Eleições no Quênia
O Quênia esteve em evidência nos últimos meses na mídia internacional, primeiramente por alguns focos de violência após as eleições de agosto e de outubro de 2017, e também pela anulação pela suprema corte do Quênia das eleições presidenciais de agosto, fazendo com que em outubro as eleições fossem repetidas. A suprema corte considerou que as urnas eletrônicas foram hackeadas e que o sistema de apuração não era lícito, determinando assim, que uma nova eleição fosse realizada e, logicamente, o resultado anterior cancelado.
O período de eleições no Quênia é sempre uma época de grande medo e ansiedade para a população. O país é uma república presidencialista e, desde meados dos anos 60 todos os cidadãos quenianos com mais de 18 anos podem votar desde que estejam registrados para a eleição. Diferentemente do Brasil aonde o voto é obrigatório, aqui o voto é facultativo e nenhuma punição acontece no caso do não comparecimento às eleições.
Para entendermos o que acontece no Quênia nesta época é preciso entender um pouco sobre a composição da sociedade aqui. Como já havia mencionado nos meus textos a tribo ou etnia é algo que deve ser respeitado por um indivíduo, especialmente no âmbito político. Se um político é de uma etnia “x” ele irá focar em angariar seus votos na sua tribo, ou no seu vilarejo, portanto é natural que membros da mesma tribo votem nele, sem se importar muito suas posições políticas ou o seu caráter. Muitas pessoas votam em alguém apenas por pertencerem à mesma etnia e acreditarem que terão benefícios ou, ao menos, não sofrerão injustiças, uma vez que o governante é da mesma casta.
O medo do período eleitoral, ou pós-eleitoral aqui no Quênia nos remete ao ano de 2007 aonde o candidato vencedor das eleições era da etnia Kikuyu (a tribo que tem o maior número de pessoas). Após protestos pacíficos, encorajados e incitados pelo candidato perdedor, membros da etnia Luo e Kalenjins trancaram 50 Kikuyus dentro de uma igreja na noite de ano-novo, dentre eles mulheres e crianças e atearam fogo à igreja. Este ato desencadeou uma fortíssima onda de violência que terminou em mais de 2000 mortos e 600.000 desabrigados. Estes foram os números oficiais, segundo os números extraoficiais o número de mortos passou de 20 mil pessoas e desabrigados chegou a mais de 1 milhão. Sem contar os prejuízos matérias de escolas e comércios perdidos por incêndio, por exemplo.
Desde então, o período de eleições se assemelha a um período de guerra, ou ao menos de preparação para a guerra. As pessoas estocam comida, água, gás e medicamentos. Carregam seus celulares com créditos e evitam sair de casa. Para os estrangeiros, as embaixadas criam grupos de WhatsApp para facilitar a comunicação. Os estrangeiros que podem, se ausentam do país com suas famílias e as cidades parecem cidades fantasmas neste período. As escolas e empresas suspendem suas atividades e todos torcem para que nada de mal aconteça.
Este ano não foi diferente, aqui em casa programamos nossas férias para irmos ao Brasil em agosto, a maioria dos meus amigos estrangeiros também retornou aos seus países nesta época e todos estávamos tranquilos, até que a eleição foi cancelada e transferida para 90 dias para frente. Ou seja, as eleições seriam em outubro, não poderíamos mais sair do país pois duas viagens internacionais em menos de seis meses para uma família de 5 seria economicamente inviável para nós. Teríamos que passar este período em Nairóbi rezando para que o pior não aconteça e que as ondas de violência não fossem grandes.
No âmbito político, eram dois candidatos concorrendo à presidência. Uhuru Kenyatta, o atual presidente e Raila Odinga, o candidato que havia perdido à eleição de 2007 e quem havia incitado os protestos que deram início à onda de violência que citei anteriormente. Raila Odinga continuava incitando os seus seguidores a fazerem protestos e reclamarem de forma violenta, apesar de que, em discursos públicos, os televisionados, ele dizia que queria paz e que este período deveria ser pacífico e que ele repudiava veementemente os atos de violência. Mas em discursos menores e sem muita mídia ele incitava que o povo fosse as ruas e realmente protestasse.
Se os protestos fossem pacíficos todos estariam tranquilos. Mas tanto do lado da polícia do Quênia, que tem como lema “shoot to kill “, ou seja, “atire para matar”, quanto dos protestantes que têm entre seus membros alguns arruaceiros que ateiam fogo em comércios pequenos e pobres nas favelas e estupram mulheres e crianças usando como pano de fundo o protesto contra a política, fazendo com que a guerra esteja instaurada e o medo presente durante vários dias.
Este ano os protestos foram menos mortíferos que no ano de 2007, ainda assim as fontes oficiais dizem que nenhum confronto com a polícia resultou em morte, mas amigos e a imprensa relatam nas zonas de conflito centenas de mortos e aonde a maioria foi morta dentro de casa ou enquanto voltavam da escola.
Na segunda eleição, saiu vitorioso o candidato que havia ganhado na primeira eleição, Uhuru Kenyatta foi eleito com quase a totalidade dos votos uma vez que o candidato da oposição desistiu de concorrer novamente. Os protestos ainda continuam, mas de forma mais espaçada, mas ainda surpreendem e assustam pela violência com a qual se desenrolam. Nós, que moramos aqui, sentimos medo a cada vez que encontramos nas ruas as multidões, pois para que isso se torne uma panela de pressão prestes a explodir não falta nada. Vamos esperar e torcer para que a vida aqui volte a ser pacífica.