Festivais de Myanmar – Thadingyut, a festa das luzes.
Uma das cenas que eu mais amei em um filme da Disney, foi a cena da animação Rapunzel, quando a princesa e o “ladrão” apaixonado, passeavam de barco em um festival “mágico” onde milhares de lanternas flutuavam em direção ao céu.
Eu sempre ficava imaginando o quão brilhantes eram os criadores desses desenhos. De onde viriam tantas ideias lindas e cheias de encantamento?
Bom, agora já sei! Da vida real.
Festivais de Myanmar – Thadingyut, a festa das luzes
Tive vários deja vu ao longo da minha vida como expatriada. Criaturas do Submarino Amarelo dos Beatles estavam por toda parte em Bali, animais míticos e estranhos de diversas películas da Disney podem ser vistos por aí, em muitos parques aquáticos ao redor do mundo.
Um personagem de Barbie sereia é igualzinho a um animal marinho que eu vi em Singapura. E eu colocando tudo na conta da inventividade dos cineastas… De todas as experiências no maior estilo: Já vi isso antes! –
Uma das que mais me emocionou foi justamente a festa das luzes, onde milhares de lanternas são enviadas ao céu em um espetáculo de emocionar os olhos e o coração.
O Festival Thadingyut , em birmanês: သီတင်းကျွတ်ပွဲတော်, é a festa das luzes de Myanmar. Acontece todos os anos na lua cheia do mês lunar birmanês de Thadingyut. De acordo com o costume local, o evento é realizado no final do sábado budista (Vassa), o fim da quaresma, ou sabá budista e coincide com a lua cheia de outubro.
O segundo festival mais popular no país
Este é o segundo festival mais popular no país, depois do Thingyan (Festival das Águas de celebração do Ano Novo, similar ao Songkran tailandês).
O Thadingyut é uma festa de celebração, cujo objetivo é dar as boas-vindas à descida do Buda do céu depois que ele pregou o Abhidhamma para sua mãe que, de acordo com o budismo, renasceu no céu, depois disso.
É um Festival das Luzes celebrado em todo o país, começando um dia antes da lua cheia e terminando três dias depois. A mãe de Buda, Maya, morreu sete dias após o nascimento dele e então renasceu no céu de Trayastrimsa como um deva masculino.
Para demonstrar a gratidão por sua maternidade, Buda foi até o céu e pregou àquela que foi sua mãe por três meses durante o período da Quaresma.
Leia também: 10 curiosidades sobre Myanmar
Quando ele estava descendo de volta ao mundo mortal, Sakra-devanam-indra, o governante do Céu Trayastrimsa, ordenou que todos os santos e Nats (entidades anímicas da cultura e folclore birmanês) fizessem três escadas preciosas. Uma de ouro, uma de prata e outra de rubi.
O Buda pegou a do meio, de rubis. Os Nats (que muitos consideram como correspondentes aos devas) vieram pelas escadas cobertas de ouro do lado direito, enquanto os Brahmas (entidades superiores e elevadas) pelas escadas de prata do lado esquerdo.
O objetivo do Thadingyut é dar as boas-vindas ao Buda e seus discípulos, iluminando e enfeitando as ruas, casas e prédios com luzes que representam essas três escadas. Tudo fica iluminado e decorado lindamente, com luzinhas, velas, luminárias, lanternas e fios cheios de mini lâmpadas.
Em algumas pagodas, devotos fazem desenhos e esculturas com luzes e velas. Esse ano em particular, muitos pedem por saúde.
Leia também: O Coronavírus em Myanmar
É um momento muito especial para todo o povo, pois apesar de ser uma celebração de alegria, é também um período de reflexão e demonstração pública de gratidão a pais e professores e de pedir perdão aos que você magoou durante o ano anterior.
Então os mais velhos dizem aos mais jovens que os perdoam por seus erros e continuam a abençoá-los. É comum também que os adultos ofereçam um envelope com algum dinheiro para as crianças.
Normalmente não é uma quantia significativa, mas apenas um valor simbólico, já que o objetivo é oferecer boa sorte a quem recebe e a quem faz a oferta.
Em contrapartida, muitos jovens também aproveitam a ocasião para prestar respeito aos mais velhos, pais, professores e até irmãos, oferecendo-lhes flores, frutas e presentes.
Durante esse período os devotos costumam ir aos mosteiros para homenagear os monges e oferecer alimentos. Pelas cidades, muitas atrações e entretenimento para o povo: peças musicais, shows, filmes gratuitos e atrações circenses, barraquinhas com comidas e doces tradicionais.
A ruas ficam cheias de ambulantes vendendo brinquedos, utensílios domésticos, flores, enfeites e fogos de artifício. Eu sempre brinco que é uma mistura de Natal com festa junina, porque há bombinhas, balões e outros brinquedos de acender por toda a parte.
Fico um pouco apreensiva pensando nos incêndios e acidentes, mas as pessoas não parecem estar nem um pouco preocupadas, e confesso, tudo é uma grande festa para os olhos.
Semelhanças com o Ano Novo brasileiro
Além das práticas universais, comuns a todo o país, é possível encontrar também costumes regionais, cada qual com sua particularidade. Em regiões praieiras ou ribeirinhas, a água é parte importante desses rituais.
Em Dawei os moradores realizam um ritual chamado thabeik hmyaw pwe (သပိတ် မျှော ပွဲ), em que tigelas com flores, água, lâmpadas a óleo e velas são colocadas no mar como oferendas.
Me lembra muito as oferendas para Yemanjá, lançadas no mar nas noites de Ano Novo. Em Shwegyin existe o mi hmyaw pwe (မီး မျှော ပွဲ), cerimônia semelhante, mas onde o protagonista é o rio.
Em Yangon, onde eu moro, as pessoas entopem as margens do lago Inle. Crianças, idosos e jovens se acotovelam para ter o melhor ângulo da festa das lanternas. Todos sentam na grama sem a menor cerimônia.
Estranhos sorriem uns para os outros (muitos para mim), e trocam bênçãos e desejos de boa sorte. É mesmo muito parecido com as festas de Ano Novo nas praias de Santos, onde mães de santo, evangélicos e hare krishnas dividem as faixas de areia da praia para professar suas crenças e desejar um feliz período ao novo ano que se aproxima.
Tanto lá como aqui, temos as velas e os fogos, o mar ou os rios. A natureza testemunhando a festa da esperança por tudo que vem pela frente.
É incrível como somos intrinsicamente ligados. A humanidade toda. Tantas diferenças e ao mesmo tempo similaridades. Tanta diversidade e sonhos tão iguais… Paz, amor, sermos perdoados, sermos felizes, rir até a barriga doer.
Seja qual for nossa crença, cada povo repete e denota um desejo profundo e inconsciente de multiplicar a luz e celebrá-la. Os símbolos mudam, a necessidade de encontrar o farol é a mesma.
Bonito de ver, Caetano já dizia mesmo: Gente é pra brilhar!