Humildade é tudo.
Prezadas e prezados leitores, hoje trago mais uma das minhas observações acerca da sociedade na Áustria e sobre como é ser imigrante nessa mesma sociedade.
Conforme já relatei em outro artigo, estou frequentando o Centro de Profissionalização Feminino a fim de tentar me recolocar no mercado de trabalho.
Como parte do programa a ser cumprido, necessitei frequentar vários seminários e workshops, sendo um deles, “Noções de Direito Trabalhista Austríaco”.
Aqui já começam as quebras de paradigmas: o seminário foi ministrado por uma psicóloga. Claro que ela tinha formação no assunto, mas não se tratava de uma advogada como eu estava imaginando que fosse. No início dos trabalhos, ela informa que frequentou curso dado por advogados e juízes do trabalho, recebendo o consequente diploma. Ela deixou, igualmente, bastante claro que não teria condições de se aprofundar ou responder perguntas técnicas, pois, isso, sim, estaria totalmente fora da sua expertise. Seria um “bate-papo”, instrutivo sobre o básico da legislação trabalhista na Áustria: noções sobre admissão, contrato de trabalho, demissão, justa causa, licença para cuidado de familiar, férias, enfim.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Áustria
Em um primeiro momento, peguei-me – de fato – surpresa por uma psicóloga estar palestrando sobre Direito, mas, raciocinando melhor, entendo que foi bastante inteligente, por parte do Centro, organizar algo nesse modelo. Uma pessoa fora da área jurídica não conseguiria aplicar o “juridiquês”, ou seja, a complexa forma de comunicação que, para nós advogados é compreensível, mas para pessoas leigas, não. Bati, então, palmas pela coragem e – de novo – pela inteligência na ação.
Muito bem, iniciadas as conversas, foi-nos dado um teste de conhecimentos básicos, envolvendo o Direito do Trabalho. Perguntava-se o nome jurídico de determinadas situações, como por exemplo, o que era demissão; quais situações o empregador poderia dispensar seu empregado e com que direitos ele seria mandado embora; os nomes das diferentes licenças que a lei prevê; diferença entre horas extras e horas sobressalentes (figura que no Direito Brasileiro não existe), enfim, um universo aparentemente normal para qualquer trabalhador ou advogado austríaco. Não para mim entretanto!
Quando cheguei na Áustria, não tinha muita noção do meu rumo profissional aqui. Logo engravidei, então, não nunca me dediquei a pesquisar sobre o sistema jurídico do país até esse presente dia. Isso significava que eu – em termos de conhecimento legal nacional – equivalia ao meu filho de 5 anos de idade, ou seja, eu não sabia absolutamente nada!
Por óbvio que, no decorrer da leitura das perguntas, eu identificava, mentalmente no Direito Trabalhista Brasileiro, aquela figura ali, mas… como ela se chamava no Direito Trabalhista Austríaco? Eu não conseguia avançar por me faltar o vocabulário técnico.
Nossa coordenadora percebeu que eu não escrevia, então, sabendo já de antemão que eu era brasileira, perguntou se eu precisava de ajuda para escrever. Eu agradeci, mas expliquei que escrever não era o problema. O problema é que eu não sabia o que escrever por desconhecimento total. Ela me acalmou e disse que faríamos todas juntas, que não havia problema em não saber.
O grande grupo estava sentado em semicírculo e, ao meu lado, uma senhora muito querida, proveniente da Croácia, viu minha situação e ofereceu-me auxílio. Ela já havia terminado o exercício e me botou na frente sua folha toda preenchida. Ela disse: “pode copiar. A gente vai todo mundo se ajudando” e me abriu um largo sorriso. Eu aceitei e agradeci sua boa vontade. Pelo menos, não encerraria o período com o questionário totalmente em branco.
Todas que estávamos ali tínhamos as mais variadas bases profissionais e culturais. A grande maioria era austríaca, mas havia muitas estrangeiras como eu. Russas, chechenas, turcas, eslovacas, eu, brasileira e essa querida senhora, croata, que me auxiliou. Esse era um resumo das nacionalidades presentes no seminário daquele dia.
Muito bem, concluída a tarefa, agradeci minha colega novamente e dei-me conta do quanto nossos papeis podem mudar quando somos imigrantes. Talvez no Brasil, eu não tivesse tanta abertura para assistir uma palestra sobre Direito do Trabalho ministrada por uma psicóloga. Lá, eu era advogada. Aqui, não!
