Março é o mês internacional dos direitos da mulher. Os países nórdicos estão no topo da lista dentre os que detém os melhores índices em igualdade de gêneros. A lista, divulgada pelo Fórum Mundial de Economia em 2015, mostra a Islândia em primeiro lugar, Finlândia e Noruega empatadas logo depois e a Suécia logo em seguida (a Dinamarca ocupa a 14º posição).
Infelizmente, igualdade total de gêneros não existe em nenhum lugar do mundo e em todos os países onde as mulheres vêm conseguindo conquistar espaço e respeito, isso sempre aconteceu por meio de lutas, nunca foi fácil. Mas sem dúvida é uma grande vitória saber que há lugares como os nórdicos, onde os índices mostram que a igualdade já superou os 80%.
Tendo vivido a maior parte de minha vida no Brasil, país que no mesmo índice ocupa a 85º posição, logo ao chegar aqui senti – e ainda sinto – muita diferença. Posso dizer que nunca antes me senti tão livre de julgamentos e tão valorizada como mulher e profissional.
A Finlândia é um país independente desde 1917 – sim, menos de 100 anos! – porém, mesmo antes disso, em sua condição de Grão-Ducado Independente da Rússia, já esboçava sinais de progressão.
Em 1906 tornou-se primeiro país do mundo a dar as mulheres tanto o direito ao sufrágio universal quanto o direito de se candidatar a eleições. Em 1907, o país entrou para a história como o primeiro a eleger 19 mulheres, 10% do parlamento. Hoje o parlamento finlandês é ocupado em 40% por mulheres e dentre importantes políticos finlandeses já tivemos representantes femininas ocupando tanto o cargo de Presidente quanto de Primeira Ministra (leia mais sobre isso em inglês no wikigender).
Na Finlândia as mulheres sempre tiveram importância e representividade como trabalhadoras, não só no lar. Quando a agricultura era a principal fonte de economia do país, era comum que todos da família trabalhassem pesado. Não havia dinheiro para se contratar serviços; mulheres, homens e seus filhos trabalhavam lado a lado. Apesar da sociedade daquela época ainda ser patriarcal, as mulheres tinham consciência de sua própria importância e sempre foram ativas buscando maneiras de se impor e se aprimorar (leia aqui um texto interessante em inglês sobre o assunto).
A primeira organização feminista finlandesa, “União das Mulheres da Finlândia”, data de 1892. Tratava-se mais de um grupo onde os membros discutiam estratégias para a inclusão social, política e econômica das mulheres na sociedade. Algo muito curioso sobre esta União é que ela não tinha somente mulheres em sua borda de membros, havia homens também. Um artigo interessante sobre as organizações feministas na Finlândia pode ser encontrado em inglês, em versão doc sobre o nome:“The Progress of Woman in Finland”, de Hilkka Pietilä.
Com o tempo outras uniões feministas surgiram e com elas, a crescente ideia de que o país precisava de todos para crescer e superar as dificuldades. Era necessário dar às mulheres as mesmas oportunidades de estudos e carreira que aos homens e, para isso, era preciso que as tarefas domésticas fossem divididas.
Claro que essas coisas não aconteceram nem da noite para o dia e nem com o apoio de toda a sociedade, mas foi um marco importante para as mulheres poderem, desde cedo, fazer parte da vida política do país, pois puderam se fazer presentes nos campos de decisão mais importantes e não se mantiveram somente às margens.
No entanto, foi só a partir dos anos 70 que os movimentos feministas atingiram a força necessária para que as mulheres da Finlândia conseguissem conquistar as vitórias que usufruimos hoje em dia. Três conquistas básicas são consideradas cruciais para que as mulheres pudessem “sair de casa” e investir em suas carreiras e estudos:
- as escolas oferecerem almoço e lanche às crianças (desde 1948);
- o governo prover creches em período integral para que ambos os pais pudessem trabalhar (desde 1973)*; e
- a licença-maternidade poder ser dividida entre o pai e a mãe (desde os anos 70)*.
*Houve emendas e mudanças com o decorrer dos anos.
Hoje em dia, a participação feminina no mercado de trabalho finlandês é quase tão alta quanto a masculina (73% mulheres e 76,2% homens). 83% da mulheres que são mães de crianças pequenas possuem emprego em horário integral e nas universidades, 56% dos estudantes são mulheres (Fonte: Wikigender)
Apesar das estatísticas serem positivas quando comparamos a Finlândia a outros países, ainda temos batalhas a vencer. Na vida em trabalho, por exemplo, as estatísticas mostram que o salário das mulheres ainda é 20% menor do que o dos homens, mesmo quando a função é a mesma.
