área desprotegida: “despechugado“. Por conta desse costume, tenho uma parte inteira do armário dedicada aos cachecóis, lenços e afins.
– Os pés como meio de transporte. Um hábito muito saudável e agradável (sempre lembrando que meu ponto de comparação é a cidade de São Paulo, onde nasci e cresci) é o de ir andando de um lugar para o outro. A cidade é grande, mas nada comparada com a minha terra natal – cabem seis Buenos Aires dentro de Sampa – e totalmente plana. Por isso, andar 1 ou 2 quilômetros não é coisa de outro mundo.
– Levar comida quando vou visitar alguém. Depois de vinte anos aqui – a maior parte da minha vida adulta –, realmente me esqueci que em São Paulo não é imprescindível levar alguma coisa para comer quando vou visitar alguém. Já saí procurando loucamente uma padaria para comprar um bolinho antes de chegar na casa de uma amiga, por considerar inaceitável não levar nada. Aqui, quando você vai almoçar ou jantar na casa de alguém, tem que levar uma bebida (geralmente um vinho) e, se possível, algum tira-gosto ou sobremesa. E, se vai para o lanche, espera-se que você contribua com uma boa parte do que será comido. Medialunas, algum bolo, biscoitos, qualquer coisinha gostosa. Já me acostumei tanto que me sinto mal quando não levo, mesmo que os anfitriões não esperem nada.
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– Chamar um médico em casa. Não sou daquelas que corre pro médico a cada resfriado, mas minha filha tinha convulsões febris, meu marido teve umas tantas crises de asma e esse luxo virou costume: atendimento médico a domicílio. Qualquer convênio ou plano de saúde tem o serviço, às vezes gratuito, outras vezes com um custo baixíssimo. É verdade que muitas vezes não são os médicos mais conceituados, mas é uma boa opção quando para detectar uma bronquite ou evitar despencar com duas crianças no meio da noite para o pronto-socorro (e passar horas numa sala de espera cheia de outras crianças com outras, e piores, doenças).
– Falar do clima. A obsessão portenha por comentar o clima e suas mais mínimas variações sempre me pareceu muito engraçada, até que me peguei fazendo o mesmo. É só encontrar alguém e, na primeira vírgula, já começamos: Que frio! Que calor! Outro dia nublado? Dizem que vem chuva. Hoje vai ter tempestade! Das feias! A umidade está terrível! Parece que vai esfriar. Amanhã chove, mas na quinta para e na segunda que vem chove de novo. Sim, nesta cidade a meteorologia tem mais ibope do que as notícias.
Agora, se incorporei todas essas coisas, tem outras que não consegui mesmo trazer para o meu dia a dia:
– Tomar sol de biquíni nas praças. Primeiro, não costumo tomar sol, não é a minha praia. E muitíssimo menos contemplo a possibilidade de deitar de biquíni no gramado de uma praça em plena zona urbana, enquanto as pessoas passam para o trabalho a poucos metros de mim. Não consigo ter essa coragem.
– Usar sapato de plataforma. Outro dia vi um meme que dizia “a Cinderela argentina”: um pé feminino experimentando um sapato com uns dez centímetros de plataforma. Eu não sei se o Gene Simmons (do antigo Kiss) secretamente passou por aqui e deixou uma numerosa descendência ou se é complexo de pouca estatura, mas nunca vi tanta plataforma como pelas ruas de Buenos aires. Não, não uso, não usei, não vou usar. Não acho bonito mas – acima de tudo – eu cairia o tempo todo!
– Tomar mate. Heresia das heresias: com este item, corro o risco de revogarem meu documento argentino! No começo, na minha etapa de paixão arrebatadora pela cidade, eu até tentei. Preparava o mate e tomava sozinha, enquanto estudava, lia ou trabalhava. Mas depois que passou aquela fase inicial, admiti pra mim (e para uma chocada sociedade portenha) que não gosto. Tomo, eventualmente, quando não dá pra fazer desfeita, mas em geral explico que não gosto mesmo. É amargo, é quente que é o cão… Por que eu faria isso comigo mesma? Se a água já começa a esfriar e o sabor já não está tão intenso (e me deixarem botar uma colherinha de açúcar) eu tomo. Mas aí acho que virou chá.
Tenho certeza de que tem muito mais de Buenos Aires dentro de mim e nem percebo. Bons hábitos que irão comigo o dia que eu voltar para o Brasil.
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Patricia, sou argentino, 51 pirulos e vivo no brasil desde os cinco. Aos dezoito, com a morte de meu pai, traumatica, fui mandado pra argentina. Todos pensavam que era brazuca e eu é que não ia desmenti-los. Não é que fui tratado super bem, eu fui é escoltado a todo canto e apresentado a tudo de legal. Como todo povo, argentino tem coisa chatas e mesmo dificeis de lidar ou aceitar. Mas os amo, assim como aos Brazucas. Basicamente, amo gente e quanto mais diferente e novidosa, melhor. Isso ajuda a amadurecer e a nos tornar melhores, mais empáticos e a mitigar nossos preconceitos. Gente é a melhor coisa da vida.