Voto permitido em 1922, contraceptivo liberado em 1979, estupro no casamento ilegal apenas em 1990, divórcio regulamentado em 1996. Até pouquissimo tempo atrás, as mulheres por aqui não tinham nem voz nem vez na economia, política, cultura, esportes, educação e ciências, infelizmente assim como na maioria dos países do mundo.
Mas por causa de muitas, verdadeiras guerreiras ao longo da história, o cenário mudou. E mudou muito. A voz firme e objetiva e o respeito que elas hoje detêm na sociedade irlandesa mostram que a luta não foi em vão. Apesar da Irlanda ainda ter fortes vestígios de machismo – salários desiguais, aborto ainda não é legalizado, condenação de estupro também encontra entraves em todos os níveis e minoria feminina em postos de comando – a discriminação vem caindo significavelmente, os homens tiveram que abrir mão de privilégios opressores e aprender a conviver com os outros 50% da população que não tolerava mais ficar em segundo plano.
E as coisas mudaram, sobretudo no dia a dia. Desde o percorrer espaços públicos, fazer escolhas e expressar opiniões sem medo de ser agredida, julgada ou assediada, aos pequenos grandes gestos, comentários, piadas e brincadeiras que subjugam a mulher na rotina em casa, no trabalho e na rua. Hoje, eles da nova geração assumiram um outro tipo de papel dentro e fora do ambiente familiar. Lavam, passam, cozinham, trocam fraldas, vão a reuniões escolares com orgulho e buscam mulheres para gerenciar times, operações, empresas e as regras do jogo. Reconhecem habilidades, abaixam a cabeça e a bola de igual para igual e não atacam, com olhares, palavras ou atitudes, assim que uma adentra ou sai sozinha de um bar, de um beco escuro, de uma reunião no chão de fábrica ou de um ônibus em plena madrugada.
E isso é resultado da luta e da persistência de várias irlandesas, que se tornaram ícones de equidade de gênero e do potencial da mulher em todas as esferas da sociedade.
Conheça e admire algumas delas:
REVOLUCIONÁRIAS / POLITÍCA
Grace O’Malley (1530 – 1603): conhecida como a Rainha Pirata, do famoso clã de Mayo, ela aprendeu cedo e com o pai a arte de navegar. Ficou famosa por capturar navios ingleses e roubar sua carga, um hábito que foi multiplicado a fim de espantar e minimizar o poder inglês na região. Sua história virou um espetáculo da Brodway de mesmo nome.
Constance Markievicz (Constance Gore Booth) (1868 – 1927) : filha de explorador ártico e amiga de infância de W.B.Yeats, ela esteve no centro do “1916 Rising”, movimento contra o governo Britânico que culminou na independência da Irlanda do Sul, lutando e chefiando homens e outras mulheres. Ela foi a única irlandesa julgada e condenada à prisão perpetua. Em decorrência da Lei de Anistia de 1917, Markievicz foi solta e tornou-se membro do Parlamento Britânico e a única mulher a compor a primeira Assembleia Irlandesa.
Betsy Gray (1750 – 1798): camponesa e heroína folk da região do Norte da Irlanda, já foi – e ainda é – tema de vários poemas e canções irlandesas. Lutou em muitas batalhas e morreu na Rebelião conhecida como Homens Irlandeses Unidos, no sec XVIII.
Mary Robinson (1944): política independente e primeira Presidente da Irlanda (1990 – 1997), também foi Chefe da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Advogada, ativista, acadêmica, criou a Fundação Mary Robinson, com foco maior em Justiça Climática, área que tem se especializado ultimamente, por acreditar que mulheres, negros e indígenas são os mais afetados pelas mudanças que já ocorrem na natureza.
DIREITOS HUMANOS / ATIVISTAS
Sister Sarah Clark (1919 – 2002): freira irlandesa conhecida como Joana D’Arc pelas investigações e denúncias de maus tratos cometidos em penitenciárias britânicas contra presos irlandeses no país. Ela lutou para que vários recebessem condenação justa, sobretudo aqueles equivocadamente presos por meio do descreto Ato Contra o Terrorismo, que impedia os irlandeses de lutarem de forma pacífica pela independência na década de 70.