Outro problema é a violência contra a mulher que infelizmente é alta por aqui. Cerca de 1/4 das ligações para a polícia reportam casos de violência doméstica e cerca de 49% das mulheres finlandesas reportam já terem sofrido algum tipo de violência ou abuso por parte de homens. O governo revê leis e ações necessárias para reduzir essas estatísticas de tempos em tempos e há comissões designadas somente para isso.
Uma medida positiva foi tomada em 1995: casos de violência doméstica reportados sempre são investigados e o agressor sempre responde criminalmente, mesmo que a vítima não queira acusá-lo. No entanto, as estatísticas ainda são altas para violência contra a mulher e isso é muito triste.
No meu caso, posso dizer que nunca tive experiências negativas na Finlândia por ser mulher. Pelo contrário, me sinto livre para entrar num bar sozinha e pedir uma cerveja sem que “pensem mal de mim”, não preciso ter medo de andar pelas ruas arrumada e “chamar atenção”, saio com meus amigos homens sem que isso seja um problema para meu marido, tenho minha individualidade respeitada, ninguém cobra de mim certo comportamento por conta do meu gênero.
Outra coisa que amo muito é a responsabilidade realmente 50/50 no que diz respeito a cuidar da família e dos filhos. Tudo aqui em casa é dividido e eu não precisei fazer nenhum esforço para isso. Sempre foi natural do meu marido não esperar que eu tenha mais responsabilidades domésticas do que ele, afinal, a casa é dos dois, certo?
Uma experiência que tive no hospital maternidade que adoro dividir, foi no dia em que nosso filho nasceu. Quando já estávamos no quarto umas duas horas depois, a enfermeira chegou para ensinar a trocar a fralda e limpar o bebê. Ao entrar no quarto ela virou para meu marido e disse: “Venha comigo, vou ensiná-lo como fazer, ela acabou de parir, precisa descansar. Depois você ensina a ela como fazer.”
É ou não é bom demais?
7 Comments
Olá Maila, a enfermeira usou mesmo essa palavra “parir”?Aqui nao é vista como rude?..no Brasil pra seres humanos usamos mais o termo “dar a luz”…hehe
Olá Rodrigo,
Ela usou a palavra em finlandês e ao meu ver a tradução é parir. Não vejo como isso pode ser considerado rude, é uma palavra com um significado direto. Finlandês é uma língua direta e sem rodeios. Mesmo se estivesse no Brasil eu jamais me sentiria ofendida ou acharia rude uma pessoa dizer que eu pari. Dar a luz, por outro lado, eu me sinto como se minha avó estivesse falando comigo. Mas eu sempre fui muito mais finlandesa do que brasileira nessas questões mesmo. Um abraço.
O termo médico é parir. É o termo que todo obstetra usa inclusive para falar com o marido da mulher. O termo dar a (craseado) é o termo familiar e tem conotação carinhosa, religiosa.
Como anda essa questão da igualdade de gêneros com a crescente entrada de muçulmanos no país? Na Suécia, essa igualdade claramente não existe mais.
Robert, a igualdade de gêneros na sociedade aqui não sofre nenhuma interferência dos muçulmanos. Eles ainda são uma minoria e têm que se adaptar. Os que não se adaptam ficam à margem, não são aceitos. Claro que normalmente as mulheres muçulmanas vivem com seus maridos dentro de suas culturas, mas a sociedade finlandesa no geral, a vida em trabalho, os direitos que temos, não são afetados em nada por eles.
Olá Maila! Meu nome é Elaine e estou fazendo uma pesquisa universitaria sobre preconceito na FInlândia e não estou conseguindo encontrar nada neste assunto. Será que por favor poderia me auxiliar sobre este assunto? Existe preconceito na finlandia?
Obrigada e gostei muito de seu artigo!
Olá Elaine,
Muito obrigada. Respondendo à sua pergunta, onde há pessoas há preconceito. Não existe nenhuma sociedade livre disso. O preconceito aqui, no entanto, tem raízes diferentes. Apesar de haver excessões, claro, eu não vejo aqui muito preconceito social, preconceito de gênero, preconceito baseado em aparência física. Mas há preconceito com relação a pessoas de algumas nacionalidades e com muçulmanos, por exemplo. Este é um assunto um tanto complexo, não tem como eu te dar um parecer justo por aqui, mas você pode pesquisar por artigos de jornais finlandeses em língua inglesa que falem sobre esses dois assuntos. Um abraço