Março, mês das mulheres, é um bom momento para refletirmos sobre a realidade das mulheres e meninas do Brasil e do mundo. Creio que seja importante nesta época relembrar a situação de mulheres e meninas que sofrem com a violência das guerras, com a pobreza, com escravidão sexual, com a discriminação e com tantas outras formas de violência. Como mulher espero muito mais que simpáticas felicitações neste dia; espero que mais ações sejam tomadas para que as próximas gerações de mulheres vivam em um mundo que seja mais acolhedor e lhes ofereça condições para se desenvolver com dignidade.
Como em outros lugares, no Haiti a vida das mulheres costuma ser muito difícil. Aqui elas são responsáveis por manter a família e criar os filhos sozinhas, sofrem muita violência doméstica e frequentemente violência sexual. Além disso, as taxas de natalidade são muito altas e mortalidade materna também, e o acesso a saúde e métodos contraceptivos é quase inexistente.
Abaixo detalho um pouco mais estes aspectos da vida nada fácil que as mulheres haitianas levam.
Falta de acesso à educação
A falta de educação formal ou sua baixa qualidade costuma ser uma das principais raízes das mazelas sociais de um país. E nesse aspecto, quanto mais se falha em oferecer oportunidades de acesso à educação a meninas, mais difícil se torna quebrar o ciclo da pobreza. Aproximadamente 60% das mulheres haitianas são analfabetas, assim como grande parte dos homens também. Mesmo quando têm educação as mulheres ganham menos que os homens para realizar o mesmo trabalho.
Trabalho pesado
No Haiti as mulheres são, em muitos casos, responsáveis por criar os filhos sozinhas. Em uma cultura em que muitos homens são acostumados a ter várias mulheres e nenhuma responsabilidade, são elas que acabam arcando com a criação dos filhos. Pesquisas indicam que em torno de 40% das famílias são mantidas por mulheres.
Também são elas que movimentam o comércio de alimentos e outros bens nas ruas. Elas saem de casa de madrugada carregando bacias de alimentos na cabeça, caminham longos trechos e trabalham longas horas, muitas para ganhar menos de US$1-$2. São as famosas “Madam Sara”. Na agricultura elas também fazem a maior parte do trabalho: plantam, colhem, vendem. Diz-se que as mulheres são a espinha dorsal da economia haitiana.
Para vender seus produtos, mulheres andam quilômetros com bacias e cestos na cabeça
Pobreza e prostituição
A miséria, desafortunadamente, muitas vezes leva as mulheres a se prostituírem, especialmente quando não têm educação, trabalho, oportunidades, ou uma família que lhes apóie. A realidade brutal de muitas mulheres neste país é de se prostituírem nas ruas dos bairros mais pobres por 50 ou 100 gourdes (1 ou 2 dólares). Nas ruas dos bairros mais ricos as garotas fazem programas por 10 ou 15 dólares. Infelizmente este mercado muitas vezes é alimentado pelos próprios trabalhadores humanitários que supostamente estão aqui para ajudar.
Machismo e maus-tratos
Como a maioria dos países latino americanos, este é um país bastante machista e no qual os homens costumam ser cruéis com as mulheres. Os casos de violência doméstica são parte da rotina e todos os dias inúmeros casos são reportados à polícia Provavelmente, muitos outros deixam de ser apresentados às autoridades, até porque reportar casos de violência doméstica aqui não deve resolver muita coisa, uma vez que as autoridades e o sistema judicial não são capazes de combater o problema. A questão da violência doméstica é ainda mais grave nas regiões rurais, onde a maioria dos casos não são reportados. O pior é que na cultura popular é justificável um homem bater em uma mulher.
Falta de acesso a métodos contraceptivos
Uma das consequências da falta de acesso à educação e da pobreza é que a maioria das mulheres não conhece os métodos contraceptivos e tampouco tem acesso a eles. O controle de natalidade está sempre associado a mitos. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que ter relações sexuais na água ou que tomar uma bebida especial após as relações evita a gravidez. Como consequência, muitas mulheres têm quatro ou cinco filhos para criar sozinhas.
Muitas mães optam por não assumir a responsabilidade pelos filhos, por já terem muitos, ou por outras razões. Assim, muitas crianças são abandonadas ao nascer, sendo que os poucos orfanatos que existem estão sempre lotados. O abandono de menores leva a vários problemas sérios. O primeiro são crianças de rua, o segundo são aqueles tomados como criados nas casas de família, e o terceiro, o tráfico de crianças. Todos estes problemas estão naturalmente associados a maus tratos e exploração sexual.