E o que – de verdade – mais me emocionou e fez muito refletir foi o fato de que a senhorinha, que se dispôs a me ajudar, exerceu a profissão de cozinheira por toda a sua vida desde que chegou à Áustria. Por 40 anos ela trabalhou no setor gastronômico. Infelizmente, hoje, com 58 anos, faltando 2 anos para sua aposentadoria, o restaurante em que trabalhava faliu. Ela estava junto comigo e com as demais colegas, buscando uma colocação para que pudesse se aposentar regularmente e com 100% das vantagens legais.
O que se pode aprender em situações assim vai além do meramente técnico, pois a letrada, totalmente ignorante naquele caso, absorveu integralmente os conhecimentos tanto da psicóloga, que foi 100% bem sucedida em transmitir a mensagem sem os cacoetes que uma advogada poderia utilizar, quanto da senhora do trabalho prático, totalmente sábia e generosa na sua maneira de compartilhar o saber.
Diante dessa extraordinária experiência, faço um apelo a todas e todos: livrem-se de prejulgamentos e de preconceitos! Sejam receptivos quando a vida lhes trouxer um presente como esse que ganhei nesse dia.
Hoje, você está no conforto do seu lar, no aconchego de sua família e de seus amigos. Amanhã, você pode estar em uma terra estranha, com pessoas as quais você não conhece e com desafios antes inimagináveis.
Amanhã, o(a) imigrante pode ser você!
2 Comments
Ola Ana, (desculpe a falta de acentuacao, pois o computador que uso nao possui todos os acentos)
Eu li o seu post em um momento muito importante da minha vida. Estou prestes a imigrar pela segunda vez. Vim para a Sydney ha dois anos e agora me preparo para me mudar, junto com a minha esposa, para Vienna dentro de alguns meses.
Quando cheguei em Sydney,nao sabia se queria ficar aqui, mas me apaixonei pela cidade e renovei meu visto. A ideia entao seria validar a minha profissao (relacoes publicas), arrumar um trabalho fulltime e me estabelcer. As coisas nao sairam eatamente como eu planejei e nesse periodo a Australia tem me batido bastante, me colocando em situacoes que eu nunca me imaginei vivendo, ou me fazendo aceitar coisas que antes eu jamais aceitaria. Aqui eu nao sou o Tiago RP, eu sou o Tiago que faz quase qualquer trabalho para levantar dinheiro e tentar aproveitar o lugar que eu escolhi viver. Aqui eu sou mais um, quase pra todo mundo, menos pra minha esposa.
Em certo ponto da minha jornada eu me casei com uma pessoa maravilhosa (austriaca, by the way) e os planos mudaram. Agora eu preciso criar estabilidade, buscar algo mais perene e frutifero. O destino esta nos conduzindo agora para Vienna, junto com toda a sorte de desafios de recomecar em outro lugar. Agora os desafios sao outros, mas eu acredito que vai dar tudo certo no final. Desta vez eu vou precisar, alem de me adaptar a um pais diferente, aprender uma lingua do zero. Sem o dominio do alemao, o objetivo de voltar a atuar como relacoes publicas fica ainda mais distante, mas nao impossivel.
Enfim, como voce mesma disse, eh tudo uma questao de humildade… e como um imigrante pela segunda vez, a humildade vai me acompanhar ate a Austria, batendo forte na minha cara de vez em quando, mas tambem de despindo de titulos e esteriotipos, fazendo com que (acredito) eu me torne uma pessoa melhor.
Boa sorte pra nos e muito obrigado por disponibilizar esse conteudo em um momento em que eu mais precisava ouvir: tenha humildade.
Abs
Tiago
Alô, Tiago!
Obrigada por ler e por deixar um comentário tão significativo!
Sem dúvida, vai dar tudo ok pra vocês, porque pelo menos um de vocês 2 estará “em casa”, o que facilita em alguns momentos de decisão. Não tenha medo, pois agora já conheces a dinâmica da “vida de imigrante”, um dia sobe, outro, desce e no final fica tudo plano.
Deixo como dica o aprendizado do alemão como ponto principal pra ti. Ele abre inúmeras portas, inclusive, no dia a dia.
A Áustria é um país belíssimo, de muita cultura e estabilidade. Nosso aprendizado é diário, mas vale a pena!
Uma feliz mudança pra vocês e que a vida aqui traga muita paz e felicidade!
Grande abraço!