Se você me acompanha por aqui ou pelo Carioca Travelando, deve saber que as mulheres na Arábia Saudita vivem uma vida de muitas restrições. Eu mesma já falei por aqui que em seu próprio país, elas são as únicas no mundo que não podem dirigir. Além disso, as mulheres precisam de um guardião do sexo masculino para autorizá-las a cumprir atividades diárias como por exemplo viajar, estudar e até trabalhar. O fato é que no dia a dia, a mulher que vive na Arábia Saudita (seja ela local ou expatriada – e em outros lugares do Oriente Médio também) depende constantemente da figura masculina. Mas apesar de todas essas restrições, o reino está lentamente evoluindo. A prova disso é que em dezembro de 2015 a Arábia Saudita deu um importante passo para os direitos das mulheres: elas puderam votar pela primeira vez na história do país.
Cá entre nós, você deve estar pensando, “mas já estava mais que na hora, né?” Eu concordo! As mudanças parecem bem pequenininhas, ainda mais quando comparadas a grandes nações com séculos e séculos de história e desenvolvimento na bagagem. Porém essas pequenas diferenças na vida das mulheres estão, para a felicidade geral do planeta, acontecendo, sim – e esses acontecimentos são marcos de um processo de mudança que o país está vivendo. Um bom exemplo disso é o aumento significativo no número de mulheres na força de trabalho saudita, de 23 mil em 2004 para mais de 400 mil em 2015, segundo dados do governo do país.
Para entendermos o presente, precisamos voltar ao passado, certo? Se voltarmos na história, veremos que a Arábia Saudita, como é conhecida nos dias de hoje, tem apenas 83 aninhos de idade. O lugar era então território comandado por diversas tribos e era dividido basicamente em quatro diferentes regiões-distritos, conhecidas como Hejaz, Najd, partes da Arábia Oriental e partes do sudoeste da Arábia. A família Al Saud, depois de diversas batalhas, conseguiu reunir essas quatro regiões debaixo de um único propósito. Assim nasceu, em 1932, a Arábia Saudita que conhecemos hoje (Saudita vem da família Al Saud). O país é uma monarquia absoluta, ou seja, o poder é passado de herdeiro a herdeiro, dentro da família Al Saud desde da sua fundação. Portanto, em termos históricos, a Arábia Saudita é praticamente um bebê, se comparado ao gigante Brasil, por exemplo, que foi colônia de Portugal entre 1500 e 1815.
O fato de as mulheres terem o direito de votar reconhecido foi, sem sombra de dúvidas, um grande acontecimento no país e que ganhou destaque nos principais jornais do mundo inteiro. Elas não apenas votaram, mas foram permitidas também, pela primeira vez na história desse país, a se candidatar a cargos municipais – claro, se a candidatura for aprovada pela monarquia. Entretanto, de acordo com a Human Rights Watch nem tudo foi perfeito durante esse marco histórico. Elas foram impedidas de fazer campanha com os eleitores do sexo masculino devido aos costumes de segregação que já falei aqui, além de muitas mulheres sauditas terem se queixado das dificuldades para comprovar a sua identidade e residência. Outra reclamação constante era sobre o número limitado dos centros de registro eleitorais disponíveis apenas para as mulheres. Algumas ativistas sauditas reconhecidas globalmente simplesmente não tiveram sua candidatura aprovada, sem explicações plausíveis.
De acordo com o Departamento de Estado Americano, as eleições na Arábia Saudita funcionam da seguinte maneira: os eleitores escolhem metade dos assentos e o rei escolhe a outra metade. Apesar de todos os obstáculos encontrados pelas sauditas durante o processo eleitoral, de acordo com as estatísticas divulgadas pelo governo do país, quase mil mulheres se candidataram a cargos públicos, frente a quase 6 mil homens. As mulheres registradas para votar representam cerca de 8% da população total votante (em torno de 1,5 milhões), num país de aproximadamente 30 milhões de habitantes.
Com conhecimento de causa, eu tenho que confessar: ser mulher na Arábia Saudita não é tarefa fácil. Muitos ainda defendem a situação atual da mulher no país, dizendo que as mulheres são tratadas como rainhas, verdadeiras princesinhas, portanto não precisam trabalhar ou dirigir, afinal elas têm motoristas à sua disposição e estão sempre acompanhadas de uma figura masculina para protegê-las e defendê-las de todo o mal (esses são argumentos dos que defendem essa situação, viu?). A realidade não é tão cor de rosa assim, não. O que os números dessa eleição histórica sinalizam ao mundo e principalmente à sociedade saudita é que as mulheres continuam a sua longa marcha rumo a uma maior participação decisória no rumo de seu próprio país.
Nós seguimos torcendo para que toda essa movimentação seja mais que um impulso momentâneo, uma vez que as coisas se acalmem. Durante as eleições em dezembro, 17 mulheres foram eleitas, mais um recorde a se registrar na história do reinado, o que demonstra o tão sonhado, ora reprimido, desejo pela reforma. Os cargos no conselho para os quais as mulheres foram eleitas não têm poderes legislativos, porém permitem que elas aconselhem e ajudem a supervisionar orçamentos locais. Fica aqui o meu desejo para que essas 17 mulheres eleitas consigam fazer a diferença, por menor que possa parecer, no país onde elas mesmas possuem tão poucos direitos. O teste real para o reino será sem dúvida nas próximas eleições, onde veremos se a continuidade dos direitos reconhecidos serão mantidos.
4 Comments
Caramba. Já sabia desse fato, e a leitura de seu artigo aumenta ainda mais a convicção de que, se eu fosse mulher, não iria morar em países fundamentalistas islâmicos, a exemplo de Arábia Saudita, nem por todo o dinheiro do mundo ou por todas as oportunidades profissionais que me fossem oferecidas. É uma coragem que eu, infelizmente, não tenho. Na verdade, penso que, se por azar eu tivesse nascido mulher nesse lugar, eu faria qualquer coisa, dentro de minhas diminutas forças, para sair de lá.
Oi Francisco, com certeza tem que ter muita coragem para sair da zona de conforto e experimentar o novo, o diferente. Pra mim a experiência de viver 3 anos na Arábia Saudita foi única, um tremendo aprendizado. Obrigada pelo seu comentário e por compartilhar a sua visão conosco. Um grande abraço.
Já escutei de muçulmanas brasileiras esse argumento. Ai que vontade de das uns tabefes nelas, sério, cara. As sauditas estão lutando pelo direito delas e eu acho acho que as pessoas daqui deveriam apoiar essa mudança e não fingir que as sauditas adoram a vida que tem pois nem os brasileiros que mais liberdades que os sauditas adoram a vida que tem. Estamos sempre querendo mudança, e é ingenuidade achar que um povo quer continuar pensando da mesma forma quando o mundo todo faz o contrário.
Você demorou um pouquinho, essa da eleição e candidatura para mulheres na Arabia S. faz um tempo já que aconteceu. Espero que essas mulheres lutem pelos seus direitos nessa jovem monarquia.
Uma pergunta: Os animos dos xiitas já diminuiu ai na Arabia saudita? Eles são quanto por cento no reino? Eles tem o mesmo direito que os outros, sunitas e wahabitas?
Abraços.
Oi Kareem, isso como mencionei no artigo as eleições aconteceram em dez/2015. O estimado de xiitas na Arábia Saudita é de 10% a 15% da população. Na teoria os sauditas xiitas tem os mesmos direitos que os sunnis, mas acredito que num país de maioria sunita, os xiitas devam sofrer discriminação sim. Muito obrigada pelo seu comentário Kareen e um forte abraço.