No último ano, quando eu ainda morava em Helsinki, cartazes e placas começaram a surgir pela cidade com mensagens, como “Sr. Presidente, bem-vindo à terra da imprensa livre”, ou frases que pareciam mais uma manchete de jornal, como “Gabinete de Trump seleciona seus repórteres”. No ranking do Reporters Without Borders, que é o principal indicador de imprensa livre do mundo, hoje, a Finlândia é a quarta colocada, e apesar de não ser mais a líder, continua sendo uma das referências mundiais de imprensa livre, desde que esteve à frente do ranking durante 8 anos seguidos até 2016, quando a Noruega conquistou essa mesma posição.
Como ainda sou novata no país e aprendiz do idioma, os jornais acabam sendo um ótimo instrumento para absorver cada vez mais o finlandês, e por isso obriguei a mim mesma a assistir ou ler matérias sempre que possível. O que era no começo “chato” e não compreensível, hoje já é interessante e parte do dia-a-dia, principalmente por saber que é uma imprensa livre, livre de interesses pessoais de empresários e livre de pressão política.
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As placas na cidade de Helsínquia, mencionadas no início, escritas em inglês e outras vezes em russo, na verdade estavam espalhadas intencionalmente por toda a rota que seguiriam os presidentes Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, Presidente da Rússia, desde o aeroporto até a local onde haveria o encontro entre os mesmos, que aconteceu na Finlândia no dia 16 de julho de 2018.
Essa foi a forma que Helsingin Sanomat, o maior jornal do país, deu boas vindas aos visitantes. Foram 300 placas ao todo com dizeres para a recepção dos presidentes. As placas continham mensagens para Trump e Putin e também títulos e frases de antigas matérias do jornal, que abordavam a incompatibilidade de opiniões sobre a imprensa.
Os países nórdicos em geral conseguiram estabelecer esse relacionamento de confiança com suas populações, porque os interesses públicos não interferem diretamente na opinião dos jornalistas. Os repórteres são livres para escrever sobre qualquer assunto, mesmo que critiquem duramente um candidato político, por exemplo, durante um período eleitoral.
A queda da Finlândia no ranking de imprensa livre foi gerada por causa de dois escândalos seguidos, o primeiro em 2016 envolvendo o Canal Yle e o primeiro-ministro do país. O político teria feito pressão na emissora para alterar informações sobre uma cobertura que envolvia o seu nome. Mesmo com os indexadores de ranking considerando o caso que derrubou a Finlândia para a terceira posição no ranking, o canal Yle ainda nega o acontecido, alegando que ocorreu apenas uma disputa editorial interna. O segundo escândalo aconteceu em 2017, quando teria sido realizada uma vistoria na casa de uma jornalista que trabalha para o jornal Helsingin Sanomat. A busca aconteceu depois da jornalista publicar um artigo alegando que uma agência de inteligência militar finlandesa estava espionando a Rússia. Esse caso continua sendo investigado, pois ainda não é claro se esses dados eram arquivos militares sigilosos do país, o tal qual resultaria em um crime.
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O Brasil tem subido algumas posições no ranking nos últimos anos, porém ainda não conseguiu estar entre as 100 primeiras. Como brasileira, ainda sempre duvido de qualquer matéria que leio e pesquiso por mim mesma para ter certeza dos fatos. Agora morando na Finlândia, mesmo sabendo que a matéria que estou lendo é muito provavelmente a real visão do jornalista, ainda peno para aceitar a informação à primeira vista. Confesso que ainda acabo checando pelo menos uma fonte terceira.
Falar sobre a liberdade de expressão no jornalismo pode parecer muito singelo e desnecessário, mas é extremamente importante relatar os fatos com o real acontecimento, porque denunciar abusos e transmitir essas informações para a população têm como resultado a melhora de qualidade e expectativa de vida para todos, pensando é claro que existem mundo a fora corruptos e humanos agindo de má fé.
A imprensa estar livre para denunciar o que há de errado, impacta diretamente e positivamente em um país com segurança de verdade, educação de qualidade, política limpa, ecologicamente correto, tolerante para qualquer cidadão como individual e garantia de direitos legais. A Finlândia hoje tem essas importantes bases para seus moradores, e acredito que a imprensa livre tem um grande papel para que tudo isso funcione.
Dica extra para quem está dando os seus primeiros passos no finlandês, assim como eu, e gosta da ideia de ler matérias da terra da imprensa livre, todos os dias o canal Yle transmite durante cinco minutos as principais matérias do jornal utilizando a língua finlandesa com palavras simples, pronuncia clara e pausadamente para que todos possam entender. Esse momento vai ao ar todas as noites às 20h e também pode ser acessado online através do site.