Quando deixamos os Estados Unidos e fomos morar em Dubai, eu estava com um barrigão gigantesco, aos 6 meses de gravidez dos gêmeos. Você deve imaginar que não foi fácil fazer todo o processo de mudança além de ir a consultas médicas no novo país e organizar toda a nova vida por lá. Tudo isso praticamente sozinha, já que o maridão precisava se dedicar a essa nova oportunidade, e algumas vezes ele precisou inclusive se ausentar devido as viagens internacionais a trabalho.
Quando os meninos nasceram minha mãe veio me ajudar durante os seus 30 dias de férias (mãe é mãe, né?). Graças a minha super mãe, nós não passamos fome – cuidar de dois bebezinhos é uma delícia, mas não é brinquedo não. Por isso na época entrei em contato com uma agência que oferece o serviço de empregadas domésticas. A mesma moça ia lá em casa me ajudar duas vezes por semana por 4 horas. Depois dos 30 dias, minha mãe teve que voltar para o Brasil para trabalhar e eu me vi sozinha cuidando da casa e de dois bebezinhos.
O que dizer desse período? Bem, foi punk. Quem é mãe sabe do que eu estou falando. Eu continuava contando com a ajuda da moça da agência, apenas duas vezes por semana. Mas não era suficiente. Quando eu queria um tempinho só pra mim, como fazer uma caminhada (de 20 minutos para a minha sanidade mental), ou ir ao mercado por exemplo, deixava os meninos com o marido. E durante 6 meses nós não tivemos nenhuma chance de sair juntos sozinhos. Filminhos e comidinhas, apenas em casa, no intervalo das mamadas, sonecas e trocas de fraldas.
Até que uma amiga viu toda a minha trabalheira e perguntou se eu já tinha pensado em ter uma empregada morando comigo. Eu confesso que nunca tinha pensado na ideia. Eu vim de uma família muito simples e nós nunca tivemos nem diarista, quanto mais uma funcionária morando junto conosco. Lembro que na minha adolescência, os meus pais me faziam limpar o meu quarto, lavar banheiro, passar a minha roupa. Confesso que na época, adolescente, eu ficava muito p. da vida, mas não tinha outra opção e lá ia eu fazer as minhas tarefas domésticas.
Mas sabe que a ideia de ter alguém morando conosco, alguém que eu pudesse contar boa parte do dia, ainda mais tão longe de casa, soava muito bem? Falei com a moça que morava lá nas Filipinas pelo telefone e a gente mal se entendeu, afinal ela não falava muito bem inglês. Eu sabia apenas que ela tinha 4 filhos e que nunca tinha trabalhado na vida. Resolvi arriscar e acordamos dela vir para Dubai. No início foi aquela adaptação: na época ela não tinha luz elétrica em casa, e não sabia por exemplo, ligar e usar um ferro de passar roupas, mas depois com muita paciência e dedicação ela passou a me ajudar bastante com as tarefas da casa e com os meninos. Eu mal podia acreditar quando finalmente, consegui ir ao cinema com maridão, só nós dois. Era um mix de sentimentos: mãe preocupada em deixar os filhos em casa porém feliz, de mãos dadas no cinema com o marido comendo pipoca.
Durante todos esses anos vivendo no Oriente Médio percebi que ter uma ajudante em casa é algo bastante comum por essa região. Os locais muitas vezes tem diversas empregadas e empregados para darem conta dos serviços da casa. E essas oportunidades de trabalho são na maioria dos vezes preenchidas por trabalhadores vindos de países como por exemplo, Filipinas, Índia, Paquistão, Sri Lanka, Etiópia e Nepal.
Para ter uma empregada doméstica por aqui, é preciso fazer todo o processo de visto de trabalho. Esse visto de trabalho geralmente é um processo longo e bastante burocrático. Quando o visto de trabalho é finalmente aprovado, a família contratante fica obrigatoriamente responsável por essa pessoa, que fica atrelada ao visto da família. Os países de origem do trabalhador doméstico fazem o possível para garantir todos os direitos do seu cidadão. Por exemplo, países como as Filipinas exigem aos que vem trabalhar nessa região que façam um curso obrigatório sobre a cultura islâmica antes de chegar por aqui. Isso faz todo o sentido pra mim, afinal as Filipinas é um país de maioria cristã e muitas vezes as diferenças culturais entre estes dois lugares podem ser chocantes. O curso vem justamente com a intenção de esclarecer e orientar sobre a nova cultura e realidade do novo país.
