O cheiro, o sabor, o modo como a mãe, o pai ou a avó cozinham, refogam o arroz, temperam a carne, preparam o feijão. Tudo isso diz muito sobre de onde viemos, quem somos, nossos ritos e diversidades. Desbravar a gastronomia de outros mundos é transpor esse lugar acolhedor e buscar outro também prazeroso – a gente cria outras caixas na memória, chama de nosso novos códigos e possibilidades, atualiza as definições de apetitoso, apimentado, exótico. A decisão de viver fora também impõe dizer sim diariamente, e sem culpa, a esse estranhamento e encantamento, ao mesmo tempo em que acalenta a falta do que antes era porto seguro.
Fazer a ponte entre Brasil e Irlanda traz muitas surpresas. A culinária por aqui não é nada excêntrica, mas ela ensina muito e sutilmente. Se a cultura é formada pelo povo, a gastronomia é reflexo de sua história e características de sua terra. Isso quer dizer que para um país historicamente bem pobre, provinciano e com um clima moderadamente frio de janeiro a janeiro, os ingredientes sempre deixarão incríveis rastros de rusticidade no paladar.
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Quando a Inglaterra fincou sua bandeira na ilha, no século XVI, ordenou que o plantio fosse majoritariamente de batata e cenoura, para então complementar a dieta dos ingleses e das tropas militares da Coroa. Um episódio histórico muito triste – a Grande Fome – marcaria para sempre os hábitos de consumo dos antigos celtas. Em 1845, uma forte praga atacou todas plantações de batata no país, e milhares de pessoas (25% da população) morreram porque não tinham o que comer, levando inclusive a uma forte migração de irlandeses para outras partes do mundo.
Após séculos comendo praticamente a mesma coisa, era de se esperar que com a Independência os irlandeses abrissem suas portas e janelas para deixar outros aromas e nuances se misturarem. Mas a mudança de cultura e de hábitos alimentares é um processo lento. Meu sogro irlandês já relatou que na sua infância, em plena década de 60, o almoço era composto de uma carne (provavelmente porco) e duas opções de vegetais – a batata sendo um deles. Laranja e abacaxi, por exemplo, eram consideradas frutas exóticas nos anos 70, já que o clima não permite o seu cultivo.
Devagarzinho, a gastronomia vai sofrendo influências da história de sua gente e de outras gentes, que agora chegam a ilha trazendo um pouquinho de seus distantes lares e criando entre si novas receitas para fugir da saudade. A culinária irlandesa mantém suas raízes na simplicidade e no que é caseiro e natural, ao mesmo tempo em que abraça vestígios de refinamento. Mas uma coisa é fato: o respeito a quem prepara e serve a comida se vê desde dentro de casa até os mais requintados restaurantes. E nada de muito congelados, fritura ou industrializados. Legumes, folhas, hortaliças e carne fresca são realmente os donos da casa – ainda bem.
Conheça alguns dos pratos / alimentos mais consumidos na ilha
Irish stew
Um grande ensopado irlandês, consiste de carne de boi ou cordeiro com muitas opções de legumes (cenoura, batata, abobrinha, cogumelos e outras hortaliças). Pode ser ainda temperado com a cerveja preta Guinness.
Sheppherds ou Cottage Pie
Uma torta bem leve feita de purê de batata com carne moída de boi ou cordeiro misturada com alguns legumes.
Turkey, Gravy and Stuffing (irish roast)
A carne do peru tão consumida durante o Natal no Brasil é outra pedida famosa o ano inteiro na Irlanda. Acompanha molho gravy (feito do caldo da carne assada com vegetais), stuffing (tipo de farofa feita de ovo com farelo de pão), batatas e cenoura.
Fish & Chips
A fama pode ter sido supervalorizada, pois o peixe não leva tanto tempero. Mas vale experimentar para tirar suas proprias conclusões. Afinal, peixe e batata frita não tem como dar errado.
IRISH BREAKFAST
Leva-se um tempo para acostumar com a mistura: salsicha, ovos mexidos ou cozidos, pão tostado, bacon, feijão. Mas quando a gente supera no imaginário e no sistema digestivo essa primeira resistência, é só alegria. O Irish breaksast é opcão apenas nos fins de semana, as familias não comem isso todo os dias. De segunda a sexta, o café da manhã é com ovos, pão, frutas e porridge (um tipo de mingau).
CARNES
Irish beef
É comum encontrar nos restaurantes ou supermercados o selo de 100% Irish beef, importante atestado de qualidade por aqui. Os hamburgeres artesanais são de dar água na boca.
Carne de porco
Altamente consumida na Irlanda, nas versões de bacon, ham e pork loin (filé de porco). O bacon é bastante diferente e muito mais gostoso, pois o processo de cura consiste só na salga e preservação da carne, enquanto que em países como o Brasil e EUA chamariam de bacon as carnes curadas. O ham não é apenas presunto, é um tipo de corte parecido com o lombo.
Frango
Sem rodeios, eu nunca comi peito de frango tão saboroso. Não é seco e nem fininho como temos no Brasil. E a coxa, sobrecoxa, asinha ou o frango inteiro são igualmente ricos.
Cordeiro
Carro chefe, a carne de cordeiro é preparada de diversos estilos e cortes. O mais nobre deles são o Lamb Rack ou Lamb Shoulder.
FRUTOS DO MAR
Banhada por todos os lados, a variedade de frutos do mar não decepciona: truta, salmão, camarão, mexilhão, ostra, bacalhau, lagosta, peixes de água salgada. Tudo fresquinho, do Atlântico ou do mar da Irlanda, consumidos como uma típica torta, conhecida como fish pie ou em ensopado de frutos do mar ao molho branco, o seafood chowder.
MODERN IRISH CUISINE
Os irlandeses já se deram conta de que não estão mais no tempo da colonizacão e isso traz ares novos em todas as esferas sociais, com efeitos sentidos diretamente na gastronomia. Criatividade e ingredientes frescos e nobres na porta são combinação perfeita pra explorar novos pratos. E isso tem sido percebido em restaurantes requintados (já são nove agraciados com o selo Michelin), pubs no interior e produtores e mercados locais.
FRUTAS
No geral, as frutas mais comuns são as vermelhas (morango, framboesa, amora, groselha, mirtillo) de produção local. Mas encontra-se de tudo no supermercado. Inclusive o nosso mamão, a banana colombiana, a laranja italiana, o abacaxi da Costa do Marfim, a goiaba das Filipinas e por aí vai…
DOCES
Conhecidos por produzir um dos melhores laticíneos da Europa, a Irlanda oferece uma abundância de sobremesas: Yellowman (Irish Honeycomb); Barm Brack; Guinness Chocolate Mousse, Lemon Curd Sponge Cake, Porter Cake, Soda Bread Pudding, Irish Whiskey Truffles, Irish Apple Tart, Carrageen Moss Pudding, cheese cakes.
INTERNACIONAL
Dublin é sede de uma variedade de restaurantes de outros países. Os mais comuns de encontrar são italianos, indianos, japoneses, mexicanos, marroquinos e asiáticos em geral.