Expulsei as crianças de casa.
Prezadas leitoras e leitores, tendo em vista a quantidade de miséria humana que estamos vivendo desde 2020, resolvi escrever algo que nos faça rir ou, no mínimo que seja, sorrir.
Muito bem, Áustria final de março de 2021!
Estávamos prestes a entrar no nosso quarto lockdown (a região leste do país mais precisamente). Sempre que o governo anunciava um novo confinamento, eu combinava com a mãe do melhor amiguinho, de escola, do meu filho de eles virem passar a última tarde disponível conosco antes de não mais poderem se ver.
Em tempos de restrição total, além de fechar tudo, incluso escolas, a regra para visitas privadas é de que apenas uma pessoa estranha pode entrar na sua casa. Apenas uma. Mais ninguém!
Tudo certo, na sexta-feira anterior ao início do confinamento total, tratamos que a mãe viria com o amiguinho e a irmãzinha mais nova para passarem a tarde, aqui em casa, brincando. Esse seria o último momento para receber visitas. Maravilha!
Crianças felizes, tempo bom, abri as portas e o jardim virou pracinha pros 3, que corriam livres e faceiros, aproveitando seus últimos momentos de convívio mútuo. Na frente de casa, já do lado de fora, na rua, ouvem-se gritinhos, ruído de carrinho e falaçada infantil. Por conta do clima agradável, uma família amiga, vizinha, passeia com seus pequenos que também são amiguinhos do meu filho.
Até aí, tudo bem. As crianças de dentro do nosso pátio avistam as de fora, que se aproximam da nossa cerca. Meu esposo está a conversar com a mãe das crianças do lado de fora e, como sempre faz em tempos normais, convida a todos para entrarem no nosso pátio. “A criançada pode brincar em paz, sem o risco de estarem no meio da rua”, diz ele para nossa amiga.
Ela me olha um pouco chocada e pergunta: “mas é autorizado? Serão 5 crianças ao total. Acho que é proibido.” Obviamente, a essa altura, todos já tinham pulado o muro e estavam voando as tranças dentro do nosso jardim, que é visível a todos, pois não temos muro alto e não é comum esconder os jardins.
Em tempos de lockdown parcial, também há regras para se visitar as pessoas. Estávamos em confinamento parcial e, dentro da minha lembrança, o autorizado seriam uma pessoa adulta, estranha aos moradores da casa, + 4 crianças ao total. Tomada de pânico – tínhamos 5 crianças correndo e brincando como se não houvesse amanhã dentro do nosso pátio – e tendo sabido que a polícia houvera desmanchado uma festinha de aniversário de criancinhas menores que as nossas, por denúncia de vizinhos, em confinamento total anterior, justamente pelo número de crianças ter excedido o permitido, comecei a enxotar todas as crianças para fora.
Botei todos, inclusive meu filho, pra rua.
Todos os adultos ficamos controlando os pequenos até o momento em que me dei conta de que as regras vigentes estão no site do Ministério da Saúde da Áustria. Enquanto os pobrezinhos se divertiam no meio da via, eu procurava como doida a seção de visitas privadas. Aquilo muda a cada momento em que a condição sanitária muda, então, é impossível guardar, de cabeça, toda a vez que há uma alteração.
Muito bem! Após 15 minutos de literal angústia, achei a resposta: eram autorizados até 2 adultos de uma mesma família visitarem outra família + o máximo de 6 crianças dentro da casa visitada. Ufa! Comecei a gritar rua afora, solicitando que todos os pequenos entrassem, de novo, no nosso pátio.
Tudo excelente, esclarecido, mas agora tínhamos 2 adultas, de famílias diferentes, e 5 crianças. Solução: pedimos com toda a delicadeza que uma das mães fosse embora. Graças a Deus, temos uma boa amizade e ela própria já havia dito que não poderia entrar para evitarmos problema com polícia e multa. Ficou a mãe que eu havia convidado para passar a tarde conosco e, ao anoitecer, a mãe, mandada embora, veio até nosso portão para buscar seus pequenos.
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Constrangedor? Altamente, mesmo todos se conhecendo bem e tendo ótimo convívio. Necessário: sim! Estamos todos lutando para que a situação chegue um pouco mais próxima à normalidade.
Nenhum de nós tinha disposição alguma em quebrar qualquer regramento, porque seria, primeiro, um péssimo exemplo a nossos filhos que estavam ali nos assistindo; segundo, porque seria antissolidário, vez que pessoas de idade e demais estavam também cumprindo as regras à risca; terceiro, porque sabíamos muito bem das consequências, caso houvesse denúncia.
Infelizmente, os tempos extremos pelos quais estamos passando, não nos deixam outra alternativa: ou seguimos o determinado pelas autoridades sanitárias ou colocamos todo o trabalho de contenção dessa doença maldita por terra.
Poderíamos pensar e agir sob o mote: “são criancinhas pequenas que somente querem brincar, pobrezinhas”, todavia, como já referi, estaríamos ensinando a pior das lições e emitindo a mais infeliz das mensagens aos pequenos, ou seja, “não interessa o que a autoridade, que está tentando salvar as nossas vida, diga.
O que importa é que vocês satisfaçam seus desejinhos pessoais e não temos nada a ver com os outros”. Temos sim, se todos ou a maioria cooperar, saímos dessa miséria um pouco mais rápido e mais fortalecidos como sociedade. Há, aqui, quem negue a pandemia? Sim, mas graças a Deus há mais gente que acredita na ciência e segue as determinações.
Até isso incorporei ao meu currículo, morando na Terra de Mozart: como expulsar crianças e pessoas amigas de dentro da minha casa com toda a educação, graças à pandemia!
Ironias à parte, tentando trazer um pouco de humor a toda situação, desejo a todas e todos muita saúde, paz e força na peruca pra continuar seguindo as orientações até que o perigo diminua, até que tudo passe!
Abraço!
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