Mas como tudo na vida, existe os dois lados da moeda. Infelizmente, em alguns casos as leis trabalhistas não são respeitadas e muitos trabalhadores domésticos no Oriente Médio sofrem maus tratos dos seus empregadores. Durante todos esses anos na região, me entristeço e me revolto cada vez que leio um caso de estupro, de abuso e de trabalho escravo. O contrário infelizmente também acontece: diversos casos de violência dos empregados domésticos aos seus empregadores. Empregadas que maltratam, batem em crianças, que mentem, roubam, que fogem. Não é preciso procurar muito na internet para encontrar diversos casos com finais tristes e trágicos. Devido a necessidade do trabalho, esses trabalhadores muitas vezes acabam se sujeitando a esse tipo de vida e ao abuso dos seus patrões. Muitos recebem ilegalmente salários abaixo do permitido por lei, além de viver em condições inadequadas. Muitos sequer tem o seu direto a folga semanal respeitado. É uma situação revoltante e inaceitável em pleno século XXI e que infelizmente ainda acontece por aqui.
Entretanto apesar das centenas de casos de maus tratos, os trabalhadores não param de chegar nos países do Oriente Médio. A realidade é que para a grande maioria, uma oportunidade de trabalho nessa região é uma verdadeira roleta russa. Até eles chegarem aqui, não dá bem para ter certeza se irão trabalhar para uma família que irá tratá-los com dignidade, respeitando as leis ou não. Para muitos, vir trabalhar no Oriente Médio é uma grande oportunidade, e ao converter o salário que ganham aqui para a moeda do país de origem, é possível proporcionar uma vida muito melhor para os seus familiares que ficaram em casa.
Vivendo no Oriente Médio durante todos esses anos, posso dizer que os trabalhadores domésticos adoram trabalhar para as famílias de brasileiros. Os comentários que eu sempre ouço é que nós somos pessoas acolhedoras e que tratamos todos com muito respeito e educação – mas deveria ser sempre assim independente da nacionalidade, né?
E você, o que você acha disso tudo? Compartilha conosco as suas histórias e comentários a respeito desse tema.
8 Comments
Uau! Imagino a situação dessas meninas por ai Carla. Ótimo relato …adorei os detalhes.
Oi Mary, que bom que você curtiu o artigo. Obrigada pelo seu comentário aqui! Um beijo grande
Aqui em Cingapura e a mesma coisa, muitos Filipinos e Indonésios. Alguns contratam por necessidades – afinal a vida e caríssima aqui, outros por luxo ja que e uma mao de obra relativamente barata. Ótimo texto Carla
Oi Vanda, interessante saber que em Cingapura também é assim. Eu tive a oportunidade de conhecer o país ano passado e fiquei simplesmente apaixonada. Os “mercados de rua”, com diversos restaurantes, foram os meus favoritos – que perdição! Obrigada pelo seu comentário aqui. Um forte abraço, Carla
Oi Carla, Adoro seus textos – sempre informativos. Meu marido recebeu uma proposta para o Kuwait e temos 3 filhos. Como seria essa facilidade por la?
Oi Julia, me envia um email para cariocatravelando@gmail.com e conversamos sobre o Kuwait? Eu particularmente gostei muito do país. Muito obrigada pelo teu comentário aqu, Julia! Um beijo grande
Oi Carla.Você acha que se eu souber falar inglês e francês eu consigo um trabalho de vendedora em alguma loja ?
E você saberia me dizer se o salário daria para me sustentar aí ?
Jéssica, a Carla parou de colaborar conosco mas você pode consultá-la em seu blogue pessoal, o Carioca Travelando. Ela não mora mais na Arábia Saudita.
Edição BPM