Sister Stanislaus Kennedy (1940): mais popularmente conhecida como Sr. Stan, cofundou a Focus Irlanda, maior ONG e instituição de caridade do país para populações desabrigadas e em vulnerabilidade social, e o Conselho de Imigração Nacional.
Mary Raftery (1957- 2012): os documentários produzidos pela jornalista e diretora (States of Fear e Cardinal Secrets) trouxeram à tona os abusos cometidos contra crianças pela Igreja Católica no país entre 1930 e 1970. Seu trabalho resultou na criação da Comissão Nacional de Investigação em prol de Crianças e Adolescentes.
Veronica Guerin (1958 – 1996): aclamada jornalista que expôs o tráfico de drogas e suas operações na Irlanda. Repórter policial, arriscou sua vida durante muitos anos denunciando e buscando julgamento para vários casos, conseguindo a condenação de importantes criminosos. Era frequentemente escortada pela polícia, por causa das ameaças de morte. Mas em 1996, infelizmente dois homens a seguiram de moto e a assassinaram com dois tiros na cabeça (foto).
CIÊNCIAS
Dorothy Stopford Price (1890 – 1954): médica que ficou reconhecida pelo seu trabalho em erradicar a tuberculose em crianças irlandesas, ao introduzir a vacina BCG. Também trabalhou cuidando de doentes durante a Guerra pela Independência e a Guerra Civil Irlandesa (foto).
Kay McNulty Mauchly Antonelli (1921-2006): matemática e uma das seis programadoras de software a trabalharem com ENIA, o primeiro computador digital eletrônico do mundo. Em 1940, foi convocada para trabalhar para o Exército Americano, calculando o lançamento de míssieis e outros armamentos.
Lilian Bland (1878 – 1971): jornalista e primeira mulher a construir e pilotar uma aeronave na Irlanda e uma das primeiras a conquistar tal feito também no mundo, em 1910.
CULTURA
Catherine Hayes (1818- 1861): cantora soprano de ópera, obteve fama mundial no início do século XIX, sendo a primeira irlandesa a sair em tour internacional. O pai, também músico, abandonou a família quando ela ainda era criança e Catherine teve uma vida bastante pobre ao lado da mãe, até ser descoberta por um padre que bancou seus estudos e a incentivou seguir carreira na ópera.
Katerine Tynan ( 1859 – 1931): importante escritora, dizem que finalizava um romance por mês. Possui duas antologias, 105 romances e inúmeros artigos creditados a ela. Sua escrita ficou famosa pela peculiaridade temática, que mistura nuances de religiosidade com feminismo.
Jean Iris Murdoch (1919 – 1999): escritora e filósofa, foi professora na renomada Royl College of Art. Redigiu 26 romances em 40 anos, os últimos escritos enquanto já sofria de Alzheimer. Em 2008, integrou a lista dos 50 maiores escritores do Reino Unido do século XX. A sua história está retratada no filme Iris, protagonizado por Kate Winslet e Judi Dench.
Maureen O’Hara (1920 – 2015): famosa atriz nascida em 1920, estrelou filmes de Alfred Hitchcock e John Ford ao lado de John Wayne, Natalie Wood, Tyrone Power e outros aclamados atores. Fez parte da Era de Ouro de Hollywood (foto).
Brenda Fricker (1945): atriz de teatro, cinema e televisão, participou de mais de 30 filmes. Em 1990, tornou-se a primeira irlandesa a ganhar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pela sua atuação em My Left Foot.
ESPORTE
Sonia O’Sullivan (1969): atleta e maratonista pioneira na década de 90, conquistou medalhas de ouro e prata nas Olimpíadas, Campeonatos Mundiais e Europeus de atletismo e inspirou toda uma geração que estava se recuperando de crises econômicas e políticas no país (foto).
Katie Taylor (1986): diversas vezes campeã europeia, mundial e olímpica de box, é considerada um verdadeiro prodígio, por também elevar a reputação feminina no box nacional e internacional.