Mercado à beira da estrada na região de Artibonite
Mortalidade materna e infantil
Acesso à saúde é um luxo que poucas pessoas têm por aqui. Sendo assim, elas não fazem pré-natal e nem maternidades para dar à luz. Sei que onde está localizado o batalhão brasileiro, na região de Forte Nacional, as mulheres em trabalho de parto muitas vezes recorrem aos enfermeiros militares que lá trabalham. Há também os Médicos sem Fronteiras e a Cruz Vermelha, os trabalhadores humanitários que mais admiro e respeito, que certamente auxiliam muitas mães a ter seus filhos. Ainda assim, em muitos casos elas dão à luz em casa em condições de higiene extremamente precárias.
Violência sexual
No Haiti a quantidade de estupros de mulheres e meninas é alarmante, especialmente nas zonas mais pobres e nos campos de refugiados que abrigam as pessoas que perderam suas casas no terremoto de 2010. Após a criação destes campos de refugiados os casos de estupros se multiplicaram pela região metropolitana de Porto Príncipe. Criminosos se aproveitam da situação de vulnerabilidade extrema de meninas que aí vivem. Como consequência muitas engravidam, piorando ainda mais a situação delas.
Crimes de natureza sexual ocorrem por todas as partes do país. Muitas mães precisam deixar seus filhos em casa para trabalhar, e em muitos casos são os próprios parentes que se aproveitam da situação para abusar das garotas. Este crime hediondo não era crime conforme a lei haitiana até 2005: antes era apenas considerado ofensa à moral. E levando-se em conta a situação do sistema judicial e da polícia, é óbvio que os criminosos estão acostumados a ficar impunes.
Organizações de mulheres e ONGs
São muito comuns aqui as organizações de mulheres. Estas organizações de mulheres têm diversas funções e objetivos como promover trabalho, educação, defesa de direitos, participação política, etc.
As ONGs estão espalhadas por todas as partes do país, com iniciativas que buscam melhorar as condições de vida da população. A principal iniciativa que conheço aqui no Haiti, no sentido de melhorar a vida de meninas é o projeto Aochan Creole, um projeto da ONG Viva Rio encabeçado durante 5 anos pela brasileira Aíla Machado (atualmente são as garotas formadas pelo projeto que estão dando continuidade). O principal objetivo do projeto é educar meninas e adolescentes tendo a dança como meio. As meninas aprendem a dançar enquanto recebem formação em diversos temas. O objetivo do projeto é mudar a perspectiva de vida das garotas que vivem no bairro de Bel Air em Porto Príncipe.
Apresentação dos dançarinos do grupo Aochan Creole
Papillon Enterprise é outro exemplo de projeto que ajuda a mudar a vida de mulheres e suas famílias. As mulheres produzem bijuterias com matérias primas como papel de caixas de cereal e argila, e com a venda dos produtos recebem um salário. A organização também favorece as mães para que tragam seus filhos e ao trabalho e flexibiliza seus horários para que possam tomar conta da família. Estes e outros projetos são exemplos do trabalho essencial dos trabalhadores humanitários em prol do desenvolvimento das mulheres.
Sonho por um futuro melhor
Para terminar com um pouco mais de otimismo eu gostaria de deixar uma nota sobre a esperança, que talvez seja a única coisa que muitas das haitianas tenham na vida. Sonhar e acreditar que é possível ter um futuro melhor, isso é sem dúvida o que faz os humanos capazes de seguir em frente sobre todas as dificuldades. Estou segura de que as mulheres daqui também têm esta característica. Elas são dignas, corajosas e cheias de força.
7 Comments
Ana MariaTem um e-mail para eu entrar em contato com você?
Eide, pode escrever para albericipereira@Gmail.com
Sou Brasileira interesamtissima seu relato ,sou casada com baiano que vieram trabalhar no Brasil conhesi ele em uma empresa que passei a trabalhar…
parabens pelo seu exemplo. Vou mandar um email a vc. att. Marcos.
Bom dia. Tenho um amigo haitiano que me fala bastante sobre o país. Ele me disse que homens casados podem se deitar com outras mulheres, desde que não seja na própria casa e/ou na cama do casal. Ele me disse que está na constituição, mas não achei nada sobre isso. Gostaria de saber se a informação procede ou se ele está mentindo pra mim.
Agradeço.
Olá Anna,
A Ana Maria Pereira parou de colaborar conosco e, infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM
Ana, eu sou haitiano, morei um tempo no Brasil e quero parabeniza-la pelo texto mas o texto conta muitas verdades e muitas mentiras tambem pois acrecenstou muitas coisas que no pais nao existem.
eu posso dizer que fora as mentiras contadas; a situaçao do haiti com o brasil e muito parecida.