Recentemente fui passar um final de semana com meu marido em Jacmel, uma cidade no litoral sul do Haiti. Quando buscava algo no AirBnB encontrei uma pousada bem localizada e que parecia bonita e muito curiosa. Morelan B&B é uma pousada em que muitos dos materiais de construção utilizados são recicláveis, como garrafas e pneus. Achei a idéia super bacana pois reciclagem é uma das questões críticas do Haiti. A gestão de resíduos aqui é tão precária que iniciativas como esta são extremamente importantes.
Finalmente reservamos um quarto para o fim de semana na pousada e partimos para Jacmel. Na chegada a vista da pousada é um tanto pitoresca eu diria, especialmente porque não estamos acostumados a ver paredes feitas com garrafas ou mesas de pneus. O local é um pouco esquisito à primeira vista, porém muito bonito e à vista do mar é espetacular.
A proprietária, Pollyanna, nos recebeu alegremente e nos fez um rápido tour do local, mostrando um pouco suas criações. Sua idéia é criar uma pousada ecológica, onde materiais reciclados são usados na construção e decoração, mas onde o hóspede também tem a oportunidade de provar alimentos orgânicos e estar em contato direto com a natureza.
Quando nos aprofundamos um pouco na conversa, Pollyanna nos contou um pouco de sua vida e de como começou o projeto da pousada. Foi justamente sua história de vida o que mais me impressionou nesta viagem. Uma história marcada pela tragédia do terremoto de janeiro de 2010, assim como a de milhões de haitianos que jamais esquecerão este fatídico evento.
Pollyanna sabe várias línguas e nos contou que era apresentadora de TV antes do terremoto de 2010. Ela era casada e tinha 2 filhos, mas em 12 de janeiro de 2010 durante o terremoto, ela estava voltando do trabalho enquanto a família estava em casa, em Porto Príncipe. Os 30 segundos de terremoto sacudiram sua vida, literalmente, quase vinte membros da família morreram nessa tragédia, incluindo seu marido e filhos.
Após o terremoto, Pollyanna estava desesperada mas focou suas energias em ajudar os feridos e pessoas que necessitavam ajuda. Infelizmente a dor era imensa, ela perdeu seus lindos cabelos e esteve deprimida por algum tempo. Ela abandonou seu emprego e sua vida em Porto Principe e mudou-se para Jacmel onde começou o projeto de sua pousada. Em suas palavras, “Eu queria poder ressuscitar minha família e amigos, mas como não tinha esse poder decidi que iria ressuscitar tudo que eu encontrasse pela frente. Assim comecei a trabalhar com reciclagem”.
Sua história me marcou imensamente, pela sua coragem e pela maneira que encontrou para enfrentar a dor. Também achei notável seu otimismo e maneira de tentar ver tudo de forma positiva. Me pergunto, quantos de nós teríamos a capacidade de recomeçar depois de tamanha tragédia? Com que olhar veríamos o mundo?
Para milhões de pessoas afetadas por esta tragédia, não existe escolha, senão seguir em frente. Alguns viverão o resto de suas vidas com traumas, outros simplesmente continuarão e deixarão que o tempo apague a dor, outros farão como Pollyana e converter a dor em força para criar coisas maravilhosas.
Hoje, seis anos após o terremoto ela busca reconstruir sua vida, me contou que em breve voltará a trabalhar na TV e quer continuar construindo sua pousada.
No meu trabalho dentro do mundo humanitário, falamos constantemente das tragédias do mundo, sejam elas guerras ou desastres naturais. No entanto, a maioria de nós não vivemos e não entendemos a dor e a tragédia das pessoas que desejamos ajudar. A história da Pollyana me fez pensar muito em como cada um de nós passa por tragédias (enormes ou pequenas) e no final escolhemos o que fazer com nossas dores.
PS : essa reflexão é simplesmente sobre nossas escolhas individuais perante ao sofrimento. Em nível global obviamente temos a obrigação de buscar minimizar o sofrimento causado por guerras e desastres naturais.